No início da sua carreira, Marcus Belling era visto pelo público mais como um vendedor do que como um hipnotizador: ele era um vendedor que sabia vender bem o seu produto, como acontecia com todos os profissionais mais comerciais. Várias vezes tinha sido acusado disso mesmo! Era sua convicção de que a medicina convencional não era a resposta para a cura de todos os sintomas do Homem: apenas na procura de uma cura holística seria possível providenciar às pessoas aquilo que elas procuravam. Não raras vezes ele tinha sido considerado um charlatão. Por essa razão, ele tivera dificuldade em assumir-se como um reconhecido profissional na área, sobretudo nos primeiros anos. A superstição e o preconceito assombravam a carreira de Marcus Belling. Para isso, ele contava com o apoio inestimável da sua mulher, Patricia Murio, uma fisioterapeuta dedicada à família.
Por tudo isto, os primeiros dez anos na carreira de Marcus Belling foram difíceis de percorrer e nem a sua capacidade de criar rapidamente empatia com as pessoas facilitou o processo de adaptação a novos tempos. Ele queria transmitir a mensagem de que a hipnose poderia ser aplicada em diferentes contextos traumáticos, fisiológicos e emocionais. No entanto, com o decorrer dos anos, as pessoas foram-se apercebendo de que Belling era de facto um estudioso sério nesta área e que as suas investigações eram exaustivas e rigorosas. A ideia de charlatão e de vendedor foi-se desvanecendo. Por outro lado, era inquestionável o sentido de responsabilidade com que desempenhava diariamente a sua profissão. Assim foram sendo desmistificadas crenças em torno da hipnose e, nisto, assistiu-se a uma ascensão gradual, mas sólida, de um reconhecimento nacional de Marcus Belling. Alguns anos mais tarde, ele seria conhecido como o mais famoso hipnotizador do país.
Existiam muitas pessoas à espera de uma sessão de hipnose com o reputado Marcus Belling. Efetivamente, pode-se afirmar sem exagero, que estas mesmas pessoas podiam ser distinguidas na Avenida do Sol, das restantes, que eram apenas transeuntes. O rosto dos “escolhidos” ficava subitamente iluminado, como se tivessem acabado de ter tido uma clarividência acerca do mundo. Mas o mais importante é que Belling também conseguia distinguir entre alguns destes curiosos que chegavam ao seu gabinete, daqueles que apenas pretendiam vender imagens do interior do seu local de trabalho a revistas e jornais sensacionalistas e daí ganhar muito dinheiro. Tornava-se assim necessário filtrá-los a partir das centenas de pessoas que o procuravam para serem ajudadas com os seus problemas: estas pessoas sim, eram uma prioridade na sua carreira.
Tal como o seu pai, Elias Belling, o famoso hipnotizador queria servir as pessoas com a sua profissão. A hipnose era usada como um instrumento de missão pública, sendo esta a marca distintiva no perfil de Marcus Belling. Assim, procuravam-no pessoas que se queixavam de dificuldades no sono, peso excessivo ou magreza extrema, ansiedade, dores crónicas, emocionais ou físicas, ou de uma forma geral, influenciadas por inquietudes da alma. Quanto a estas últimas, a regressão ajudava a compreender o que existia no substrato do inconsciente, permitindo resolver traumas das vidas passadas e contribuindo, desta forma, para o desfrutar de uma vida mais plena.
O mesmo sucedia com Anne Pauline. Foi a inquietude da sua alma que a levou a procurar Marcus Belling, embora, por norma, os pacientes que faziam a regressão fossem os mais descrentes quantos aos efeitos terapêuticos da hipnose. Por isso, estes procuravam primeiro a orientação de um psicólogo para compreender o seu estado de alma e apenas quando os sintomas se mantinham inalterados durante vários anos é que recorriam a um hipnotizador. A Terapia de Vidas Passadas era então a única solução para os casos mais complicados.
Marcus Belling não trabalhava sozinho. Esta era uma parte da sua receita para o sucesso. Para evitar que os simples curiosos prejudicassem a sua carreira, o famoso hipnotizador trabalhava há muitos anos com uma pequena equipa que lhe era extremamente leal. Era esta mesma equipa que lhe filtrava os casos por ordem de prioridade e que conseguia avaliar as reais intenções daqueles que procuravam a sua ajuda.
