— Para alguém que é um grande jogador de pôquer, você é um péssimo mentiroso — ela finalmente disse.
— Sim, já me disseram isso antes.
— Eu não queria te incomodar. Se você precisa de alguns momentos sozinho, posso pedir a alguém que fique de guarda na porta para garantir que ninguém entre.
— Não, terminei aqui. — Ele soltou um suspiro. Ela não fez nenhuma pergunta sobre por que estava sozinho, ajoelhado como um dos caídos na frente da cadeira de Michael. Ela era muito educada para isso. Era a única coisa de que ele gostava nela.
Seus lábios se curvaram em um sorriso suave. Se quisesse pedir permissão para ficar na Terra, deveria fazê-lo agora. Ele abriu a boca, mas as palavras ficaram presas na garganta.
— Há algo que você quer me perguntar?
Pergunte a ela, idiota.
Sua boca ficou seca, com medo que tivesse que explicar por que estava pedindo isso. Como um arcanjo, ele não precisava de permissão para ir à Terra, mas para qualquer estadia prolongada, ele precisava obter aprovação dela ou de Michael. Gabrielle era sua melhor tentativa. Ela era rigorosa quando se tratava de seguir a lei dos anjos, e sempre estava comprometida ao seu dever, mas não se intrometia. Na primeira vez que ele fora embora depois da briga com Lash, fora ela quem o mandou ir. De alguma forma, ela sabia que ele precisava ir. E quando ele retornou, ela nunca questionou por onde esteve.
— Eu, uh… — Ele olhou para a vela em sua mão, nervosamente passando-a entre o polegar e o dedo.
Ele não podia fazer isso. Sabia que deveria ir, mas não suportava pensar em deixar Naomi e não vê-la todos os dias. E Lash... sua garganta ficou apertada novamente. Naomi estava certa. Depois de tudo que ele e seu melhor amigo tinham passado, isso iria partir seu coração. Lash finalmente estava feliz, e ele não queria ser aquele que destruiria seu mundo feliz.
— Deixe-me ajudá-lo. — Gabrielle se aproximou e colocou uma mão delicada sobre a dele.
Seus olhos se elevaram e olharam para o rosto deslumbrante. Ele nunca esteve tão perto dela. Ele observou o jeito que o seu vestido creme abraçava suas curvas e o modo como as mechas douradas pendiam como seda fina. Seus olhos eram tão vívidos, um caleidoscópio de amarelo e tons de verde. Ele olhou mais fundo nos olhos dela. Era como se um véu tivesse sido levantado e ele pudesse ver nas profundezas de sua alma. Havia muita força nela... e tristeza.
Lentamente, ele levantou a mão e acariciou sua bochecha. Ela era linda. A mão dele não zumbiu com eletricidade como quando tocava Naomi. Mas havia uma certa paz quando estava com ela. Ela o entendia. Talvez eles estivessem destinados a ficarem juntos, ligados por seu amor não correspondido... dela por Raphael e dele por Naomi.
Eu me pergunto como seria.
Não havia nada. Nenhum fogo correndo pelo seu corpo. Nenhuma agitação no seu estômago com a antecipação de algo mais. Era como beijar sua mãe.
— Não é isso que eu quis dizer, Jeremiel. — Ela inclinou a cabeça, afastando-se.
— Me desculpe, eu não sei o que deu em mim. — Ele sentou-se no último degrau da plataforma e abaixou a cabeça sobre as mãos. Ele estava bagunçando de tudo. Era isso que ele poderia esperar a partir de agora, fazer coisas inapropriados nos lugares mais sagrados? Ele beijou Gabrielle, meu Deus do céu!
Ele balançou sua cabeça. Tinha que haver algo que pudesse fazer sobre isso. De alguma forma, Gabrielle conseguiu se manter intacta, e ela vinha fazendo isso há séculos.
Lentamente, ele levantou a cabeça. Ela tinha as respostas, e tinha que dizer a ele o que fazer.
— Como você conseguiu?
— Desculpe?
— Como você conseguiu, vê-lo todos os dias, sabendo que Raphael não…?
