© Editora Gato-Bravo, 2020
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editor Marcel Lopes
coordenação editorial Paula Cajaty
revisão Inês Carreira
projecto gráfico 54 Design
imagem da capa Kristin. People celebrating Holi festival of colors, India. AdobeStock
Título
Da verdadeira Índia
Autora
Melina Galete
Impressão
Europress Indústria Gráfica
isbn 978-989-8938-75-6
e-isbn 978-989-8938-76-3
1a edição: Julho, 2020
Depósito Legal: 472001/20
gato·bravo
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Já a manhã clara dava nos outeiros
Por onde o Ganges murmurando soa,
Quando da celsa gávea os marinheiros
Enxergaram terra alta pela proa.
Já fora de tormenta, e dos primeiros
Mares, o temor vão do peito voa.
Disse alegre o piloto Melindano:
“Terra é de Calecu, se não me engano.
Esta é por certo a terra que buscais
Da verdadeira Índia, que aparece;
E se do mundo mais não desejais,
Vosso trabalho longo aqui fenece.”
Sofrer aqui não pode o Gama mais,
De ledo em ver que a terra se conhece:
Os geolhos no chão, as mãos ao céu,
A mercê grande a Deus agardeceo.
Luís de Camões, Os Lusíadas,
Canto VI, estâncias 92 e 93
Sumário
•
Introdução Introdução • Não é muito comum a presença de estrangeiros em casamentos tradicionais na Índia. Ainda mais incomum é a presença de não indianos nos dias que antecedem a cerimónia, que consistem na preparação dos noivos, separadamente. Quando fui convidada para participar de um dos rituais mais importantes do hinduísmo, eu não julgava que presenciaria algo que poucos ocidentais puderam presenciar: a cerimónia do Mehendi, a festa da música, o banho de especiarias, o casamento, a receção pela família do noivo e, o que foi mais surpreendente, o ritual – Puja –, celebrado no dia a seguir à receção, em que fui a única pessoa de fora da família com permissão para participar, assistir aos sacrifícios animais, oferecer especiarias e frutas aos deuses e alimentar-me com as mesmas especiarias e frutas, após a oferenda. Já no primeiro dia de celebrações pude constatar o ineditismo da presença de estrangeiros naquela fase do casamento. Estávamos há poucos minutos no quintal onde ocorria a cerimónia do Mehendi – que consiste na pintura das mãos com henna, quando chegaram repórteres de jornais impressos e da televisão. Nos dias a seguir ocorreu o mesmo. Aparecemos em todos os noticiários da TV Telugu e em diversos jornais, éramos parados nas ruas para que tirassem fotos conosco e recebemos mais olhares do que os noivos durante a principal cerimónia do casamento. Fui para a Índia com algumas expetativas – nem todas agradáveis. Eu só não esperava que encontraria todas as situações durante a mesma viagem. É conhecido o confuso trânsito local, a dificuldade em atravessar as ruas, a poluição do ar, a imundície dos rios, a pobreza extrema, a escravatura moderna e o machismo exagerado. A pobreza, é certo, existe em todo lado. O machismo eu também encontro em qualquer esquina no Brasil e em Portugal. Já a escravatura eu não esperava encontrar. Mas encontrei. Por estar em um lugar pouco frequentado por turistas e hospedada em casas de parentes da noiva, pude vivenciar na quase totalidade o dia a dia de uma família do sul da Índia. Prescindi de guias turísticos, hotéis, tradutores, alimentação de emergência e até de seguro de viagem completo. Por esse motivo, esses relatos carregam em si um ineditismo surpreendente sobre aquela cultura, tão divulgada – por vezes de maneira errónea – e tão difícil de compreender.
Céu – Algures entre Porto e Amsterdão
Primeiras impressões
O casamento
Primeiro dia: Henna e música
Segundo dia: o banho da noiva
Terceiro dia: o casamento
Quarto dia: a receção inglesa
Quinto dia: rituais e bênçãos
O último dia do fim da minha outra vida
Famosos (uma festa para nós)
O lixo na mala
Uma noção diferente de higiene e limpeza
O perigo da água
(Falta de) segurança
No meio do caminho tinha uma vaca
O comboio que não parava na estação
Empregados ou escravos?
Animais: bênção ou estorvo?
Templo (ou o homem que não controlava o mundo)
O meu marido
O medo por ser mulher
A conversa com a cunhada
Duas formas de aceitar
Minha filha é diferente e na Índia isso é normal
Não voltei
Para a Maria Clara,
por me acompanhar nas viagens da vida.
À minha mãe, ao meu pai e à
Lívia, primeiros leitores sempre,
e à Lavínia, futura leitora.
À Flávia,
por saber antecipadamente o que vai
acontecer na minha vida e me encorajar.
Ao Luis Maffei,
José Eduardo Agualusa e Afonso Cruz,
que, mesmo sem saber, são um pouco responsáveis por este primeiro livro.
À Sangeetha.
Introdução
•
Não é muito comum a presença de estrangeiros em casamentos tradicionais na Índia. Ainda mais incomum é a presença de não indianos nos dias que antecedem a cerimónia, que consistem na preparação dos noivos, separadamente.
Quando fui convidada para participar de um dos rituais mais importantes do hinduísmo, eu não julgava que presenciaria algo que poucos ocidentais puderam presenciar: a cerimónia do Mehendi, a festa da música, o banho de especiarias, o casamento, a receção pela família do noivo e, o que foi mais surpreendente, o ritual – Puja –, celebrado no dia a seguir à receção, em que fui a única pessoa de fora da família com permissão para participar, assistir aos sacrifícios animais, oferecer especiarias e frutas aos deuses e alimentar-me com as mesmas especiarias e frutas, após a oferenda.
Já no primeiro dia de celebrações pude constatar o ineditismo da presença de estrangeiros naquela fase do casamento. Estávamos há poucos minutos no quintal onde ocorria a cerimónia do Mehendi – que consiste na pintura das mãos com henna, quando chegaram repórteres de jornais impressos e da televisão. Nos dias a seguir ocorreu o mesmo. Aparecemos em todos os noticiários da TV Telugu e em diversos jornais, éramos parados nas ruas para que tirassem fotos conosco e recebemos mais olhares do que os noivos durante a principal cerimónia do casamento.
Fui para a Índia com algumas expetativas – nem todas agradáveis. Eu só não esperava que encontraria todas as situações durante a mesma viagem. É conhecido o confuso trânsito local, a dificuldade em atravessar as ruas, a poluição do ar, a imundície dos rios, a pobreza extrema, a escravatura moderna e o machismo exagerado. A pobreza, é certo, existe em todo lado. O machismo eu também encontro em qualquer esquina no Brasil e em Portugal. Já a escravatura eu não esperava encontrar. Mas encontrei.
Por estar em um lugar pouco frequentado por turistas e hospedada em casas de parentes da noiva, pude vivenciar na quase totalidade o dia a dia de uma família do sul da Índia. Prescindi de guias turísticos, hotéis, tradutores, alimentação de emergência e até de seguro de viagem completo. Por esse motivo, esses relatos carregam em si um ineditismo surpreendente sobre aquela cultura, tão divulgada – por vezes de maneira errónea – e tão difícil de compreender.
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