Belling não seria famoso e rico sem a ajuda de Sofia Estelar, a sua secretária pessoal de há muitas décadas. Alta, de olhos joviais, ela era sua secretária desde o início da sua carreira, tendo assistido ao afastamento de Elias Belling da sua profissão, à medida que o filho ia ganhando maturidade e mediatismo. De aproximadamente cinquenta anos, Sofia era casada e mãe de dois filhos e mantinha por Belling uma relação maternal, porque quem nutria um enorme sentimento de proteção; eles já trabalhavam juntos naquele gabinete há mais de vinte anos, pelo que se tornara impossível não desenvolver uma relação de enorme proximidade emocional. Essa mesma proximidade era óbvia todos os dias, em todas as circunstâncias. Inclusivamente, existia no gabinete de Belling uma fotografia antiga dos dois, ampliada, que tinha sido registada quando o consultório abrira pela primeira vez as suas portas naquele preciso local há duas décadas. Desde essa altura, já Sofia e Marcus Belling tinham mudado as suas feições e um pouco o seu temperamento. Ambos sabiam que o tempo era sempre implacável com o Homem.
Um dos traços mais marcantes da personalidade de Sofia Estelar era a sua extrema desconfiança. Isto era algo que já tinha nascido com ela, que fazia parte da sua natureza, e que a ajudara a superar as dificuldades dos primeiros tempos, quando Marcus Belling tentou, de forma inovadora, apresentar a hipnose às pessoas como uma forma de tratamento da alma. Desde logo, que a sua figura chamou a atenção do famoso hipnotizador, que admirava o seu carácter forte e marcado, de alguém que não desiste perante as primeiras dificuldades; o sorriso ciumento que ela tantas vezes esboçava, era apenas a confirmação de que entregava toda a sua dedicação a algo em que acreditava. Por essa mesma razão, Belling soube desde o início que ela era a pessoa indicada para desempenhar aquela função para o novo consultório situado na Avenida do Sol. Teria de facto de ser alguém que, ao contrário do famoso hipnotizador, concentrava todas as suas atenções a detetar possíveis motivações menos éticas de alguns que apenas procuravam um breve momento de mediatismo.
Era difícil e exigente gerir a agenda profissional de Marcus Belling. O tempo era sempre curto para todas as solicitações e por isso tornava-se necessário identificar rapidamente as prioridades. Belling fizera uma escolha acertada quando escolheu Sofia Estelar para aquela exigente função. Por essa razão, há mais de vinte anos que trabalhavam unidos para trazer a hipnose para junto daqueles que mais precisavam dela. Ambos estavam conscientes de que este era um trabalho de missão pública.
Para além disso, Sofia Estelar assistira à primeira década bastante dura de Belling em que este tivera de se afirmar no panorama nacional como um reputado hipnotizador: a partir daí, deu-se a ascensão da sua carreira. Ela sempre fora um grande apoio e por isso não era exagerado afirmar que o sucesso de Marcus Belling estava ligado, de forma inevitável, aos esforços desenvolvidos pela sua secretária pessoal para o proteger de malícias e de esquemas que lhe pudessem ser prejudiciais. Sem exagero, também se podia afirmar, que a sua desconfiança natural tinha ajudado no processo de construção de uma estável carreira. Os dois eram, por isso, eternos confidentes. Existia assim da parte de Sofia Estelar um juramento que ela tinha feito há muitos anos: ela iria proteger o famoso hipnotizador de todos os ataques exteriores (que eram os mais variados e provinham de várias frentes de ataque). Isto porque, mais do que ninguém, conhecia o exaustivo trabalho de bastidores que existia por detrás da gestão da sua imagem e da sua carreira. De facto, durante mais de vinte anos ela concretizou o seu juramento com sucesso, exceto quando Anne Pauline entrou na vida de Marcus Belling. Neste caso, nem mesmo a sua personalidade desconfiada e a sua afiada intuição poderiam evitar que as suas vidas mudassem para sempre.
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