Quando chegámos a Piccadilly Circus, deparamo-nos com um monumental engarrafamento que bloqueou o nosso caminho e, por dez minutos, mal avançámos vinte metros.
Se me atrasasse, poderia considerar-me despedido.
— Quanto lhe devo? — Perguntei ao motorista.
— Uma libra e dez, — respondeu ele, virando-se para mim.
Paguei a conta e saí do veículo.
Atravessei a Trafalgar Square debaixo de chuva fraca e subi apressadamente várias ruas adjacentes até chegar a Great Russell.
A expectativa era ainda maior do que ele havia imaginado. Cem fotógrafos, polícias e uma multidão de curiosos lotaram o portão de entrada do Museu Britânico. Apesar das suas enormes dimensões, parecia pequeno demais para a ocasião.
Os Rolls-Royces e os Duesenbergs não paravam de chegar à sua porta. Ele não se lembrava de haver tanto barulho desde que Valentino apareceu no Albert Hall alguns anos antes.
Duas grandes fontes de luz faziam brilhar as imponentes colunas dóricas da sua fachada, e a deusa Atenas parecia ganhar vida no frontão.
O prédio brilhou naquela noite como se fosse a mais bela joia do Neoclássico.
Fui ao controle de acesso, apresentei o meu crachá da imprensa e, após uma busca minuciosa, deixaram-me passar. Durante o dia, eles tentaram infiltrar-se com alguma autorização falsa. Subi as escadas e parei no local designado para o meu jornal.
— Ei, Paul! Estás todo encharcado! — Exclamou Tom, o correspondente do Northen Star.
— Era impossível chegar cá de táxi e esqueci-me do guarda-chuva em casa, — respondi com resignação. — Chegou algum figurão?
— Só o presidente da câmara. Mas isso já não é novidade — respondeu ele sorrindo.
Um grande murmúrio foi ouvido ao fundo e as pessoas começaram a se aglomerar na entrada principal.
— Acho que vem aí o nosso homem, — anunciou Tom enquanto recarregava a câmara fotográfica.
Não tivemos que esperar muito, alguns momentos depois o Aston Martin descapotável que carregava o protagonista do dia parou próximo à escada.
Uma chuva de flashes imortalizou o momento enquanto as pessoas gritavam o seu nome e o homem mais procurado do planeta saía do carro. Howard Carter, acompanhado da sua bela e elegante parceira, atravessou o tapete azul-marinho que havia sido instalado para a ocasião, acenando da esquerda para a direita como se fossem duas estrelas do cinema mudo.
— Sr. Carter! Sr. Carter! — Todos os correspondentes gritaram em uníssono.
— Algumas palavras para o Daily Telegraph ! — exclamei quando ele se aproximou da minha posição.
Howard Carter parou à minha frente e eu baixei a câmara e tirei o caderno do meu casaco.
— Diga-nos, Sr. Carter, qual foi a coisa mais difícil sobre a descoberta?
— O mais difícil foi encontrar o túmulo, — brincou. Todos os presentes riram alto.
— Agora a sério, — acrescentou ele. — A parte mais difícil foi manter constância suficiente durante anos de intensa busca.
— Obrigado, Sr. Carter.
Carter e a sua companheira subiram as escadas onde o diretor do Museu Britânico os esperava com o primeiro-ministro e outras autoridades para apertarem as mãos.
Durante a visita, ele explicou a todos os presentes como descobriu o quarto que abrigava o túmulo de Tutankhamon. Eles puderam admirar fotografias e réplicas da descoberta, pois as peças originais ainda estavam no Egipto.
Mais tarde, as autoridades e o próprio Carter foram a um coquetel preparado em sua homenagem num dos restaurantes mais famosos da cidade. Enquanto isso, pudemos conferir mais de perto a incrível descoberta que ele fez. Todos os objetos da câmara mortuária estavam em perfeitas condições. Foi um verdadeiro milagre que os ladrões de túmulos não profanassem um tesouro tão incrível durante séculos.
