Preservação de Itens Inestimáveis. O nome da empresa é um tipo de pista ou algum idiota cruel está só brincando comigo? Alguém está me dizendo o que preciso fazer para preservar Evie, meu item mais precioso?
Esse último pensamento disparou uma onda de ansiedade pelo corpo de Keri. Ela sentiu os joelhos fraquejarem e caiu no chão desajeitadamente, tentando evitar mais lesões ao seu braço esquerdo, que estava aninhado, imóvel, na tipoia sobre seu peito. Ela usou a mão direita para evitar colapsar por completo.
Curvada, com uma nuvem de poeira subindo ao redor, Keri fechou os olhos com força e tentou afastar os pensamentos sombrios que tentavam envolvê-la. Uma breve visão de sua pequena Evie invadiu sua mente.
Em sua mente, ela ainda tinha oito anos, com rabos de cavalo loiros balançando em sua cabeça, seu rosto lívido de terror. Estava sendo jogada dentro de uma van branca por um homem loiro com uma tatuagem no lado direito do pescoço. Keri ouviu o baque quando seu pequeno corpo bateu contra a parede da van. Ela viu o homem loiro esfaquear um adolescente que tentou detê-lo. Viu a van arrancar e disparar pela rua, deixando-a muito atrás enquanto tentava alcançá-la com pés descalços e sangrando.
Ainda era tão vívido. Keri engoliu as lágrimas enquanto afastava a lembrança, tentando forçar-se a voltar ao presente. Após alguns momentos, conseguiu se controlar novamente e respirou fundo algumas vezes. Sua visão clareou e ela se sentiu forte o bastante para ficar de pé.
Foi o primeiro flashback que ela tinha em semanas, desde antes do confronto com Pachanga. Parte dela tinha a esperança de que tinham sumido para sempre... mas Keri não teve essa sorte.
Ela sentiu uma dor lancinante em sua clavícula quando esticou o braço para se proteger durante a queda. Frustrada, puxou a tipoia. Naquele momento, era mais um impedimento do que uma ajuda. Além disso, ela não queria parecer fraca quando se encontrasse com o Dr. Burlingame.
A entrevista com Burlingame... tenho que ir!
Ela conseguiu cambalear até seu carro e arrancou em direção ao tráfego, desta vez, sem a sirene. Ela precisava de silêncio para a ligação que ia fazer.
Keri sentiu um pouco de nervosismo enquando digitava o número do quarto de hospital de Ray e esperava chamar. Oficialmente, não havia motivo para ela se sentir nervosa. Afinal, Ray Sands era seu amigo e seu parceiro na Unidade de Desaparecidos da polícia de LA.
Enquanto o telefone continuava a tocar, sua mente divagou até a época antes deles serem parceiros, quando ela era profesora de criminologia na Universidade Loyola Marymount e prestava serviços como consultora para a polícia, ajudando em alguns casos. A parceria tinha dado certo desde o início e ele havia retribuído o favor profissional dando palestras nas aulas dela, ocasionalmente.
Depois que Evelyn foi raptada, Keri caiu num buraco negro de desespero. Seu casamento desmoronou, ela começou a beber muito e a dormir com vários estudantes da universidade, até que foi demitida.
Logo depois disso, quando ela estava quase quebrada, bêbada e vivendo numa casa-barco decrépita na marina, que Ray reapareceu. Ele a aconselhou a se inscrever na academia da polícia, como ele tinha feito quando sua própia vida havia se despedaçado. Ray ofereceu a ela uma corda salva-vidas, uma maneira de se reconectar com o mundo e encontrar sentido para existir. Ela aceitou.
Depois de se formar e servir como uma oficial fardada, ela foi promovida a detetive policial, e pediu para ser transferida para a Pacific Division, que cobria a maior parte do oeste de Los Angeles. Era onde ela morava e a área que mais conhecia. Era também a divisão de Ray. Ele solicitou que ela fosse sua parceira e eles vinham trabalhando juntos por um ano quando o caso Pachanga terminou levando-os ao hospital.
