Luís Camões - Os Lusíadas
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- Название:Os Lusíadas
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E ſe buſcando vas mercadoria,
Que produze o aurifero Leuante,
Canella, Crauo, ardente eſpeciaria,
Ou Droga ſalutifera, & preſtante:
Ou ſe queres luzente pedraria,
O Rubí fino, o rigido Diamante:
Daqui leuaras tudo tam ſobejo.
Com que faças o fim a teu deſejo:
Ao menſageiro o Capitão reſponde,
As palauras do Rei agradecendo,
E diz que porque o Sol no mar ſe eſconde,
Não entra pera dentro obedecendo,
Porem que como a luz mostrar por onde
Va ſem perigo, a frota não temendo,
Comprirà ſem receio ſeu mandado,
Que a mais por tal ſenhor eſtà obrigado.
Perguntalhe deſpois, ſe estão na terra
Chriſtãos, como o Piloto lhe dezia,
O menſageiro aſtuto que não erra,
Lhe diz, que a mais da gẽte em Chriſto cria:
Deſta ſorte do peito lhe desterra
Toda a ſoſpeita, & cauta fantaſia:
Por onde o Capitão ſeguramente,
Se fia da infiel, & falſa gente.
E de algũs que trazia condenados,
Por culpas, & por feitos vergonhoſos
Porque podeſſem ſer auenturados,
Em caſos deſta ſorte duuidoſos.
Manda dous mais ſagazes, enſaiados,
Porque notem dos Mouros enganoſos,
A Cidade, & poder, & porque vejão,
Os que Chriſtãos, que ſo tanto ver deſejão.
E por eſtes ao Rei preſentes manda,
Porque a boa vontade que moſtraua,
Tenha firme, ſegura, limpa, & branda,
A qual bem ao contrario em tudo eſtaua.
Ia a companhia perfida, enefanda
Das naos ſe deſpedia, & o mar cortaua,
Foram com geſtos ledos, & fingidos,
Os dous da frota em terra recebidos.
E deſpois que ao Rei apreſentàrão,
Co recado os preſentes que trazião,
A Cidade correrão, & notarão
Muito menos daquillo que querião,
Que os Mouros cauteloſos ſe guardarão
De lhe moſtrarem tudo o que pedião.
Que onde reina a malicia, eſtà o receio
Que a faz imaginar no peito alheio.
Mas aquelle que ſempre a mocidode
Tem no roſto perpetua, & foy naſcido
De duas mãis: que vrdia a falſidade,
Por ver o nauegante deſtruydo:
Eſtaua nũa caſa da Cidade,
Com roſto humano, & habito fingido
Moſtrandoſe Chriſtão, & fabricaua
Hum altar ſumptuoſo que adoraua.
Ali tinha em retrato affigurada
Do alto & Sancto ſpirito a pintura,
A candida Pombinha debuxada,
Sobre a vnica Fenix virgem pura,
A companhia ſancta eſtà pintada,
Dos doze tam toruados na figura,
Como os que, ſo das lingoas que cayrão,
De fogo, varias lingoas referirão.
Aqui os dous companheiros conduzidos,
Onde com este engano Baco estaua
Poem em terra os giolhos, & os ſentidos
Naquelle Deos, que o mundo gouernaua
Os cheiros excellentes produzidos,
Na Panchaia odorifera queimaua
O Thioneû, & aſsi por derradeiro
O falſo Deos adora o verdadeiro.
Aqui forão denoite agaſalhados,
Com todo o bom, & honeſto tratamento
Os dous Chriſtãos, nam vendo que enganado
Os tinha o falſo, & ſancto fingimento:
Mas aſsi como os rayos eſpalhados
Do Sol forão no mundo, & num momento
Apareceo no rubido Orizonte,
Na moça de Titão a roxa ſronte.
Tornão da terra os Mouros co recado
Do Rei, pera que entraſſem, & conſigo
Os dous que o Capitão tinha mandado,
A quem ſe o Rei moſtrou ſincêro amigo:
E ſendo o Portugues certificado,
De não auer receio de perigo.
