Beenay refizera os seus cálculos até a exaustão. Os resultados eram sempre os mesmos.
Em quem deveria acreditar?
Em si mesmo ou no esquema dominante do mestre Athor? Nos seus modestos conhecimentos de astronomia ou na vasta experiência de Athor, o homem que decifrara a estrutura fundamental do universo?
Imaginava-se de pé na cúpula do Observatório, gritando: “Escutem-me, todos! A teoria de Athor está errada! Posso provar isso!” Certamente, ririam dele às gargalhadas.
Quem era Beenay para desafiar um dos maiores cérebros de Kalgash? Como um reles professor assistente se atrevia a refutar a Lei da Gravitação Universal?
E no entanto… no entanto. .
Continuou a examinar as listagens que Yimot e Faro haviam preparado. Os cálculos nas duas primeiras páginas eram novos para ele. Ao apresentar os dados aos estudantes, tomara cuidado para que as relações a partir das quais os números tinham sido obtidos não ficassem óbvias. Os dois haviam abordado o problema de uma forma que qualquer astrônomo empenhado em calcular a órbita de Kalgash consideraria muito pouco ortodoxa. Mas esta era exatamente sua intenção. A abordagem ortodoxa o levara apenas a conclusões catastróficas. Entretanto, conhecendo o que conhecia, era impossível evitar a abordagem ortodoxa. Faro e Yimot, por outro lado, tinham tido mais liberdade para analisar o problema.
Enquanto tentava reconstituir a linha de raciocínio que os dois estudantes haviam seguido, Beenay pôde perceber que os cálculos se aproximavam gradualmente dos seus.
Ao chegar à terceira página, estava de volta aos seus próprios resultados, que àquela altura conhecia praticamente de cor.
Dali em diante, tudo se seguia de forma impecável, passo a passo, até a mesma conclusão espantosa, estarrecedora, inconcebível.
Beenay olhou, preocupado, para os dois estudantes.
— Será que vocês não cometeram algum erro? Esta série de integrações, por exemplo… parece bem complicada…
— Professor! — exclamou Yimot, com indignação. Seu rosto estava afogueado e os braços se agitavam com se estivessem se movendo por conta própria.
— Acho que a possibilidade de erro é mínima, professor. Conferimos as contas várias vezes — declarou Faro, em tom bem mais tranquilo.
— É. Acho que estão certos — concordou Beenay, muito sério. Não queria revelar a emoção que estava sentindo, mas as mãos tremiam tanto que as folhas de computador começaram a farfalhar. Tentou colocá-las sobre a mesa, mas o pulso fez um movimento incontrolável, parecido com os de Yimot, e elas escaparam por completo de sua mão, espalhando-se no piso.
Faro ajoelhou-se para apanhá-las. Olhou, preocupado, para Beenay.
— Professor, se está aborrecido conosco por alguma razão…
— Não. Não, nada disso. Não dormi bem antes de vir para cá, este é o problema. Vocês fizeram um bom trabalho sem dúvida, excelente. Estou orgulhoso. Pegar um problema como este, que não tem nenhuma relação com a realidade, que na verdade está em total contradição com a verdade científica, e segui-lo metodicamente até a sua conclusão lógica, sem se deixar intimidar pelo fato de que a premissa inicial é de um absurdo patente… Sim, é um trabalho esplêndido, uma demonstração admirável dos poderes da lógica, uma experiência imaginária de primeira ordem…
Observou que os dois se entreolharam. Será que estava conseguindo enganá-los?
— Agora — prosseguiu -, vão ter que me desculpar, porque tenho outro compromisso…
Enrolando em um cilindro apertado as malditas listagens, Beenay colocou-as debaixo do braço, deu meia-volta e saiu da sala. Atravessou o corredor quase correndo, rumando para a segurança e a privacidade de seu pequeno escritório.
Meu Deus, pensou. Meu Deus, meu Deus, meu Deus, que foi que eu fiz? Que vou fazer agora?
Enterrou a cabeça entre as mãos e esperou que ela parasse de latejar. Só que ela se recusou a parar. Depois de alguns momentos, endireitou o corpo e apertou o botão do comunicador.
— Ligue-me com a Crônica — disse para a máquina. Quero falar com Theremon 762.
O comunicador deixou escapar uma longa sequência de estalidos e assovios. De repente, ouviu a voz grave do amigo:
— Mesa de notícias. Theremon 762 falando.
