Oh vós, quem quer que me lerdes,
Qu'haveis de ser avisado,
Que dizeis ao namorado
Que caça vento com redes?
Jura por vida da Dama;
Falla comsigo na cama;
Passêa de noite e escarra;
Por falsete na guitarra
Põe sempre: Viva que ama,
Porque calça a seu proposito.
Mas deixemos, se quizerdes,
Por hum pouco as travessuras,
Porqu'entre quatro maduras
Leveis tambem cinco verdes.
Deitemos-nos mais ao mar;
E se algum se arrecear,
Passe tres ou quatro trovas.
E vós tomais côres novas?
Mas não he para espantar;
Que quem porcos ha menos,
Em cada mouta lhe roncão.
Ó vós, que sois Secretarios
Das consciencias Reais,
E que entre os homens estais
Por Senhores ordinarios;
Porque não pondes hum freio
Ao roubar, que vai sem meio,
Debaixo de bom governo?
Pois hum pedaço de inferno
Por pouco dinheiro alheio
Se vende a Mouro e a Judeo.
Porque a mente, affeiçoada
Sempre á Real dignidade,
Vos faz julgar por bondade
A malicia desculpada.
Move a presença Real
Huma affeição natural,
Que logo inclina ao Juiz
A seu favor: e não diz
Hum rifão muito geral,
Que o Abbade donde canta, dahi janta?
E vós bailais a esse som:
Por isso, gentís pastores,
Vos chama a vós mercadores
Hum que só foi pastor bom.
– oOo —
A JOÃO LOPES LEITÃO,SÔBRE HUMA PEÇA DE CACHA QUE MANDOU A HUMA DAMA, QUE SE LHE FAZIA DONZELLA
Mote
Se vossa Dama vos dá
Tudo quanto vós quizestes,
Dizei-me: p'ra que lhe déstes
O que vos ella fez ja?
Volta
Sendo os restos envidados,
E vós de cachas mil contos
Sabeis com quão poucos pontos,
Que lhos achastes quebrados;
Se o que tẽe, isso vos dá,
Vós mui bem lho merecestes,
Porque se a cacha lhe déstes
Tinha-vo-la feita ja.
– oOo —
MOTE
Menina formosa e crua,
Bem sei eu
Quem deixará de ser seu,
Se vós quizereis ser sua.
Voltas
Menina mais que na idade,
Se para me querer bem
Vos não vejo ter vontade,
He porque outrem vo-la tem;
Tẽe-vo-la, e faz-vo-la crua.
Porém eu
Ja tomára não ser meu,
Se vós não foreis tão sua.
Nos olhos, e na feição
Vos vi, quando vos olhava,
Tanta graça, que vos dava
De graça este coração:
Não o quizestes de crua,
Por ser meu:
Se outrem vos dera o seu,
Póde ser foreis mais sua.
Menina, tende maneira,
Que ainda não venha a ser,
Pois não quereis quem vos quer,
Que queirais quem vos não queira.
Olhae não me sejais crua,
Que pois eu
Quero ser vosso, e não meu,
Sêde vós minha, e não sua.
– oOo —
A HUMA DAMA DOENTE
Mote
Da doença, em que ora ardeis,
Eu fôra vossa mézinha
Só com vós serdes a minha.
Voltas
He muito para notar
Cura tão bem acertada,
Que podereis ser curada
Somente com me curar.
Se quereis, Dama, trocar,
Ambos temos a mézinha,
Eu a vossa, e vós a minha.
Olhae, que não quer Amor,
(Porque fiquemos iguais)
Pois meu ardor não curais,
Que se cure vosso ardor.
Eu cá sinto vossa dor;
E se vós sentis a minha,
Dae e tomae a mézinha.
– oOo —
OUTRO
Deo, Senhora, por sentença
Amor, que fosseis doente,
Para fazerdes á gente
Doce e formosa a doença.
Voltas
Não sabendo Amor curar,
Foi a doença fazer
Formosa para se ver,
Doce para se passar.
Então vendo a differença
Que ha de vós a toda a gente,
Mandou, que fôsseis doente,
Para glória da doença.
E digo-vos de verdade,
Que a saude anda invejosa,
Por ver estar tão formosa
Em vós essa enfermidade.
Não façais logo detença,
Senhora, em estar doente,
Porque adoecerá a gente,
Com desejos da doença.
Qu'eu por ter, formosa Dama,
A doença, qu'em vós vejo,
Vos confesso, que desejo
De cahir comvosco em cama.
Se consentis, que me vença
Deste mal, não houve gente
Da saude tão contente,
Como eu serei da doença.
– oOo —
AO MESMO
Olhae que dura sentença
Foi amor dar contra mi!
Que porqu'em vós me perdi,
Em vós me busque a doença.
Claro está,
Que em vós só me achará;
Qu'em mi, se me vem buscar,
Não poderá mais achar,
Que a fórma do que foi ja.
Que s'em vós Amor se pôs,
Senhora, he forçado assi,
Que o mal, que me busca a mi,
Que vos faça mal a vós.
Sem mentir,
Amor me quiz destruir
Por modo nunca cuidado,
Pois ha de ser ja forçado
Pezar-vos de vos servir.
Mas sois tão desconhecida,
E são meus males de sorte,
Que vos ameaça a morte,
Porque me negais a vida.
Se por boa
Tal justiça se pregoa;
Quando desta sorte for,
Havei vós perdão de Amor,
Que a parte ja vos perdoa.
Mas o que mais temo, emfim,
He que nesta differença,
Que se não torne a doença,
Se me não tornais a mim.
De verdade,
Que ja vossa humanidade
De que se queixe não tem;
Pois para as almas tambem
Fez Amor enfermidade.
– oOo —
A HUMA DAMA VESTIDA DE DÓ
Mote
De atormentado e perdido,
Ja vos não peço, senão
Que tenhais no coração
O que tendes no vestido.
Volta
Se de dó vestida andais
Por quem ja vida não tem
Porque não o haveis de quem
Vós tantas vezes matais?
Que brado sem ser ouvido,
E nunca vejo senão
Cruezas no coração,
E grande dó no vestido.
– oOo —
A DONA GUIOMAR DE BLASFÉ, QUEIMANDO-SE COM HUMA VÉLA NO ROSTO
Mote
Amor, que todos offende,
Teve, Senhora, por gôsto,
Que sentisse o vosso rosto
O que nas almas accende.
Volta
Aquelle rosto que traz
O mundo todo abrazado,
Se foi da flamma tocado,
Foi porque sinta o que faz.
Bem sei que Amor se vos rende;
Porém o seu presupposto
Foi sentir o vosso rosto
O que nas almas accende.
– oOo —
A HUMA MULHER, AÇOUTADA POR HUM HOMEM, QUE CHAMAVÃO QUARESMA
Mote
Não estejais aggravada,
Senão se for de vós mesma;
Porqu'a mulher, que he errada,
Com razão pela Quaresma
Deve ser disciplinada.
Voltas
Quererdes profano amor
Em Quaresma, he consciencia:
Açoutes e penitencia
Vos está muito melhor.
Não fiqueis disto affrontada,
Pois a culpa he vossa mesma;
Que mulher, que he tão malvada,
He bem que pela Quaresma
Seja bem disciplinada.
Se a penitencia vos val,
Mui bem açoutada estais;
Pois por Quaresma pagais
Vossos vicios do carnal.
Não torneis a ser errada,
Nem condemneis a vós mesma,
Pois estais ja emendada;
E não sereis por Quaresma
Outra vez disciplinada.
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