Luís Camões - Os Lusíadas
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- Название:Os Lusíadas
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Com hum redondo emparo alto de ſeda,
Nũa alta & dourada astea enxerido,
Hum miniſtro aa ſolar quentura veda,
Que não offenda & queime o Rei ſubido:
Muſica traz na proa, eſtranha & leda,
De aſpero ſom, horriſsimo ao ouuido:
De trombetas arcadas em redondo,
Que ſem concerto fazem rudo estrondo.
Não menos guarnecido o Luſitano,
Nos ſeus bateis da frota ſe partia,
A receber no mar o Melindano,
Com luſtroſa & honrada companhia:
Vestido o Gama vem ao modo Hispano:
Mas Franceſa era a roupa que veſtia,
De cetim da Adriatica Veneza,
Carmeſi, cor que a gente tanto preza.
De botões douro as mangas vem tomadas,
Onde o Sol reluzindo a viſta cega:
As calças ſoldadeſcas recamadas,
Do metal que Fortuna a tantos nega,
E com pontas do meſmo delicadas,
Os golpes do gibão ajunta, & achega:
Ao Italico modo a aurea eſpada,
Pruma na gorra, hum pouco diclinada.
Nos de ſua companhia ſe moſtraua,
Da tinta que dà o Mûrice excelente,
A varia cor, que os olhos alegraua,
E a maneira do trajo diferente:
Tal o fermoſo eſmalte ſe notaua,
Dos veſtidos olhados juntamente:
Qual aparece o arco rutilante,
Da bella Nimpha filha de Thaumante.
Sonoroſas trombetas incitauão,
Os animos alegres reſoando,
Dos Mouros os bateis o Mar co lhauão,
Os toldos pelas agoas arrojando:
As bombardas horriſſonas bramando,
Com as nuuẽs de fumo o Sol tomando,
Ameudam ſe os brados acendidos,
Tapão com as mãos os Mouros os ouuidos.
Ia no batel entrou do Capitão
O Rei, que nos ſeus braços o leuaua,
Elle coa corteſia, que a razão
(Por ſer Rei) requeria, lhe fallaua.
Cũas moſtras de eſpanto, & admiração,
O Mouro o geſto, & o modo lhe notoua,
Como quem em muy grande estima tinha,
Gente que de tam longe à India vinha.
E com grandes palauras lhe offereçe,
Tudo o que de ſeus Reinos lhe compriſſe,
E que ſe mantimento lhe falleçe,
Como ſe proprio foſſe lho pediſſe:
Diz lhe mais, que por fama bem conheçe
A gente Luſitana, ſem que a viſſe.
Que ja ouuio dizer, que noutra terra
Com gente de ſua ley tiueſſe guerra.
E como por toda Affrica ſe ſoa,
Lhe diz, os grandes feitos que fizerão,
Quando nella ganharão a coroa
Do Reino, onde as Hesperidas viuerão:
E com muitas palauras apregoa,
O menos que os de Luſo merecerão:
E o mais que pela fama o Rei ſabia:
Mas deſta ſorte o Gama reſpondia.
O tu que ſo tiueste piedade,
Rei benigno, da gente Luſitana,
Que com tanta miſeria, & aduerſidade,
Doe mares experimenta a furia inſana.
Aquella alta, & diuina eternidade,
Que o Ceo reuolue, & rege a gente humana:
Pois que de ti tais obras reçebemos,
Te pague o que nos outros não pedemos.
Tu ſo de todos quantos queima Apolo,
Nos recebes em paz do Mar profundo
Em ti, dos ventos horridos de Eolo,
Refugio achamos bom, fido, & jocundo.
Em quanto apacentar o largo Polo,
As Eſtrellas, & o Sol der lume ao Mundo,
Onde quer que eu viuer, com fama & gloria,
Viuirão teus louuores em memoria.
Isto dizendo, os barcos vão remando,
Pera a frota, que o Mouro ver deſeja,,
Vão as naos, hũa & hũa rodeando,
Porque de todas tudo note, & veja:
Mas pera o Ceo Vulcano fuzilando,
A frota co as bombardas o feſteja,
E as trombetas canoras lhe tangião,
Cos anafis os Mouros reſpondião.