Dor atravessou seu rosto adorável. Ele respirou fundo ao ver sua angústia. Durante todos os anos que trabalharam juntos, ele nunca a viu assim. Sua testa franziu enquanto lutava para controlar a expressão do rosto e afastar séculos de dor e saudade. Antes que pudesse pedir desculpas por ter mencionado Raphael, ela ergueu a mão, silenciando-o.
— Você sabe — disse ela.
Ele assentiu.
Ela fechou os olhos por um momento, pensando. Quando ela os abriu, respirou hesitante como se estivesse indecisa sobre fazer uma pergunta para a qual queria desesperadamente uma resposta. Depois de respirar, as palavras se espalharam.
— Alguém mais sabe?
— Acho que não.
Ela acenou levemente, depois se virou e andou de um lado para o outro. Seu vestido ondulando enquanto se movia. Ela torceu as mãos, resmungando: — Eu preciso melhorar, ou todos vão saber.
Ótimo . Ele estava piorando as coisas, não deveria ter mencionado Raphael.
— Eu não direi nada sobre você e…
Ela congelou, sua expressão horrorizada.
Eu deveria calar a boca agora . Ele fez uma careta e fechou a boca.
— Eu não estou preocupada com isso, eu confio em você. Eu pensei... Não importa. — Ela balançou a cabeça como se estivesse eliminando o que quer que estivesse a preocupando e soltou um suspiro lento. — Então, você quer saber como eu faço isso?
— Sim.
Ela ficou em silêncio por um momento. Seu belo rosto mudando de desejo para felicidade para dor e, finalmente, para a familiar expressão severa.
— Você simplesmente... faz.
— É só isso? Não há mais nada? — Tinha que haver alguma coisa. Ele tentaria qualquer coisa.
— Não há mais nada. Melhora com o tempo, ou pelo menos é o que ouvi de filósofos humanos. Não tenho certeza se isso se aplica aos anjos. O tempo dos humanos é finito, enquanto para os anjos é…
— Para sempre — ele gemeu. Recostando-se contra os degraus, ele olhou para o teto abobadado. Sombras da luz das velas dançavam em seu rosto bonito enquanto estudava os intrincados desenhos góticos que cobriam o vasto salão. Era engraçado como os humanos queriam viver para sempre. Se eles soubessem como realmente é viver para sempre.
O que ele ia fazer?
— Então a primeira vez que você foi embora não ajudou? — Ela perguntou.
— Sim… não… Eu não sei. No começo, foi difícil esquecer Naomi. Eu pensava nela todos os dias, e não sabia por que não podia esquecê-la. Saber sobre o nosso passado juntos fez isso...
Ele parou e virou a cabeça para Gabrielle enquanto ela se sentava no degrau ao lado dele.
— O que você está fazendo? — Seus olhos se arregalaram quando ele se inclinou para perto, inalando.
— Esse cheiro. — Ele fechou os olhos, cheirando seu pescoço novamente. Era uma mistura de jasmim e coco.
— É o hidratante que você me trouxe quando voltou de sua estadia na Terra, lembra?
— Sim, certo. — Inclinando-se para trás, ele colocou os cotovelos nos degraus, deixando sua mente vagar enquanto se lembrava de seu tempo na ilha jardim, como Kauai era conhecida. Memórias de árvores grandes com flores de jasmim, praias de areia branca e pranchas de surfe percorreram sua mente.
— Então, seu tempo na ilha... Eu pensei que ficar longe havia ajudado.
— Sim, ajudou. — Tanto aconteceu desde que ele retornou de Kauai, parecia que tinha sido anos. Na verdade, foram anos, no tempo da Terra.
— Você parecia ter se divertido enquanto esteve fora.
Ele olhou para cima. O que ela tinha visto? A maior parte do tempo que passou lá, ele andava deprimido, andando pelas praias até conhecer Sammy e Leilani.
Ele sorriu, relembrando. Que dupla eram esses dois. Algumas semanas com eles e voltou a se sentir como o seu antigo eu de novo, até…
Ele engoliu em seco, rapidamente voltando sua atenção para Gabrielle.
— Você viu?
— Claro que sim. Eu te dei o máximo de privacidade que pude, mas Michael queria que eu ficasse de olho em seu mais precioso arcanjo. Existem tão poucos de nós. Ele não queria arriscar perder outro. Além disso, eu nunca visitei Kauai. É uma linda ilha.
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