Apesar disso, a biblioteca do Museu estava lotada como sempre, pelas suas portas entrava e saía uma enxurrada incessante de gente: estudantes, leitores, turistas e pesquisadores que passavam horas dentro das suas paredes.
Subi as escadas, tomando cuidado para não escorregar, atravessei o corredor e cheguei ao átrio: uma grande sala de leitura circular com espaço para mais de mil pessoas. Ali estavam os volumes mais antigos da Inglaterra.
Tive que ficar na fila da receção até que uma bibliotecária de cabelos louros e fato azul-marinho me mostrasse onde poderia começar a procurar.
— Temos três tipos de inventários — explicou ela, erguendo os seus preciosos olhos acima de uns minúsculos óculos redondos — :topográficos, cronológicos e por assunto.
— Estou à procura dos diários de exploração dos últimos cinquenta anos.
A funcionária suspirou.
— Inicie a sua pesquisa por «Assuntos». Depois pode fazer um estudo cartográfico e, por fim, expandi-lo cronologicamente.
— Isso significa que posso encontrar informações em todos os três inventários?
Ela assentiu com um meio sorriso.
Ouvindo isto, cobri o rosto com as mãos.
Fui ao segundo andar e, após passar por vários corredores cheios de estantes, encontrei uma secção com vários manuscritos.
Pedi a documentação ao responsável e este foi depositando sobre a mesa uma montanha de arquivos que ultrapassava a minha altura.
— É tudo por hoje? — Perguntou.
— Espero que sim, — respondi resignado.
— Se não terminar, temos prateleiras na receção onde os investigadores guardam as informações para o dia seguinte.
— Muito obrigado. Foi muito gentil.
Liguei o pequeno candeeiro verde que cada mesa tem e abri a primeira pasta, como faria nos dias seguintes.
Depois de alguns dias de pesquisa, comecei a arrepender-me da minha proposta, aquele assunto não ia ser nada fácil. As informações eram infinitas, levaria anos para estudá-las em detalhes. Encontrei desde exploradores que descobriram os lugares mais remotos da África e da Ásia, até arqueólogos que desenterraram o legado histórico do Oriente.
A meio da manhã, enquanto folheava algumas páginas, vi como um tipo não parava de olhar para mim algumas mesas à frente. Não sabia se o conhecia de algum lugar ou se ele estava à minha procura por algum motivo. Procurei lembrar-me e não devia dinheiro a ninguém. Um momento depois, olhei novamente e ele já não estava mais lá.
Depois do almoço, vasculhei as estantes da Biblioteca. Senti-me verdadeiramente privilegiado enquanto corria os meus dedos por aqueles volumes com tantos séculos de história: o diário pessoal de Stanley na sua odisseia pela África para encontrar as nascentes do Nilo e o seu subsequente encontro com Livingstone. As dificuldades pelas quais os exploradores árticos liderados por Shackelton passaram quando o seu navio ficou preso no gelo por meses e eles quase perderam a vida; a corrida para conquistar o Polo Sul entre Amundsen e Scott, na qual ele tragicamente acabou a perder a sua vida e as várias descobertas arqueológicas dos nossos mais aclamados exploradores.
Esta investigação não me levava a lado nenhum e eu precisava mudar isso.
— Com licença, menina, você disse-me que além da documentação escrita também é possível consultar os mapas.
— Não temos apenas mapas, também temos jornais e fotografias.
O meu rosto empalideceu como no primeiro dia; esta rapariga era uma fonte inesgotável de boas notícias.
Desta vez, tive que descer para o porão. Lá, estudei diversos mapas e jornais do século XIX. Embora as suas leituras fossem interessantes, a maior parte das informações já era conhecida do público em geral. O meu trabalho era descobrir algo novo e em quatro dias eu havia encontrado apenas algumas histórias que valessem a pena descrever.
Estava absorto em jornais que ainda cheiravam fortemente a tinta quando taparam os meus olhos e a tinta deu lugar a um perfume agradável.
— Adriana! — Exclamei não convencido.
