Eugenia olhou para ele com sincera surpresa.
— Então não sente nada pelo Sistema Solar, pela Terra, pelo planeta que serviu de berço para a raça humana?
— Sinto, sim, Eugenia. Sinto muita coisa. Não posso, porém, permitir que a emoção interfira no meu trabalho. Deixamos o Sistema Solar porque achamos que estava na hora de a humanidade se espalhar pela Galáxia. Outros certamente nos seguirão; talvez já o estejam fazendo neste exato momento. Não podemos mais pensar na humanidade em termos de um único sistema planetário. Nosso lugar é aqui.
Olharam um para o outro, e Eugenia disse, em tom desanimado:
— Você vai me dissuadir de novo. Você vem me dissuadindo há tantos anos…
— É verdade, mas ano que vem terei de fazer isso novamente. Você é muito teimosa, Eugenia, e já estou ficando cansado. A primeira vez devia ter sido suficiente — concluiu, voltando a atenção para o computador.
A primeira vez em que a dissuadira tinha sido dezesseis anos antes, em 2220, o ano em que as possibilidades da Galáxia pela primeira vez se abriram para eles.
Na época, Janus Pitt tinha cabelos castanhos e ainda não era Comissário de Rotor, embora todos falassem dele como um homem com um futuro brilhante pela frente. Entretanto, chefiava o Departamento de Exploração e Comércio, de modo que a Sonda Profunda estava sob a sua responsabilidade e era, até certo ponto, uma conseqüência dos seus atos
Era a primeira tentativa de lançar um objeto ao espaço usando a propulsão hiperespacial
Ate onde sabiam, apenas Rotor havia desenvolvido a propulsão hiperespacial, e Pitt achava que deviam manter sigilo absoluto.
Foi o que disse em uma reunião do conselho.
— O Sistema Solar está superpovoado. Não há lugar para ovas colônias espaciais. Mesmo o cinturão de asteróides é apenas uma solução paliativa; em pouco tempo também vai estar com sua capacidade esgotada. Além do mais, cada colônia tem um equilíbrio ecológico diferente, de modo que estamos nos afastando rapidamente uns dos outros. O medo de contaminação com doenças e parasitas de outras colônias está acabando com o comércio.
“A única solução, senhores conselheiros, é deixar o Sistema Solar… sem fanfarras, sem alarde. Vamos partir em busca de um novo lar, onde possamos construir um novo mundo, com nossa sociedade, nossa maneira de viver. Isso não pode ser feito sem a propulsão hiperespacial… que nós já temos. O Sistema Solar se encontra em um processo de desintegração social.
“Se formos primeiro, teremos uma boa chance de encontrar um mundo antes que outros nos sigam. Mais tarde, se alguém reivindicar o nosso novo planeta, estaremos suficientemente seguros para nos defender. A Galáxia é muito grande, e haverá outros lugares para os que deixarem o Sistema Solar depois de nós.
Tinha havido objeções, é claro, e bastante acaloradas. Havia os que se opunham por medo do desconhecido. Havia os que se opunham por idealismo; queriam disseminar o conhecimento, para que outros membros da raça humana pudessem participar do movimento migratório.
Pitt só conseguira convencer os companheiros porque Eugenia Insigna lhe fornecera um argumento decisivo. Tinha sido muita sorte ela procurá-lo primeiro.
Era bem jovem na ocasião. Tinha apenas vinte e seis anos. Era casada, mas ainda não estava grávida. Estava nervosa, agitada, e trazia nas mãos um maço de papel de computador.
Pitt não havia gostado da intromissão. Ele era o secretário do departamento e ela… bem, ela não era ninguém, embora, na realidade, faltasse muito pouco tempo para deixar de ser ninguém.
Na ocasião, ele não sabia disso, é claro, e ficou irritado com a forma como ela forçou a entrada. A jovem estava visivelmente agitada, o que o deixou na defensiva. Na certa iria examinar com ele a complexidade infinita do que quer que fosse que tinha nas mãos, e com tal intensidade que o deixaria exausto.
Não, era melhor deixar a tarefa a cargo de um dos assistentes. Decidiu dizer isso à moça.