Naquela noite, voltei à redação para preparar a matéria que seria a primeira página de todos os jornais da cidade. Procurei dar um toque pessoal para que diferisse das crónicas dos meus colegas de profissão.
Na manhã seguinte, voltei cedo ao jornal, que era um prédio modernista de cinco andares construído no início do século. Subi a sua ampla escadaria até ao segundo andar e encontrei a mesma rotina que respirava diariamente. Um movimento incessante de pessoas que entravam e saíam dos escritórios com algumas novidades para contar.
Atravessei o corredor em meio ao barulho ensurdecedor das máquinas de escrever, o som dos telefones a tocar sem parar, os gritos contínuos dos correspondentes e um cheiro forte de tabaco que tornava o ambiente irrespirável.
Abri a porta e entrei na sala do diretor, um escocês de sessenta anos de nariz comprido, costelas grossas e rosto magro. Ele reuniu vários editores em quem confiava naquela manhã.
— Entra e fecha a porta, — disse ele mal-humorado —. Como fui proibido de fumar, não suporto esse cheiro.
— É para já, senhor, — disse Sarah, a editora-chefe.
Naquele dia ela abusou do seu perfume francês e não deixou ninguém indiferente.
— Temos muito trabalho a fazer esta manhã. As vendas de domingo caíram de forma alarmante nos últimos dois meses, — disse ele, batendo na mesa. — Se continuarmos assim, o jornal vai à falência. Precisamos de algo novo que coloque o Daily Telegraph na vanguarda desta cidade.
— Poderíamos acrescentar um relato policial, — comentou um recém-chegado da competição.
— Muito banal, — disse ele, colocando os braços na cintura. — Já tentaram noutros jornais e foi um fracasso. Todos os escritores desta geração consideram-se uns Conan Doyle.
Um jovem correspondente que havia começado a trabalhar na semana anterior tirou o seu cachimbo, colocou tabaco nele e riscou um fósforo. O escocês foi até ele e tirou-lhe o cachimbo da boca.
— Não me ouviste antes?
O rapaz ficou pálido e todos nós contemos o riso. Ele não sabia com quem estava a brincar.
— Mais alguma ideia? — Rosnou.
— Talvez um manual de bricolage ou jardinagem, — acrescentou Sarah.
— Toda a gente neste país entende de jardinagem, — respondeu ele com um gesto de desprezo. — Se só pensam dizer coisas estúpidas, é melhor ficarem calados, — ele acrescentou com um olhar ameaçador. — Precisamos de algo inovador.
Todos nós ficámos em silêncio por alguns minutos sem saber o que dizer. Fui até à cafeteira e servi-me de uma caneca cheia. Tinha uma ideia a assombrar-me desde a noite anterior, mas não sabia se deveria compartilhá-la.
— Acho que tenho algo interessante, — anunciei enquanto largava o café na mesa.
— Estou a ouvir.
— A descoberta de Carter no Egipto pode ser uma mina de ouro. Fez com que as pessoas se esquecessem dos desastres da guerra.
— Onde queres chegar?
— As pessoas continuam a ter um desejo insaciável pelas histórias dos nossos grandes exploradores.
— Essas expedições podem ser encontradas em qualquer biblioteca pública.
— É verdade. Mas podemos surpreendê-los com uma história menos conhecida. Existem milhares de histórias interessantes à espera para serem publicadas.
— Não sei se vai funcionar, —respondeu ele duvidoso. — E onde pensas consegui-las?
— Podemos começar pela biblioteca do Museu Britânico.
Ele ficou em silêncio por alguns momentos, cabisbaixo e acrescentou:
— Se ninguém tiver uma ideia melhor, tentaremos por alguns dias.
A reunião deu-se por encerrada. Saímos do escritório e continuámos com o nosso trabalho diário.
Quando acordei, a janela estava coberta por um manto branco. Nevara após um ano e as ruas estavam cheias de crianças que não paravam de jogar bolas de neve. No caminho para o Museu Britânico, vi como um casal de transeuntes escorregou desamparadamente; o gelo tornou várias ruas intransitáveis e alguns trabalhadores começaram a adicionar sal para evitar males maiores.
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