Fez-se realmente um silêncio na enfermaria. O médico levanta a cabeça, olha em volta para ver se está fazendo papel ridículo. A Chefona lança-lhe um olhar que não deveria deixar nenhuma dúvida a respeito do assunto, mas ele está sem óculos, e a expressão desse olhar não o atinge.
– De qualquer maneira – continuou ele – para pôr um fim a esta demonstração sentimental de nostalgia, durante a nossa conversa, McMurphy e eu ficamos curiosos para saber qual seria a atitude de alguns dos homens com relação a um baile a fantasia aqui, na enfermaria?
Ele põe os óculos e torna a olhar em volta. Ninguém está dando pulos de alegria diante da idéia. Alguns de nós podem lembrar-se de Taber, tentando organizar um baile a fantasia, há alguns anos, e o que aconteceu com o baile. Enquanto o médico espera, um silêncio se eleva, emergindo da enfermeira, e paira sobre todo mundo, desafiando qualquer um a tentar enfrentá-lo. Sei que McMurphy não pode, porque ele estava envolvido no planejamento do baile, e justamente quando estou pensando que ninguém vai ser bastante idiota para quebrar o silêncio, Cheswick, que está sentado ao lado de McMurphy, dá um grunhido e se levanta esfregando as costelas, antes mesmo de saber o que está acontecendo.
– Haaan… eu pessoalmente acredito, sabe – ele olha para o punho de McMurphy no braço da cadeira, ao seu lado, com aquele grande polegar rijo saindo dele e apontando bem para o alto como um aguilhão de gado. – Um baile a fantasia é realmente uma boa idéia. Alguma coisa para quebrar a monotonia.
– É isso mesmo, Charley – diz o médico, apreciando o apoio de Cheswick. – E não de todo sem valor terapêutico.
– Claro que não – diz Cheswick parecendo mais satisfeito. – Não. Um bocado de terapia num baile a fantasia. Pode apostar.
– Seria d-d-divertido – diz Billy Bibbit.
– Sim, isso também – diz Cheswick. – Nós poderíamos fazer Dr. Spivey, é claro que poderíamos. Scanlon poderia executar o seu número de bomba humana, e eu posso fazer um círculo de apostas sobre Terapia Ocupacional.
– Eu leio mãos – diz Martini e olha de soslaio para um ponto acima de sua cabeça.
– Eu mesmo sou bastante bom em diagnosticar doenças pela leitura das mãos – diz Harding.
– Bom, bom – diz Cheswick e bate palmas. Ele nunca viu antes ninguém apoiar alguma coisa que dissesse.
– E eu – diz McMurphy com sua fala arrastada – ficaria honrado em trabalhar com roda da sorte. Já tenho uma certa experiência.
– Oh, há inúmeras possibilidades – diz o médico, endireitando-se na cadeira e realmente animado com o assunto. – Ora, eu tenho um milhão de idéias…
Ele fala a todo vapor por mais uns cinco minutos. Pode-se perceber que muitas das idéias são idéias que ele já discutiu com McMurphy. Ele descreve as brincadeiras e jogos, as barraquinhas, fala de vender entradas, e aí pára tão de repente como se o olhar da enfermeira o tivesse atingido bem entre os olhos. Pisca para ela e pergunta:
– Que é que acha da idéia, Srta. Ratched? De um baile a fantasia? Aqui, na enfermaria.
– Eu concordo que possa ter uma série de possibilidades terapêuticas – diz ela, e espera. Deixa novamente aquele silêncio emergir de dentro dela. Quando tem certeza de que ninguém vai desafiá-lo, continua. – Mas também creio que uma idéia como essa deveria ser discutida numa reunião da administração do hospital antes que seja tomada qualquer decisão. Não era essa a sua idéia, doutor?
– É claro. Apenas pensei, compreende, que seria bom sondar alguns dos pacientes antes. Mas, certamente, uma reunião do pessoal primeiro. Então daremos prosseguimento aos nossos planos.
Todo mundo sabe que aquilo é tudo o que haverá quanto ao baile.
A Chefona começa a retomar o controle das coisas tamborilando com os dedos na pasta.
