Alfredo Campos - O Infante Navegador - Poemeto
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Alfredo Campos
O Infante Navegador: Poemeto
PREFACIO
Em 1865, alguns poetas que se achavam reunidos no cubiculo interior da modesta livraria de um editor de Paris, resolveram, depois de animada discussão, inter pocula , publicar um periodico de versos.
Esses poetas eram: François Coppée, André Lemoyne, Paul Verlaine, Léon Dierx, e José Maria de Heredia; o editor era Lemerre.
Ha um proverbio francez que diz que não ha ninguem que, uma vez na vida, não encontre a occasião de se enriquecer: tudo depende de não a deixar escapar.
Para Lemerre o momento psychologico, de que mysteriosamente dependia a sua fortuna, foi aquelle.
Viu a Occasião, agarrou-a pelos cabellos, e no mez de janeiro do anno seguinte dava á luz o 1.º numero do periodico, que fôra intitulado: Parnasse Contemporain . Era mensal, e d'elle ha publicadas tres séries; a primeira abrange o anno de 1866, a segunda, principiada em 1869, e interrompida pela guerra franco-prussiana, concluiu em 1871; a terceira e ultima sahiu em 1876.
O exito d'esta publicação foi enorme: a edição esgotou-se, e Lemerre, que a encetára pobre, em dia de bons auspicios, ganhou alentos e é actualmente um dos mais faustosos editores da grande cidade.
Do titulo do periodico adveio para os seus numerosos collaboradores a denominação de poetas parnasianos .
Catulle Mendès dá-lhe outra origem, mas a real é a que deixamos indicada: estas coisas vêem-se melhor de longe do que de perto.
Já ha muito publicavamos em Coimbra a Folha , quando Eça de Queiroz, enthusiasmado, nos assignalou o novo periodico, incitando-nos a implantar entre nós a que elle chamava poesia do futuro.
Acostumados á leitura exclusiva dos cinco ou seis poetas que, por aquella épocha, se liam e discutiam em Coimbra, surprehendeu-nos a nova publicação, não tanto pela novidade que poderia notar-se no seu elemento poetico propriamente dito, mas sim, principalmente, pela correcção quasi scientifica da fórma.
Póde affirmar-se que foi ahi que, em França, teve principio a moderna evolução do verso, evolução que nós, que absolutamente desconheciamos aquelle movimento, tambem tinhamos iniciado na Folha .
Este phenomeno poderia explicar-se por uma das leis de Vico.
Dissemos que no Parnaso não havia innovações no elemento poetico, e realmente, a não ser a exclusão de alguns dos velhos assumptos convencionaes, o que se observava era que os novos poetas (não nos referimos á sua idade segundo os repertorios) continuavam como até ali a poetar, de harmonia com os seus temperamentos, segundo a sua propria originalidade. Via-se que os não unia nem communhão de idéas ou de sentimentos e tradições, nem até um mesmo systema ou methodo de execução: não formavam uma escóla: unia-os apenas um principio, que manifestamente haviam adoptado por influencia de Th. Gautier e de Banville, o de que poesia sem arte não é poesia; não tem outro valor senão o dos pensamentos que contém: é prosa.
Para esses parnasianos, portanto, que são os que actualmente constituem a mais gloriosa constellação de poetas do seculo XIX, isto é, para Baudelaire, F. Coppée, Sully-Prudhomme, Soulary, Leconte de Lisle, André Lemoyne, Glatigny, Catulle Mendès, Armand Silvestre, Th. de Banville, Léon Valade, Paul Verlaine, Léon Dierx, José Maria de Heredia, Em. des Essarts, e para muitos outros, não ha arte aonde o verso não é absolutamente correcto.
Mas, a evolução da fórma consistirá só n'isso, parará ahi?
Com certeza que não.
Aquelle principio adoptado pelos parnasianos, não é realmente novo; os grandes poetas latinos sempre o seguiram, e foi na Epistola ad Pisones , que o Tasso, Camões, Ariosto, e outros, o encontraram, adoptando-o.
O conhecimento amplissimo da lingua, tão necessario para quem faz um poema, como o da combinação das côres para quem pinta um quadro, e a sciencia da revelação do pensamento pela fórma mais nitida, mais perfeita e mais adequada a esse pensamento, são as duas bases em que assenta aquelle principio.
O primeiro d'estes elementos de construcção e de composição technica estuda-se nos classicos; o segundo nas obras dos grandes escriptores. Este, porém, deve-o sobretudo estudar o poeta comsigo mesmo; porque um mesmo pensamento não só póde ser apresentado, sem alteração alguma, por palavras diversas, mas tambem pelas mesmas palavras combinadas de maneiras differentes.
Já o Mestre de Philosophia o indicava, na comedia de Molière, ao Burguez Gentilhomem :
Mr. Jourdain sentira-se enamorado de uma dama da sociedade elegante, e queria escrever-lhe qualquer coisa n'um bilhetinho, que lhe deixaria cahir aos pés.
A este respeito abriu-se com o seu Mestre de Philosophia.
– «É em verso que quer escrever-lhe? – perguntou-lhe este.
– Não; nada de verso.
– Então quer tudo em prosa?
– Não; não quero nem prosa nem verso.
– Ha de ser uma ou outra coisa.
– Porque?
– Por uma razão muito simples; porque para nos exprimirmos não ha senão a prosa ou os versos.
– Não ha senão a prosa ou os versos?
– Não. Tudo que não é prosa é verso, e tudo que não é verso é prosa.
– E, quando eu fallo, isso que é?
– É prosa.
– Como! quando eu digo: ó José, traz-me os meus sapatos, e dá-me o meu barrete de dormir, isto é prosa?
– Sim, senhor.
– É boa! Ha quarenta annos que fallo em prosa sem o saber! Muito obrigado pelas suas instrucções. O que eu queria pôr no bilhete era: — Bella marqueza, seus bellos olhos fazem-me morrer d'amor ; mas queria que isto fosse posto de uma maneira galante, torneado com elegancia.
– Pôr: que o fogo dos seus olhos lhe reduz o coração a cinzas, que soffre dia e noite as violencias d'um…
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