McMurphy fica olhando para ele, aquela ruga de incompreensão juntando de novo as sobrancelhas ruivas.
Ele discute durante o resto do dia com alguns dos outros sobre a razão por que eles não votaram, mas ninguém quer falar sobre o assunto, de forma que ele parece desistir, nada mais diz a respeito do caso até a véspera do dia do início das finais dos jogos.
– Cá estamos na quinta-feira – diz ele, sacudindo a cabeça.
Acha-se sentado numa das mesas na Sala da Banheira com os pés numa cadeira, tentando girar o gorro num dos dedos. Outros Agudos vagueiam por ali e tentam não prestar atenção a ele. Ninguém mais joga pôquer ou vinte-e-um com ele a dinheiro – depois que os pacientes se recusaram a votar, ele ficou zangado e os depenou de tal maneira nas cartas aue todos estão devendo tanto a ele que têm medo de continuar – e não podem jogar apostando cigarros porque a enfermeira começou a obrigar os homens a deixarem os pacotes na mesa da Sala das Enfermeiras, onde ela lhes entrega um maço por dia, alegando que é para o bem da saúde deles, mas todo mundo sabe que é para impedir que McMurphy ganhe todos nas cartas. Sem pôquer e sem vinte-e-um, está tudo tranqüilo na Sala da Banheira, ouve-se apenas o som do alto-falante que vem da enfermaria. Está tão tranqüilo aue se pode ouvir aquele cara lá em cima na Enfermaria dos Perturbados a subir pela parede, lançando um sinal ocasional, luu luu luuu, um som entediado e desinteressado, como um neném que chora, esgoelando-se até dormir.
– Quinta-feira – repete McMurphy.
– Luuuuu – berra o cara lá em cima.
– É o Rawler – diz Scanlon, olhando para o teto. Ele não quer prestar atenção a McMurphy. – Rawler, o Berrador. Ele passou por esta enfermaria há uns anos. Não ficava quieto de maneira que agradasse a Srta. Ratched, se lembra, Billy? Luu luu luu, o tempo todo, a um ponto que pensei que eu fosse ficar maluco. O que eles deviam fazer com todo aquele bando de malucos lá de cima é jogar umas duas granadas no dormitório. Eles não têm nenhuma utilidade para ninguém…
– E amanhã é sexta-feira – diz McMurphy. Ele não deixa Scanlon mudar de assunto.
– Sim – diz Cheswick, fazendo uma carranca. -
Amanhã é sexta-feira.
Harding vira a página da sua revista.
– E com isso fará quase uma semana que o nosso amigo McMurphy está conosco sem ter derrubado o governo, é isso o que você está dizendo Cheswick? Deus, pensar no abismo de apatia no qual caímos… uma vergonha, uma vergonha lamentável.
– Pro inferno com essa história – diz McMurphy. – O que Cheswick quer dizer é que o primeiro jogo do torneio vai ser disputado e transmitido pela TV amanhã, e o que é que nós vamos estar fazendo? Vamos estar esfregando mais uma vez essa porcaria desse berçário.
– É isso – diz Cheswick. – O Berçário Terapêutico da Mamãezinha Ratched.
Encostado na parede da sala eu começo a me sentir como um espião; o cabo da vassoura nas minhas mãos é feito de metal, em vez de madeira (o metal é melhor condutor) e é oco; há lugar de sobra lá dentro para esconder um microfone miniatura. Se a Chefona estiver ouvindo isso, ela realmente vai negar o Cheswick. Apanho uma bola dura de chiclete do meu bolso e retiro uns fiapos que estão grudados nela, coloco-a na boca e deixo ficar até amolecer.
– Deixe-me ver de novo – diz McMurphy. – Quantos de vocês aí votariam comigo se eu tornasse a propor aquela mudança de horário?
Cerca de metade dos Agudos balança a cabeça dizendo sim, muito mais do que os que realmente votariam. Ele repõe o gorro na cabeça e apóia o queixo nas mãos.
– Vou contar uma coisa para vocês, pois, eu não consigo entender. Harding, que é que há de errado com você, para sair correndo da raia? Está com medo de que se você levantar a mão aquela velha escrota vá cortá-la fora.
Harding ergue uma sobrancelha fina.
– Talvez eu esteja, talvez eu tenha medo de que ela vá cortá-la fora se eu a levantar.
