Eugenia voltou a atenção para as notícias do dia, que o computador estava esperando, com a paciência infinita da sua espécie, para lhe transmitir.
Entretanto, antes que tivesse tempo de consultar o computador, a recepcionista chamou, e uma voz suave saiu do pequeno alto-falante pendurado do lado esquerdo da blusa:
— Aurinel Pampas quer falar com a senhora. Ele não tem hora marcada.
Insigna fez uma careta antes de se lembrar de que havia pedido que o rapaz procurasse Marlene.
— Mande-o entrar — disse pelo microfone.
Deu uma olhada rápida para o espelho. Verificou que estava apresentável. Para si mesma, aparentava menos que os quarenta e dois anos que tinha. Esperava que os outros pensassem da mesma forma.
Parecia uma tolice preocupar-se com a própria aparência por causa de um rapaz de dezessete anos, mas Eugenia Insigna tinha visto a pobre Marlene olhar para aquele rapaz e sabia o que o olhar significava. Não parecia a Insigna que Aurinel, que se orgulhava tanto da própria aparência, pudesse jamais pensar em Marlene como algo mais que uma criança divertida. Mesmo assim, se Marlene estava fadada a uma decepção, era preferível que não pensasse que a mãe havia contribuído de alguma forma para o desfecho inevitável.
Ela vai me culpar de qualquer maneira, pensou Insigna com um suspiro, quando o rapaz Entrou com um sorriso que ainda não havia superado a timidez de adolescente.
— Então, Aurinel? Encontrou Marlene?
— Sim, senhora. Bem no lugar onde a senhora disse que estaria. Disse a ela que a senhora não gosta que fique muito tempo lá.
— Como ela está se sentindo?
— Se quer saber, Dra. Insigna… não sei bem se é depressão ou alguma coisa, mas ela está com idéias esquisitas na cabeça. Não sei se vai gostar que eu conte à senhora.
— Também não gosto de espionar minha própria filha, mas ela tem idéias estranhas, e isso me preocupa. Por favor, conte- me o que ela disse.
Aurinel fez que sim com a cabeça.
— Está bem, mas não diga a ela que lhe contei. Esta é realmente estranha. Ela me disse que a Terra vai ser destruída. — Esperou que Insigna risse.
Insigna não riu. Em vez disso, pareceu sobressaltada.
— O quê? Por que diria isso?
— Não sei, Dra. Insigna. Ela é uma menina muito inteligente, a senhora sabe, mas tem umas idéias meio esquisitas. Quem sabe estava apenas mexendo comigo?
— E, pode ser que seja isso. Minha filha tem um estranho senso de humor. Escute: não quero que repita isso a mais ninguém. Não quero que pensem que Marlene ficou maluca. Está entendendo?
— Claro que sim, madame.
— Falo sério. Nem uma palavra.
Aurinel assentiu, muito sério.
— Obrigada por me contar. Era importante que eu soubesse. Vou conversar com Marlene e descobrir o que a está aborrecendo. E fique tranqüilo… ela não saberá que estivemos conversando.
— Obrigado. Só mais uma coisa, madame.
— Que é?
— A Terra vai ser destruída?
Insigna olhou para ele e deu um riso forçado.
— Claro que não! Agora pode ir.
Depois que o rapaz se afastou, Insigna lamentou-se por não ter conseguido negar de forma mais convincente.
Janus Pitt tinha um porte imponente, o que o ajudara a chegar ao poder como Comissário de Rotor. Nos primeiros tempos da colonização havia uma tendência para escolher pessoas de estatura não maior do que a média. Achava-se que isso redundaria em uma economia de espaço e suprimentos. Mais tarde, tal precaução se revelou desnecessária e foi abandonada, mas a diferença ficou nos genes dos primeiros colonos, de modo que os rotorianos eram em média um centímetro ou dois mais baixos que os cidadãos das colônias mais recentes.
Entretanto, Pitt era bem alto, cabelos grisalhos, rosto comprido, olhos azuis e um corpo que ainda estava em boa forma, embora já tivesse cinqüenta e seis anos.
