Voltas
Tratárão-me com cautella,
Por m'enganar mais asinha;
Dei-lhe posse d'alma minha,
Forão-me fugir com ella.
Não ha vê-los, nem ha vella,
De mi tão longe.
Falsos amores,
Falsos, maos, enganadores!
Entreguei-lhe a liberdade,
E, emfim, da vida o melhor;
Forão-se; e do desamor
Fizerão necessidade.
Quem teve a sua vontade
De si tão longe?
Falsos amores,
E oxalá enganadores!
– oOo —
OUTRA
Falso Cavalheiro, ingrato,
Enganais-me,
Vós dizeis, que eu vos mato,
E vós matais-me.
Voltas
Costumadas artes são
Para enganar innocencias,
Piedosas apparencias
Sôbre isento coração.
Eu vos amo, e vós ingrato
Magoais-me,
Dizendo, que eu vos mato,
E vós matais-me.
Vêde agora qual de nós
Anda mais perto do fim,
Que a justiça faz-se em mim,
E o pregão diz que sois vós.
Quando mais verdade trato
Levantais-me
Que vos desamo e vos mato,
E vós matais-me.
– oOo —
PROPRIO
Se de meu mal me contento,
He porque para vós vejo
Em todo o mundo desejo,
E em ninguem merecimento.
Volta
Para quem vos soube olhar
Tão impossivel foi ser
O poder-vos merecer,
Como o não vos desejar.
Pois logo a meu pensamento
Nenhum remedio lhe vejo,
Senão se der o desejo
Azas ao merecimento.
– oOo —
ALHEIO
Vós, Senhora, tudo tendes,
Senão que tendes os olhos verdes.
Voltas
Dotou em vós natureza
O summo da perfeição;
Que o qu'em vós he senão,
He em outras gentileza:
O verde não se despreza,
Que, agora que vós os tendes,
São bellos os olhos verdes.
Ouro e azul he a melhor
Côr, por que a gente se perde;
Mas a graça desse verde
Tira a graça a toda côr.
Fica agora sendo a flor
A côr, que nos olhos tendes,
Porque são vossos e verdes.
– oOo —
ALHEIO
Para que me dan tormento,
Aprovechando tan poco?
Perdido, mas no tan loco,
Que descubra lo que siento.
Voltas
Tiempo perdido es aquel
Que se passa en darme afan,
Pues cuanto más me lo dan,
Tanto menos siento dél.
Que descubra lo que siento?
No lo haré, que no es tan poco;
Que no puede ser tan loco
Quien tiene tal pensamiento.
Sepan que me manda Amor,
Que de tan dulce querella,
A nadie dé parte della,
Porque la sienta mayor.
Es tan dulce mi tormento,
Que aun se me antoja poco;
Y si es mucho, quedo loco
De gusto de lo que siento.
– oOo —
ALHEIO
De vuestros ojos centellas,
Que encienden pechos de hielo,
Suben por el aire al cielo,
Y en llegando son estrellas.
Voltas
Falsos loores os dan,
Que essas centellas tan raras
No son nel cielo mas claras
Que en los ojos donde estan.
Porque cuando miro en ellas
Lo como alumbran al suelo,
No sé que seran nel cielo;
Mas sé que acá son estrellas.
Ni se puede presumir
Que al cielo suban, Señora;
Que la lumbre que en vós mora,
No tiene más que subir;
Mas pienso que dan querellas
Á Dios nel octavo cielo,
Porque son acá en el suelo
Dos tan hermosas estrellas.
– oOo —
ALHEIO
De dentro tengo mi mal,
Que de fuera no hay señal.
Volta
Mi nueva y dulce querella
Es invisible á la gente;
El alma sola la siente,
Que el cuerpo no es dino della.
Como la viva centella
Se encubre en el pedernal,
De dentro tengo mi mal.
– oOo —
ALHEIO
Amor loco, amor loco,
Yo por vós, y vós por otro.
Voltas
Dióme Amor tormentos dós,
Para que pene doblado;
Uno es verme desamado,
Otro es mancilla de vós.
Ved que ordena Amor en nós!
Porque vós haceisme loco,
Que seais loca por otro.
Tratais Amor de manera,
Que porque asi me tratais,
Quiere que, pues no me amais,
Que ameis otro que no os quiera.
Mas con todo, si no os viera
De todo loca por otro,
Con mas razon fuera loco.
Y tan contrario viviendo,
Alfin, alfin, conformamos;
Pues ambos a dós buscamos
Lo que mas nos vá huyendo.
Voy tras vós siempre siguiendo,
Y vós huyendo por otro:
Andais loca, y me haceis loco.
– oOo —
ALHEIO
Vêde bem se nos meus dias
Os desgostos vi sobejos,
Pois tenho medo a desejos,
E quero mal a alegrias.
Volta
Se desejos fui ja ter,
Servírão de atormentar-me;
Se algum bem póde alegrar-me,
Quiz-me antes entristecer.
Passei annos, passei dias
Em desgostos tão sobejos,
Que só por não ter desejos,
Perderei mil alegrias.
– oOo —
PROPIO
Pois he mais vosso que meu,
Senhora, meu coração,
Eu vosso captivo são,
Meus olhos, lembre-vos eu.
Volta
Lembre-vos minha tristeza,
Que jamais nunca me deixa;
Lembre-vos com quanta queixa
Se queixa minha firmeza:
Lembre-vos que não he meu
Este triste coração;
E pois ha tanta razão,
Meus olhos, lembre-vos eu.
– oOo —
OUTRO
Senhora, pois minha vida
Tendes em vosso poder;
Por serdes della servida,
Não queirais que destruida
Possa ser.
Volta
Isto não por me pezar
De morrer, se vós quizerdes;
Que melhor me he acabar
Mil vezes, que supportar
Os males que me fizerdes;
Mas só por serdes servida
De mi, em quanto viver,
Vos peço que minha vida
Não queirais que destruida
Possa ser.
– oOo —
OUTRO
Pois damno me faz olhar-vos,
Não quero, por não perder-vos,
Que ninguem me veja ver-vos.
Voltas
De ver-vos a não vos ver
Ha dous extremos mortaes;
E são elles em si taes,
Que hum por hum me faz morrer;
Mas antes quero escolher,
Que possa viver sem ver-vos,
Minh'alma, por não perder-vos.
Deste tamanho perigo
Que remedio posso ter,
Se vivo só com vos ver,
Se vos não vejo, perigo?
Mas quero acabar comigo,
Que ninguem me veja ver-vos,
Senhora, por não perder-vos.
– oOo —
A TRES DAMAS, QUE LHE DIZIÃO QUE O AMAVÃO
Mote
Não sei se m'engana Helena,
Se Maria, se Joanna;
Não sei qual dellas m'engana.
Voltas
Huma diz que me quer bem,
Outra jura que me quer;
Mas em jura de mulher
Quem crerá, se ellas não crem?
Não posso não crer a Helena,
A Maria, nem Joanna;
Mas não sei qual mais m'engana.
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