— Agora és bruxo ou quê? — Ela perguntou, sorrindo.
Adriana era uma siciliana de olhos verdes intensos, sorriso fácil e a melhor dançarina que já conheci. Emigrara com os pais quando era criança.
— O que te traz cá? — Ela perguntou, sentando-se à minha frente.
— Sabes como é. No jornal, um dia estás no Parlamento e no outro à procura de informações numa biblioteca.
— Que inveja. Passo o dia todo no cabeleireiro.
Balancei a cabeça com um sorriso.
— Vais ao salão este sábado?
— Claro. Estou muito contente com a minha professora.
— Conheço-a?
— Agora que penso nisso, ela parece-se muito contigo.
Ela riu e da mesa ao lado começaram a olhar para nós.
— Vou deixar-te trabalhar. Esta noite vou ver o último filme da Gloria Swanson, alinhas?
— Impossível. Estou cheio de trabalho. Vemo-nos no sábado.
Ela deu-me um beijo na bochecha e foi embora a sorrir.
Depois de um tempo, descobri entre as prateleiras o tipo que me observava três dias antes. Sem pensar duas vezes, levantei-me e fui pedir-lhe uma explicação, mas quando cheguei não havia ninguém lá. Passei por alguns corredores e não o encontrei, parecia que a terra o havia engolido; isto começava a cheirar mal.
Rumores chegaram até mim na sexta-feira de que o meu chefe não estava satisfeito com o meu trabalho. Repeti ad nauseam que ele precisava de mais ajudantes de pesquisa, mas ele não levou o meu conselho a sério.
Todo o trabalho recaiu sobre mim. O mais frustrante é que, se a publicação fosse um sucesso, todo o crédito iria para o jornal e o seu editor. Para mim, haveria apenas uma pequena resenha no final de cada artigo com o nome impresso, mas se fosse um fracasso o único culpado seria eu.
Após uma semana de investigação, o Sr. Dillan mandou chamar-me. Quando cheguei à sua porta, notei que as vidraças do seu escritório haviam sido alteradas e o seu nome podia ser lido numa enorme placa.
— O que me trazes hoje? — Ele perguntou cético. Eu sabia pelos meus colegas que não havia encontrado nada de novo. — Encontraste algo que possa ser publicado?
Tirei a gabardina e o chapéu e coloquei no cabide ao lado do porta-guarda-chuvas. De seguida, sentei-me numa cadeira de carvalho gasta.
— Tenho algumas histórias de exploradores africanos que descobriram pequenos rios na costa oeste.
O escocês abanou a cabeça repetidamente.
Foi até ao rádio e desligou um discurso enfadonho do primeiro-ministro.
— Adicionando um pouco de aventura e embelezando um pouco o artigo, poderíamos publicá-lo.
— E só me trazes isso depois de uma semana? — Ele respondeu, olhando para mim. — Não foste ao pub com aquela morena?
Abanei a cabeça.
— Passo o dia todo a trabalhar no museu, — respondi. — A italiana é uma boa amiga que me ensina a dançar charleston .
— Aquela dança americana descarada?
— É divertido, — eu disse, sorrindo. — Deveria experimentar.
O Sr. Dillan olhou para mim com cara de poucos amigos e eu olhei para baixo.
— Recebi permissão da Sociedade Geográfica para investigarmos nas suas instalações, — anunciou, entregando-me o documento. — A partir de amanhã vais trabalhar lá.
— Ótimas notícias, senhor.
— Espero que tragas notícias melhores da próxima vez. Agora sai daqui. Estou cheio de trabalho.
Dei a volta à almofada algumas vezes, levantei-me e fiz um café forte. Naquela manhã, senti-me revigorado. Foi o meu primeiro dia na biblioteca da Real Sociedade Geográfica Britânica, a mais alta autoridade nestes assuntos. Lá era apenas permitido investigar a pessoas muito influentes no campo das universidades de Oxford e Cambridge. Felizmente, o Sr. Dillan era sobrinho de um dos patrocinadores mais influentes da instituição e obtivemos uma licença para investigar por duas semanas.
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