Luís Camões - Os Lusíadas
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- Название:Os Lusíadas
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Quando chegaua a frota aaquella parte,
Onde o Reino Melinde ja ſe via,
De toldos adornada, & leda de arte
Que bem moſtra eſtimar o Sancto dia:
Treme a Bandeira, voa o Eſtandarte,
A cor porpurea ao longe aparecia.
Soão os atambores & pandeiros,
E aſsi entrauão ledos & guerreiros.
Enche ſe toda a praya Molindana,
Da gente que vem ver a leda armada,
Gente mais verdadeira, & mais humana
Que toda a doutra terra atras deixada.
Surge diante a frota Luſitana,
Pega no findo a ancora peſada.
Mandão fora hum dos Mouros q̃ tomàrão,
Por quem ſua vinda ao Rei manifeſtàrão.
O Rei que ja ſabia da nobreza
que tanto os Portugueſes engrandece,
Tomarem o ſeu porto tanto preza,
Quanto a gente fortiſsima merece:
E com verdadeiro animo, & pureza,
Que os peitos generoſos ennobrece.
Lhe manda rogar muyto que ſaiſſem,
Pera que de ſeus Reinos ſe ſeruiſſem:
Sam offerecimentos verdadeiros,
E palauras ſinceras, não dobradas,
As que o Rei manda aos nobres caualleiros,
Que tanto mar & terras tem paſſadas:
Mandalhe mais lanigeros carneiros,
E galinhas domeſticas çeuadas,
Com as fructas que antam na terra auia,
E a vontade aa dadiua excedia.
Recebe o Capitão alegremente
O menſageiro ledo, & ſeu recado,
E logo manda ao Rei outro preſente,
Que de longe trazia aparelhado:
Eſcarlata purpurea, cor ardente,
O ramoſo coral fino, & prezado.
Que debaxo das agoas mole creçe,
E como he fora dellas ſe endureçe.
Manda mais hum na pratica elegante,
Que co Rei nobre as pazes concertaſſe,
E que de não ſair naquelle inſtante,
De ſuas naos em terra o deſculpaſſe.
Partido aſsi o embaixador preſtante,
Como na terra ao Rei ſe apreſentaſſe:
Com eſtillo que Palas lhe enſinaua,
Estas palauras tais fallando oraua.
Sublime Rei, a quem do Olimpo puro,
Foy da ſuma Iustiça concedido,
Refrear o ſoberbo pouo duro,
Não menos delle amado, que temido,
Como porto muy forte, & muy ſeguro,
De todo o Oriente conhecido:
Te vimos a buſcar, pera que achemos
Em ti o remedio certo que queremos.
Não ſomos roubadores, que paſſando
Pelas fracas cidades deſcuidadas,
A ferro, & a fogo, as gentes vão matando
Por roubarlhe as fazendas cubiçadas:
Mas da ſoberba Europa nauegando,
Himos buſcando as terras apartadas
Da India grande, & rica, por mandado
De hum Rei que temos, alto, & ſublimado.
Que geração tam dura ahi de gente?
Que barbaro costume, & vſança fea,
Que não vedem os pertos, tam ſomente:
Mas inda o hospicio da deſerta area?
Que ma tençam? que peito em nos ſe ſente?
Que de tam pouca gente ſe arrecea.
Que com laços armados tam fingidos,
Nos ordenaſſem vernos deſtruydos?
Mas tu, em quem muy certo confiamos
Acharſe mais verdade, o Rei benigno,
E aquella certa ajuda em ti eſperamos,
Que teue o perdido Itaco em Alcino:
A teu porto ſeguros nauegamos,
Conduzidos do interprete diuino.
Que pois a ti nos manda, eſtà muy claro,
Que es de peito ſincêro, humano, & raro.
E não cuydes, ô Rei, que não ſaiſſe.
O noſſo Capitão eſclarecido
A verte, ou a ſeruirte, porque viſſe
Ou ſoſpeitaſſe em ti peito fingido:
Mas ſaberas que o fez porque compriſſe,
O regimento em tudo obedecido,
De ſeu Rei, que lhe manda que nam ſaia,
Deixando a frota, em nenhũ porto, ou praia.