Mas deſpois de ſer tudo ja notado,
Do generoſo Mouro, que paſmaua,
Ouuindo o inſtrumento inuſitado,
Que tamanho terror em ſi moſtraua,
Mandaua estar quieto, & ancorado,
Nagoa o batel ligeiro que as leuaua,
Por fallar de vagar co forte Gama,
Nas couſas de que tem noticla, & fama.
Em praticas o Mouro diferentes,
Se deleitaua, perguntando agora,
Pelas guerras famoſas & excelentes,
Co pouo áuidas, que a Mafoma adora:
Agora lhe pergunta pelas gentes
De toda a Hispheria vltima, onde mora:
Agora pelos pouos ſeus vezinhos,
Agora pelos humidos caminhos.
Mas antes valeroſo Capitão,
Nos conta, lhe dezia, diligente,
Da terra tua o clima, & região
Do Mundo onde morais diſtintamente,
E aſsi de voſſa antiga geração,
E o principio do Reino tam potente:
Cos ſucceſſos das guerras do começo,
Que ſem ſabellas, ſey que ſam de preço.
E aſsi tambem nos conta dos rodeios
Longos, em que te traz o Mar yrado,
Vendo os coſtumes barbaros alheios,
Que a noſſa Affrica ruda tem criado
Conta: que agora vem cos aureos freios,
Os cauallos que o carro marchetado,
Do nouo Sol, da fria Aurora trazem,
O Vento dorme, o Mar & as ondas jazem.
E não menos co tempo ſe pareçe,
O deſejo de ouuirte o que contares,
Que quem ha, que por fama não conheçe
As obras Portugueſas ſingulares:
Não tanto deſuiado reſplandeçe,
De nos o claro Sol, pera julgares.
Que os Melindanos tem tam rudo peito,
Que não eſtimem muito hum grande feito.
Cometerão ſoberbos os Gigantes,
Com guerra vão, o olimpo claro, & puro,
Tentou Peritho, & Theſeu, de ignorantes,
O Reino de Plutão horrendo & eſcuro,
Se ouue feitos no mundo tam poſſantes,
Não menos he trabalho illuſtre, & duro,
Quanto foi cometer Inferno, & Ceo,
Que outrem cometa a furia de Nereo.
Queimou o ſagrado templo de Diana,
Do ſutil Teſifonio fabricado,
Horoſtrato, por ſer da gente humana
Conhecido no mundo, & nomeado:
Se tambem com tais obras nos engana,
O deſejo de hum nome auentajado.
Mais razão ha que queira eterna gloria
Quem faz obras tam dignas de memoria.
Fim.
Canto Terceiro
Agora tu Caliope me enſina,
O que contou ao Rei, o illustre Gama:
Inſpira immortal canto, & voz diuina,
Neſte peito mortal, que tanto te ama.
Aſsi o claro inuentor da Medicina,
De quem Orpheo pariſte, o linda Dama:
Nunca por Daphne, Clicie, ou Leucothôe
Te negue o Amor diuido, como ſoe.
Poem tu Nimfa em effeito meu deſejo,
Como mereçe a gente Luſitana,
Que veja & ſaiba o mundo que do Tejo
O licor de Aganipe corre & mana,
Deixa as flores de Pindo, que ja vejo
Banharme Apolo na agoa ſoberana.
Senão direy, que tẽs algum receio,
Que ſe eſcureça o teu querido Orpheio.
Promptos eſtauão todos eſcuitando,
O que o ſublime Gama contaria
Quando, deſpois de hum pouco eſtar cuidãdo,
Aleuantando o roſto, aſsi dizia:
Mandas me, o Rei, que conte declarando,
De minha gente a grão geanaloſia:
Não me manda contar eſtranha hiſtoria:
Mas mandas me louuar dos meus a gloria.
Que outrem poſſa louuar esforço alheio,
Couſa he que ſe coſtuma, & ſe deſeja:
Mas louuar os meus proprios, arreceio,
Que louuor tão ſospeito mal me esteja,
E pera dizer tudo, temo & creio,
Que qualquer longo tempo curto ſeja:
Mas pois o mandas, tudo ſe te deue,
Irey contra o que deuo, & ſerey breue.
Alem diſſo, o que a tudo em fim me obriga,
He não poder mentir no que diſſer,
Porque de feitos tais, por mais que diga,
Mais me ha de ficar inda por dizer:
Mas perque nisto a ordem leue & ſiga,
Segundo o que deſejas de ſaber.
Primeiro tratarey da larga terra,
Deſpois direy da ſanguinoſa guerra.
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