Quando Eugenia Insigna entrou, Pitt olhou para ela e sorriu, mas sentiu-se, como sempre, um pouco nervoso. Eugenia era sinônimo de problemas. Atrás dela sempre vinham aqueles Casos (com C maiúsculo) de difícil solução.
— Obrigada por me receber, Janus, mesmo sem hora marcada.
Pitt interrompeu o que estava fazendo no computador e recostou-se na cadeira, procurando parecer o mais calmo possível.
— Ora, vamos… sabe que entre nós não existem formalidades. Nós nos conhecemos há muito tempo.
— E passamos muita coisa juntos — acrescentou Insigna.
— É verdade. Como vai sua filha?
— É sobre ela que quero falar. Estamos protegidos?
Pitt levantou as sobrancelhas.
— Por que protegidos? Que há para proteger, e de quem?
A pergunta fez Pitt perceber a estranha posição em que Rotor se encontrava. Para todos os efeitos, estava sozinho no Universo. O Sistema Solar estava a mais de dois anos-luz de distância e talvez não existisse nenhum outro mundo habitado por seres inteligentes em um raio de centenas ou mesmo bilhões de anos-luz.
Os rotorianos podiam se sentir solitários, mas estavam livres de qualquer perigo de interferência externa. Pelo menos, praticamente livres, pensou Pitt.
— Sabe muito bem o que há para proteger. Foi você mesmo que insistiu na necessidade de mantermos segredo.
Pitt ativou o escudo protetor.
— Vamos voltar de novo ao assunto? Por favor, Eugenia, já está decidido. Estava decidido quando partimos, há quatorze anos. Sei que você se lamenta de vez em quando…
— Lamentar-me? Por que não? É a minha estrela — disse, levantando o braço, como se estivesse apontando para Nêmesis. — É minha responsabilidade.
Pitt franziu a testa. Temos de passar por tudo isso de novo? pensou.
— Estamos protegidos. Que é que está preocupando você?
— Marlene. Minha filha. Não sei como, mas ela sabe.
— Sabe o quê?
— A respeito de Nêmesis e o Sistema Solar.
— Como poderia saber? A não ser que você lhe contasse?
Insigna abriu os braços, desanimada.
— Claro que não contei a ela, mas não foi preciso. Tenho a impressão de que Marlene tudo ouve e tudo vê. E das coisas que ela ouve e vê, tira suas conclusões. Sempre foi assim, mas no último ano ficou pior ainda.
— Muito bem. Então ela tem palpites e às vezes acerta na mosca. Diga a ela que se enganou e cuide para que não fale a respeito com ninguém.
— Ela já falou com um rapaz, que veio falar comigo. Foi assim que fiquei sabendo. O nome dele é Aurinel Pampas. É amigo da família.
— Ah, sim. Conheço-o de vista. Simplesmente diga a ele para não dar ouvidos às fantasias de uma criança.
— Ela não é mais uma criança. Tem quinze anos.
— Para ele, Marlene é uma criança, eu lhe asseguro. Já lhe disse que conheço o rapaz de vista. É do tipo que faz o possível e o impossível para parecer adulto. Quando eu tinha a idade dele, sentia-me muito superior a qualquer menina de quinze anos, especialmente se ela era…
— …se ela era baixinha, gorducha e despretensiosa — completou Insigna, em tom irônico. — O fato de ser muito inteligente faz alguma diferença?
— Para mim e para você? Claro que sim. Para Aurinel, certamente que não. Se for necessário, posso falar com o rapaz. Enquanto isso, converse com Marlene. Diga a ela que a idéia de que a Terra vai ser destruída é ridícula e que não deve sair por aí espalhando boatos sem fundamento.
— E se for verdade?
— Isso não vem ao caso. Escute, Eugenia, eu e você escondemos esta possibilidade durante anos, e é melhor continuarmos a escondê-la. Se a notícia se espalhar, será certamente exagerada, e toda a questão ficará envolvida em um clima emocional que só servirá para roubar tempo do trabalho em que estamos empenhados desde que deixamos o Sistema Solar… e em que provavelmente estarão empenhados nossos descendentes durante várias gerações.
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