– E você, Billy? É disso que você está com medo?
– Não. Não acho que ela vá f-f-fazer coisa nenhuma, mas… – ele encolhe os ombros e suspira e sobe pelo grande painel de torneiras que controla os bocais dos chuveiros, fica empoleirado lá em cima como um macaco -… mas eu não acho que uma votação a-a-a-adiantaria nada. Não a l-longo prazo. Simplesmente não adianta, M-Mack.
– Não adianta nada? Porra! Vai fazer um bocado de bem a vocês aí apenas o exercício de levantar o braço.
– Ainda assim é um risco, amigo. Ela tem sempre a capacidade de tornar as coisas piores para nós. Um jogo de beisebol não vale o risco – diz Harding.
– Porra, quem foi que disse que não? Cristo, eu não perco um Campeonato Mundial há anos. Mesmo quando eu estava na cadeia num mês de setembro, eles nos deixaram trazer uma TV e assistir aos jogos; eles teriam tido um belo motim nas mãos se não tivessem deixado. Talvez eu tenha que pôr aquela maldita porta abaixo e ir andando até algum bar no centro para assistir ao jogo, só eu e o meu companheiro Cheswick.
– Ora, aí está uma sugestão de muito mérito – diz Harding atirando a revista. – Por que não apresentar isso para uma votação na Sessão de Grupo amanhã? "Srta. Ratched, eu gostaria de apresentar uma moção para que a enfermaria seja transportada em massa para o Hora Vaga, para tomar cerveja e ver televisão."
– Eu apoiaria a moção – diz Cheswick. – Sem tirar nem pôr.
– Pro inferno com esse negócio de massa – diz McMurphy. – Estou cansado de olhar pra vocês, bando de velhinhas; quando eu e Cheswick dermos o fora daqui acho que, por Deus, vou fechar a porta a pregos quando sair. Vocês, aí, é melhor ficarem por aqui; a mamãezinha de vocês provavelmente não deixaria vocês atravessarem a rua.
– Ah, é? É isso, é? – Fredrickson se levantou e se aproximou por trás de McMurphy. – Você vai simplesmente levantar uma dessas suas botonas de machão e derrubar a porta com um pontapé? É um cara duro, realmente.
McMurphy quase que nem olha para Fredrickson; aprendeu que Fredrickson pode agir de maneira meio explosiva de vez em quando, mas é uma encenação que termina diante da mais leve ameaça.
– Então como é que é, valentão – continua Fredrickson. – Você vai derrubar a porta a pontapés e nos mostrar o quanto você é duro?
– Não, Fred, acho que não. Eu não gostaria de arranhar a minha bota.
– Ah, é? O.K. Você está botando tanta banca, conta direitinho como é que você iria dar o fora daqui?
McMurphy olha em volta.
– Bem; acho que eu poderia arrebentar a tela de uma dessas janelas com uma cadeira quando e se me desse na telha…
– Ah, é? Você poderia, poderia? Arrebentar direto? O.K.! Vamos ver você tentar. Vam'bora, valentão, aposto 10 dólares como você não consegue.
– Nem se incomode em tentar, Mack – diz Cheswick. – Fredrickson sabe que você vai apenas quebrar uma cadeira e acabar na Enfermaria dos Perturbados. No primeiro dia em que chegamos aqui, nos deram uma demonstração sobre essas telas. São feitas de maneira especial. Um técnico pegou uma cadeira igualzinha a essa em que estão os seus pés e deu com ela na tela até que a cadeira não passasse de madeira estraçalhada. Quase que nem arranhou a tela.
– Então está bem – diz McMurphy, olhando em volta. Posso ver que ele está ficando mais interessado. Espero que a Chefona não esteja ouvindo isso; ele vai parar na Enfermaria dos Perturbados em uma hora. – Precisamos de uma coisa mais pesada. Que tal uma mesa?
– A mesma coisa que a cadeira. É da mesma madeira, do mesmo peso.
– Está bem, por Deus, então vamos descobrir o que é que eu teria de atirar por aquela tela para arrebentá-la. E se vocês não acreditam que eu seria capaz de fazê-lo, se tivesse necessidade, então é melhor pensarem de novo. O.K… alguma coisa maior que uma mesa ou uma cadeira… Bem, se fosse de noite eu poderia atirar aquele vaso gordo; ele é bastante pesado.
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