E porque he de vaſſalos, o exercicio,
Que os membros tem regidos da cabeça
Não quereras, pois tẽs de Rei o officio,
Que ninguem a ſèu Rei deſobedeça:
Mas as merçes, & o grande beneficio,
Que ora acha em ti, promete que conheça
Em tudo aquillo que elle & os ſeus poderem,
Em quanto os rios pera o mar correrem.
Aſsi dizia, & todos juntamente,
Hũs com outros em pratica fallando,
Louuauão muito o eſtamago da gente,
Que tantos Ceos & mares vai paſſando,
E o Rei illuſtre, o peito obediente,
Dos Portugueſes, na alma imaginando.
Tinha por valor grande, & muy ſubido,
O do Rei que he tam longe obedecido.
E com riſonha viſta, & ledo aſpeito,
Responde ao Embaixador, que tanto estima
Toda a ſoſpeita mà tiray do peito,
Nenhum frio temor em vos ſe imprima:
Que voſſo preço, & obras ſam de geito,
Pera vos ter o mundo em muyta eſtima.
E quem vos fez mollesto tratamento,
Não pode ter ſobido penſamento.
De não ſair em terra toda a gente,
Por obſeruar a vſado preminencia,
Ainda que me peſe eſtranhamente,
Em muito tenho a muita obediencia:
Mas ſe lho o regimento não conſente,
Nem eu conſentirey que a excelencia,
De peitos tão leais em ſi desfaça,
So perque a meu deſejo ſatisfaça.
Porem como a luz crastina chegada,
Ao mundo for, em minhas almàdîas,
Eu irey viſitar a forte armada,
Que ver tanto deſejo, ha tantos dias.
E ſe vier do mar desbaratada,
Do furioſo vento, & longas vias:
Aqui tera, de limpos penſamentos
Piloto, munições, & mantimentos.
Isto diſſe, & nas agoas ſe eſcondia,
O filho de Latona, & o menſageiro
Co a embaixada alegre ſe partia
Pera a frota, no ſeu batel ligeiro:
Enchem ſe os peitos todos de alegria,
Por terem o remedio verdadeiro,
Pera acharem a terra que buſcauão,
E aſsi ledos a noite feſtejauão.
Não faltão ali os rayos de arteficio,
Os tremulos Cometas imitando,
Fazem os Bombardeiros ſeu officio:
O ceo, a terra, & as ondas atroando.
Moſtraſe dos Cyclopas o exercicio,
Nas bombas que de fogo estão queimando,
Outros com vozes, com que o Ceo ferião.
Inſtrumentos altiſſonos tangião.
Respondem lhe da terra juntamente,
Co rayo volteando, com zonido,
Anda em giros no ar a roda ardente,
Estoura o po ſulfureo eſcondido:
A grita ſe aleuanta ao Ceo, da gente,
O Mar ſe via em fogos acendido:
E não menos a terra, & aſsi feſteja
Hum ao outro a maneira de peleja.
Mas ja o Ceo inquieto reuoluendo,
As gentes incitaua a ſeu trabalho,
E ja a mãy de Menon a luz trazendo,
Ao ſono longo punha certo atalho:
Hião ſe as ſombras lentas desfazendo,
Sobre as flores da terra, em frio orualho,
Quando o Rei Milindano ſe embarcaua
A ver a frota que no mar estaua.
Vião ſe em derredor feruer as prayas
Da gente, que a ver ſo concorre leda,
Luzem da fina purpura as cabaias,
Lustrão os panos da tecida ſeda:
Em lugar de guerreiras a zagaias
E do arco, que os cornos arremeda
Da Lũa, trazem ramos de Palmeira,
Dos que vencem coroa verdadeira.
Hum batel grande & largo, que toldado
Venha de ſedas de diuerſas cores,
Traz o Rei de Melinde, acompanhado
De nobres de ſeu Reino, & de ſenhores:
Vem de ricos veſtidos adornado,
Segundo ſeus costumes, & primores.
Na cabeça hũa fota guarnecida,
De ouro, & de ſeda, & de algodão tecida.
Cabaya de Damaſco rico, & dino,
Da Tiria cor, entre elles eſtimada,
Hum colar ao peſcoço de ouro fino,
Onde a materia da obra he ſuperada,
Cum reſplandor reluze Adamantino,
Na cinta, a rica adaga bem laurada.
Nas alparcas dos pês, em fim de tudo,
Cobrem, ouro & aljofar ao veludo.
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