– oOo —
A HUM FIDALGO, QUE LHE TARDAVA COM HUMA CAMISA, QUE LHE PROMETTEO
Quem no mundo quizer ser
Havido por singular,
Para mais s'engrandecer,
Ha de trazer sempre o dar
Nas ancas do prometter.
E ja que vossa mercê,
Largueza tẽe por divisa,
Como o mundo todo vê,
Ha mister que tanto dê,
Que venha a dar a camisa.
– oOo —
A HUMA DAMA, QUE LHE CHAMOU DIABO, POR NOME FOÃ DOS ANJOS
Mote
Senhora, pois me chamais
Tão sem razão tão mão nome,
Inda o diabo vos tome.
Voltas
Quem quer que vio, ou que leo,
Terá por novo e moderno,
Ter quem vive no inferno,
O pensamento no ceo.
Mas se a vós vos pareceo,
Que m'estava bem tal nome,
Esse diabo vos tome.
Perdido mais que ninguem
Confesso, Senhora, ser;
Mas o diabo não quer
Aos Anjos tamanho bem.
Pois logo não me convem,
Ou se me convem tal nome,
Será para que vos tome.
Se vos benzeis com cautella,
Como de Anjo, e não de luz,
Mal póde fugir da Cruz,
Quem vós tendes pôsto nella.
Mas ja que foi minha estrella
Ser diabo, e ter tal nome,
Guardae-vos, que vos não tome.
Ja que chegais tanto ao cabo,
Com as mãos, postas aos ceos
Vou sempre pedindo a Deos,
Que vos leve este diabo.
Eu, Senhora, não me gabo;
Mas pois que me dais tal nome,
Tomo-o, para que vos tome.
– oOo —
A HUM AMIGO, QUE NÃO PODIA ENCONTRAR
Mote
Qual terá culpa de nós
Neste mal, que todo he meu?
Quando vindes, não vou eu,
Quando vou, não vindes vós.
Volta
Reinando Amor em dous peitos,
Tece tantas falsidades,
Que de conformes vontades
Faz desconformes effeitos.
Igualmente vive em nós;
Mas por desconcêrto seu
Vos leva, se venho eu,
Me leva, se vindes vós.
– oOo —
MOTE SEU
Descalça vai pela neve:
Assi faz quem Amor serve.
Voltas
Os privilegios, que os Reis
Não pódem dar, póde amor,
Que faz qualquer amador
Livre das humanas leis.
Mortes e guerras crueis,
Ferro, frio, fogo e neve,
Tudo soffre quem o serve.
Moça formosa despreza
Todo o frio, e toda a dor.
Olhae quanto póde Amor
Mais que a propria natureza.
Medo, nem delicadeza
Lh'impede que passe a neve.
Assi faz quem Amor serve.
Por mais trabalhos que leve,
A tudo se off'receria;
Passa pela neve fria,
Mais alva que a propria neve;
Com todo frio se atreve.
Vêde em que fogo ferve
O triste, que a Amor serve.
– oOo —
OUTRO ALHEIO
A dor que a minha alma sente,
Não na sabe toda a gente.
Voltas
Qu'estranho caso de Amor!
Que desejado tormento!
Que venho a ser avarento
Das dores de minha dor!
Por me não tratar peor,
Se se sabe, ou se se sente,
Não na digo a toda a gente.
Minha dor e causa della
De ninguem ouso fiar;
Que sería aventurar
A perder-me, ou a perdella.
E pois só com padecella,
A minha alma está contente,
Não quero que o saiba a gente.
Ande no peito escondida,
Dentro n'alma sepultada;
De mi só seja chorada,
De ninguem seja sentida.
Ou me mate, ou me dê vida,
Ou viva triste ou contente,
Não ma saiba toda a gente.
– oOo —
OUTRO SEU
D'alma, e de quanto tiver,
Quero que me despojeis,
Com tanto, que me deixeis
Os olhos para vos ver.
Volta
Cousa este corpo não tem,
Que ja não tenhais rendida:
Despois de tirar-lhe a vida,
Tirae-lhe a morte tambem.
Se mais tenho que perder,
Mais quero que me leveis,
Com tanto que me deixeis
Os olhos para vos ver.
– oOo —
MOTE ALHEIO
Amores de huma casada,
Que eu vi pelo meu mal.
Voltas
N'huma casada fui pôr
Os olhos, de si senhores:
Cuidei que fossem amores,
Elles fizerão-se amor.
Faz-se o desejo maior
Donde o remedio não val,
Em perigo de meu mal.
Não me paraceo que Amor
Pudesse tanto comigo,
Que donde entra por amigo,
Se levante por senhor.
Leva-me de dor em dor,
E de final em final,
Cada vez para mor mal.
– oOo —
OUTRO SEU
Enforquei minha esperança;
Mas Amor foi tão madraço,
Que lhe cortou o baraço.
Volta
Foi a esperança julgada
Por sentença da Ventura,
Que pois me leve á pendura,
Que fosse dependurada:
Vem Cupido com a espada,
Corta-lhe cerce o baraço.
Cupido, foste madraço.
– oOo —
OUTRO SEU
Puz o coração nos olhos,
E os olhos puz no chão,
Por vingar o coração.
Volta
O coração invejoso
Como dos olhos andava,
Sempre remoques me dava
Que não era o meu mimoso:
Venho eu de piedoso
Do Senhor meu coração,
E boto os olhos no chão.
– oOo —
OUTRO SEU
Puz meus olhos n'huma funda,
E fiz hum tiro com ella
Ás grades d'huma janella.
Volta
Huma Dama, de malvada,
Tomou seus olhos na mão;
E tirou-me huma pedrada
Com elles ao coração.
Armei minha funda então,
E puz os meus olhos nella,
Trape, quebrei-lhe a janella.
– oOo —
ALHEIO
De pequena tomei amor,
Porque o não entendi;
Agora que o conheci,
Mata-me com desfavor.
Voltas
Vi-o moço e pequenino,
E a mesma idade ensina
Que s'incline huma menina
Ás amostras d'hum menino:
Ouvi-lhe chamar Amor,
Pelo nome me venci;
Nunca tal engano vi,
Nem tamanho desamor.
Cresceo-me de dia em dia
Com a idade a affeição,
Porque amor de criação,
N'alma, e na vida se cria.
Criou-se em mi este amor,
E senhoreou-se de mi:
Agora que o conheci,
Mata-me com desfavor.
As flores me torna abrolhos,
A morte me determina
Quem eu trouxe de menina
Nas meninas de meus olhos.
Desta mágoa e desta dor
Tenho sabido que emfim
Por amor me perco a mim
Por quem de mi perde amor.
Parece ser caso estranho
O que Amor em mi ordena,
Qu'em idade tão pequena
Haja tormento tamanho.
Sejão milagres d'Amor,
Hei-os de soffrer assi,
Até que haja dó de mi
Quem entender esta dor.
– oOo —
CANTIGA VELHA
Apartárão-se os meus olhos
De mi tão longe.
Falsos amores,
Falsos, maos, enganadores.
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