— Estou vendo, Dra. Insigna, que trouxe alguns dados para me mostrar. Terei todo o prazer em examiná-los, assim que tiver tempo. Por que não os deixa com a minha secretária? — Apontou para a porta, desejando ardentemente que a jovem desse meia-volta e se encaminhasse naquela direção. (Às vezes, anos mais tarde, imaginava o que teria acontecido se a moça tivesse obedecido, e tremia só de pensar.)
Entretanto, o que ela disse foi:
— Não, não, Sr. Secretário! Preciso falar com o senhor e mais ninguém!
Falava com voz trêmula, como se não pudesse controlar a emoção.
— É a maior descoberta desde… desde… — Desistiu de concluir a frase. — É a maior.
Pitt olhou, desconfiado, para os papéis que a moça estava carregando. Ele não se sentia nada nervoso. Aqueles especialistas sempre achavam que algum pequeno microavanço em sua microárea de trabalho era uma descoberta revolucionária.
— Está bem, doutora — disse, em tom resignado. — Pode explicar-me, em termos simples, do que se trata?
— Estamos protegidos, senhor?
— Por que temos de estar protegidos?
— Não quero que ninguém ouça até estar bem certa… certa… tenho que verificar e verificar de novo, até não haver nenhuma dúvida. Acontece que, na verdade, não tenho nenhuma dúvida. Acho que não estou fazendo muito sentido, não é?
— Também acho — disse Pitt, friamente, apertando um botão. — Estamos protegidos. Pode me contar.
— Está tudo aqui. Vou mostrar ao senhor.
— Não. Conte-me, primeiro. Mas seja breve.
Ela respirou fundo.
— Sr. Secretário, descobri a estrela mais próxima. — Estava com os olhos arregalados e a respiração ofegante.
— A estrela mais próxima é Alfa Centauri. Sabemos disso há séculos.
— Alfa Centauri é a estrela mais próxima conhecida. Descobri uma estrela muito mais próxima. A verdade é que o Sol tem uma companheira distante. Pode acreditar nisso?
Pitt ficou pensativo. Era típico. Quando eles eram jovens, entusiásticos e inexperientes, sempre tiravam conclusões apressadas.
— Tem certeza?
— Tenho. Verdade. Deixe-me mostrar-lhe os dados. É a coisa importante que aconteceu na astronomia desde…
— Isso, se aconteceu. Não me mostre os dados. Posso vê-los ais tarde. Conte-me. Se existe uma estrela muito mais próxima que Alfa Centauri, por que não foi descoberta antes? Por que deixaram a descoberta para a senhora, Dra. Insigna? — Ele sabia que estava sendo sarcástico.
Ela não pareceu dar atenção ao seu tom de voz. Estava nervosa demais para isso.
— Existe uma razão. Está atrás de uma nuvem, uma nuvem opaca, uma concentração de poeira interestelar localizada exatamente entre nós e a companheira. Se não fosse a poeira, ela seria uma estrela de oitava grandeza, fácil de ser observada. A poeira absorve a maior parte da luz, transformando-a em uma estrela de décima nona grandeza, perdida entre milhões de outras estrelas fracas. Não havia nada que chamasse a atenção para ela. Ninguém a notou. Fica no hemisfério sul da esfera celeste, de modo que a maioria dos telescópios da era pré-colonização nem podia apontar para ela.
— Se é assim, como conseguiu descobri-la?
— Por causa da Sonda Profunda. Naturalmente, as posições relativas do Sol e desta Estrela Vizinha estão sempre mudando. Suponho que ela e o Sol estejam girando, muito lentamente, em torno de um centro de gravidade comum, com um período de milhões de anos. Há alguns séculos, as posições podem ter sido tais que não havia nenhuma nuvem de poeira entre nós e a Estrela Vizinha, mas necessitaríamos de um telescópio para observá-la e os telescópios foram inventados há apenas seis séculos, e instalados muito mais tarde nos lugares da Terra de onde a Estrela Vizinha seria visível. Daqui a alguns séculos, poderemos vê-la de novo com toda a clareza, brilhando do outro lado da nuvem de poeira. Entretanto, teremos que esperar séculos. A Sonda Profunda fez o serviço para nós.
Читать дальше