– Ótimo. Então, se não há mais nenhum outro tópico novo… e se o Sr. Cheswick se sentar… acho que poderíamos entrar direto na discussão. Nós temos – ela tira o relógio da cesta e olha – ainda 48 minutos. Assim, como eu…
– Oh! Espere. Eu me lembrei de que há mais um outro tópico novo. – McMurphy está com a mão levantada, os dedos estalando. Ela olha para a mão durante muito tempo antes de dizer alguma coisa.
– Sim, Sr. McMurphy?
– Eu não, é o Dr. Spivey. Doutor, conte a eles o que o senhor descobriu a respeito dos caras que têm dificuldade de ouvir e o rádio.
A cabeça da enfermeira dá um pequeno sobressalto. quase que impossível de se ver, mas meu coração de repente disparou. Ela torna a colocar a pasta na cesta e vira-se para o médico.
– Sim – diz o médico. – Eu quase me esqueci. – Ele se recosta, cruza as pernas e junta as pontas dos dedos; posso ver que ainda está de bom humor, por causa do seu baile. – Sabe, McMurphy e eu estávamos conversando a respeito daquele problema antigo que temos aqui nessa enfermaria: a mistura de pacientes, os jovens e os velhos juntos. Não é o ambiente ideal para a nossa Comunidade Terapêutica, mas a Administração diz que não há jeito de modificar isso com o Setor da Geriatria lotado do jeito que está. Sou o primeiro a admitir que não é absolutamente uma situação agradável para nenhum dos envolvidos. Entretanto, na nossa conversa, McMurphy e eu por acaso acabamos por chegar a uma idéia que poderia tornar as coisas mais agradáveis para ambos os grupos de idade. McMurphy comentou que havia notado que alguns dos pacientes mais velhos pareciam ter dificuldades em ouvir o rádio. Ele sugeriu que o volume poderia ser aumentado de forma que os Crônicos com dificuldades de audição pudessem ouvi-lo. Uma sugestão muito humana, eu acho.
McMurphy abana a mão com modéstia, e o médico balança a cabeça para ele e continua.
– Mas eu disse a ele que havia recebido queixas anteriores de alguns dos homens mais jovens, de que o rádio já está tão alto que perturba a conversa e a leitura. McMurphy disse que não havia pensado nisso, mas comentou que realmente parecia uma pena que aqueles que queriam ler não pudessem ir sozinhos para onde fosse tranqüilo, deixando o rádio para aqueles que o quisessem ouvir. Concordei com ele em que realmente era uma pena e estava prestes a deixar de lado o assunto quando por acaso pensei na velha sala da banheira, onde guardamos as mesas durante as sessões. Nós não utilizamos mesmo aquele cômodo para mais nada; já não há mais necessidade da hidroterapia para a qual ele foi idealizado, agora que dispomos de novas drogas. Assim, que é que o grupo acharia de ter aquela sala como uma espécie de anexo, uma sala de jogos, digamos?
O grupo nada diz. Eles sabem de quem é a próxima jogada. Ela torna a dobrar a pasta de Harding, coloca-a no colo e cruza as mãos sobre ela, olhando em volta pela sala como se alguém pudesse ousar ter algo a dizer. Quando fica claro que ninguém vai falar até que ela fale, sua cabeça novamente se volta para o médico. – Soa como um bom plano, Dr. Spivey, e eu aprecio o interesse do Sr. McMurphy pelos outros pacientes, mas, embora lamente muitíssimo, creio que não temos pessoal para cobrir um anexo.
E fica tão segura de que aquilo deve ser o ponto final da conversa que começa a abrir a pasta mais uma vez. Mas o médico já pensou melhor a respeito daquilo do que ela imaginava.
– Eu também pensei nisso, Srta. Ratched. Mas, uma vez que serão em grande parte os pacientes Crônicos que ficarão aqui na enfermaria com o rádio, a maioria dos quais está restrita a espreguiçadeiras e cadeiras de rodas, um ajudante e uma enfermeira aqui dentro devem, facilmente, ser capazes de controlar quaisquer conflitos ou revoltas que possam ocorrer, não acha?
Ela não responde, e também não acha muita graça na brincadeira dele sobre conflitos e revoltas, mas seu rosto não se modifica. O sorriso permanece.
Читать дальше