— Aqui é Beenay.
— Quem? Pode falar mais alto?
Beenay percebeu que sua voz estava reduzida a um fiapo.
— Aqui é Beenay! Eu… eu queria mudar a hora da nossa entrevista.
— Rapaz, sei como se sente de manhã,
— Mudar? Escute…
— Mas preciso falar com você antes do meio-dia, senão adeus reportagem .
— Não está entendendo. Quero antecipar a entrevista, Theremon.
— O quê?
— Para esta noite. Às nove e meia, digamos. Ou as dez, se você não puder antes.
— Pensei que você tivesse que tirar fotografias no Observatório.
— Para o inferno com as fotografias! Preciso falar com você.
— Precisa? Beenay, o que houve? Foi alguma coisa com Raissta?
— Raissta não tem nada a ver com isto. Às nove e meia? No Seis Sóis?
— No Seis Sóis, às nove e meia. Combinado — disse Theremon.
Beenay desligou e ficou olhando para o cilindro de papel à sua frente, balançando a cabeça com um ar sombrio. Sentia-se um pouco mais calmo agora, apenas um pouco mais. Seria mais fácil carregar aquele fardo depois que compartilhasse o segredo com Theremon. Confiava cegamente no amigo. Os repórteres não eram famosos pela sua discrição, mas Theremon era em primeiro lugar um amigo, e só depois um jornalista, Jamais traíra a confiança de Beenay.
Mesmo assim, Beenay não tinha a menor ideia do que iria fazer em seguida. Talvez Theremon pensasse em alguma coisa. Talvez.
Deixou o Observatório pela saída dos fundos, esgueirando-se como se fosse um ladrão. Não queria se arriscar a um encontro com Athor. Detestaria ter que encará-lo de frente, agora que sabia o que sabia.
A viagem de volta para casa foi uma verdadeira tortura. Tinha a impressão de que a qualquer momento as leis da gravidade perderiam a validade e sua motoneta se projetaria para fora da estrada. Afinal, chegou ao pequeno apartamento que dividia com Raissta 717.
Ela teve um sobressalto quando o viu.
— Beenay! Você está pálido como um…
— Como um fantasma — completou o astrônomo, tomando-a nos braços. — Abrace-me — disse. — Abrace-me.
— Que foi? Que aconteceu?
— Depois eu explico. Agora, estou precisando mesmo é de um abraço.
Theremon chegou ao Clube dos Seis Sóis pouco depois das nove. Resolveu pedir um drinque antes da chegada do amigo, para lubrificar o cérebro. O astrônomo havia soado horrível ao comunicador, como se estivesse à beira da histeria. Theremon não conseguia imaginar que coisa assustadora poderia ter acontecido com ele, na paz e solidão do Observatório, para transformá-lo em um farrapo humano em tão pouco tempo. O que sabia era que Beenay estava passando por maus pedaços e iria precisar de toda a ajuda que Theremon pudesse de lhe oferecer.
— Traga-me um Tano Especial — disse Theremon para o garçom. — Não, espere… é melhor trazer um duplo. Um Tano Sitha, OK?
— Um Tano Especial duplo — repetiu o garçom. — É para já.
A noite estava muito agradável. Theremon, que era conhecido no lugar e recebia tratamento especial, ocupava uma das mesas do terraço, com vista para a cidade. As luzes do centro brilhavam alegremente. Onos tinha se posto fazia apenas uma hora, e somente Trey e Patru estavam no céu, a leste, projetando uma dupla sombra, enquanto se deslocavam em direção ao horizonte.
Olhando para eles, Theremon imaginou quantos sóis estariam no céu no dia seguinte. Era sempre diferente, um espetáculo brilhante e mutável. Onos certamente… Onos estava sempre visível, pelo menos durante parte do dia, todos os dias do ano. Até ele sabia disso. E depois? Dovim, Tano e Sitha, para tornar o dia seguinte um dia de quatro sóis? Não sabia ao certo. Talvez fossem apenas Tano e Sitha, com Onos visível apenas por algumas horas, por volta do meio-dia. Nesse caso, seria um dia triste. Pensando melhor, não era época para Onos nascer tarde. Era mais provável que fosse um dia de três sóis, a menos que apenas Onos e Dovim estivessem visíveis. Era tão difícil guardar a conta…
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