E que gente de Chriſto em terra auia,
Dentro no ſalſorio entrar queria
Dizem lhe os que mandou, que em terra vîrão,
Sacras aras, & ſacerdote ſancto,
Que ali ſe agaſalhàrão, & dormirão,
Em quanto a luz cubrio o eſcuro manto:
E que no Rei, & gentes não ſentirão
Senão contentamento, & gosto tanto:
Que não podia certo auer ſoſpeita,
Nũa mostra tão clara, & tão perfeita.
Co iſto o nobre Gama recebia
Alegremente os Mouros que ſubião,
Que leuemente hum animo ſe fia,
De mostras que tão certas parecião:
A nao da gente perfida ſe enchia,
Deixando a bordo os barcos que trazião:
Alegres vinhão todos, porque crem
Que a preſa deſejada certa tem.
Na terra cautamente aparelhauão,
Armas, & monições, que como viſſem
Que no Rio os nauios ancorauão,
Nelles ouſadamente ſe ſubiſſem:
E neſta treição determinauão,
Que os de Luſo de todo deſtruiſſem:
E que incautos pagaſſem deste geito
O mal que em Moçambique tinhão feito.
As ancoras tenaces vão leuando,
Com a nautica grita coſtumada,
Da proa as vellas ſos ao vento dando,
Inclinão pera a barra abaliſada:
Mas a linda Ericina, que guardando
Andaua ſempre a gente aſsinalada:
Vendo a cilada grande, & tam ſecreta,
Voa do Ceo ao Mar como hũa ſeta.
Conuoca as aluas filhas de Nerêo,
Com toda a mais cerulea companhia,
Que porque no ſalgado Mar naſceo,
Das agoas o poder lhe obedecia.
E propondo lhe a cauſa a que deceo,
Com todos juntamente ſe partia:
Pera eſtoruar que a armada não chegaſſe
Aonde pera ſempre ſe acabaſſe.
Ia na agoa erguendo vão com grande preſſa,
Com as argenteas caudas branca eſcuma,
Cloto co peito corta, & atraueſſa
Com mais furor o Mar do que coſtuma.
Salta Niſe, Nerine ſe arremeſſa,
Por cima da agoa creſpa, em força ſuma:
Abrem caminho as ondas encuruadas,
De temor das Nereidas apreſſadas.
Nos hombros de hum Tritão com geſto aceſo,
Vay a linda Dione furioſa,
Não ſente quem a leua o doçe peſo,
De ſoberbo, com carga tam fermoſa:
Ia chegão perto donde o vento teſo,
Enche as vellas da frota belicoſa.
Repartenſe, & rodeão neſſe inſtante
As naos ligeiras que hião por diante.
Poem ſe a Deoſa com outras em dereito
Da proa capitaina, & ali fechando,
O caminho da barra estão de geito,
Que em vão aſſopra o vento, a vella inchãdo:
Poem no madeiro duro o brando peito,
Pera detras a forte nao forçando.
Outras em derredor leuandoa eſtauão,
E da barra inimiga a deſuiauão.
Quaes pera a coua as pròuidas formigas,
Leuando o peſogrande acomodado,
As forças exercitão, de inimigas,
Do inimigo Inuerno congelado:
Ali ſam ſeus trabalhos, & fadigas,
Ali mostrão vigor nunca eſperado.
Tais andauão as Nimphas eſtoruando
Aa gente Portugueſa o fim nefando.
Torna pera detras a Nao forçada,
A peſar dos que leua, que gritando,
Mareão vellas, ferue a gente yrada,
O leme a hum bordo, & a outro atraueſſando
O Meſtre aſtuto em vão da popa brada,
Vendo como diante ameaçando
Os estaua hum maritimo penedo,
Que de quebrarlhe a Nao lhe mete medo:
A celeuma medonha ſe aleuanta,
No rudo Marinheiro que trabalha,
O grande eſtrondo, a Maura gente eſpanta,
Como ſe viſſem horrida batalha:
Nam ſabem a razão de furia tanta,
Nam ſabem neſta preſſa quem lhe valha,
Cuydão que ſeus enganos ſam ſabidos,
E que ande ſer por iſſo aqui punidos.
Eilos ſubitamente ſe lançauão,
A ſeus bateis veloces que trazião,
Outros encima o mar aleuantauão,
Saltando nagoa a nado ſe acolhião:
De hum bordo & doutro ſubito ſaltauão,
Que o medo os compelia do que vião.
Que antes querem ao mar auenturarſe,
Que nas mãos inimigas entregarſe.
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