Mas não era a recuperação de Ray que deixava Keri nervosa. Era o status do relacionamento deles. Algo mais do que amizade havia se desenvolvido no último ano, enquanto trabalhavam tão próximos. Ambos sentiam, mas nenhum queria reconhecer em voz alta. Keri sentiu pontadas de ciúme quando ligou para o apartamento de Ray e uma mulher atendeu. Ele era um notório mulherengo e não se envergonhava disso, então não deveria ter sido uma surpresa para ela, mas o ciúme ainda estava lá, apesar dos melhores esforços de Keri.
E ela sabia que ele se sentia da mesma forma. Ela havia visto os olhos dele faiscarem quando ambos estavam num caso e uma testemunha deu em cima dela. Ela pôde quase sentir ele ficando tenso ao seu lado.
Mesmo depois dele ter sido baleado e corrido risco de vida, nenhum dos dois teve coragem de lidar com a questão. Parte de Keri pensou que era inadequado focar em tais trivialidades quando ele estava se recuperando de lesões tão graves. Mas outra parte estava simplesmente aterrorizada com o que aconteceria se as cartas fossem postas na mesa.
Então, ambos ignoraram seus sentimentos. E porque nenhum dos dois estava acostumado a esconder coisas um do outro, ficou estranho. Enquanto Keri ouvia o telefone tocar no quarto de hospital de Ray, metade dela esperava que ele atendesse e metade esperava que não. Ela precisava conversar com ele sobre a ligação anônima e sobre o que ela havia descoberto no armazém. Mas não sabia como começar uma conversa.
Acabou não importando. Após chamar dez vezes, ela desligou. O telefone do hospital não tinha secretária eletrônica, o que significava que Ray provavelmente não estava no leito. Ela decidiu não tentar o celular. Ele provavelmente estava no banheiro ou na sessão de fisioterapia. Ela sabia que ele estava ansioso para andar novamente e tinha finalmente conseguido a liberação para começar a fisio há dois dias. Ray era um ex-lutador de boxe profissional e Keri tinha certeza de que passaria cada momento disponível trabalhando para ficar em forma novamente, para lutar, ou, pelo menos, para trabalhar.
Apesar de ainda pensar em seu parceiro, Keri tentou afastar a ida até o armazém de sua mente e focar no caso que tinha nas mãos: Kendra Burlingame, pessoa desaparecida.
Com um olho na estrada e outro no GPS do celular, Keri rapidamente seguiu pelas tortuosas ruas de Beverly Hills até a parte mais reservada do bairro. Quanto mais ela subia as montanhas, mais as estradas ficavam sinuosas e mais afastadas as casas ficavam da rua. Ao longo do caminho, ela revisou o que sabia do caso até agora. Não era muito.
Jeremy Burlingame, apesar de sua profissão e de onde morava, não gostava de aparecer. Foi necessária uma investigação rápida de seus colegas na delegacia para descobrir que o homem de 41 anos era um renomado cirurgião plástico conhecido tanto por seu trabalho cosmético em celebridades quanto por oferecer cirurgias de graça para crianças com o rosto deformado.
Kendra Burlingame, 38 anos, já trabalhou como publicitária em Hollywood. Mas depois de se casar com Jeremy, havia criado e posto toda a sua energia numa organização sem fins lucrativos chamada All Smiles, que levantava fundos para as cirurgias das crianças e coordenava todo o cuidado pré e pós-operatório para elas.
Eles eram casados há sete anos. Nenhum dos dois tinha ficha criminal. Não havia histórico de brigas, nem de abuso de álcool ou de drogas. No papel, pelo menos, eram o casal perfeito. Keri achou imediatamente suspeito.
Após virar várias vezes no lugar errado, ela finalmente encostou o carro perto da casa, no final da Tower Road, às 13h41, onze minutos atrasada.
Chamar a residência de casa era pouco. Parecia mais um condomínio numa propriedade que cobria vários metros quadrados. Daquele ponto, ela podia ver toda a cidade de Los Angeles espalhada logo abaixo.
Keri levou um momento para fazer algo raro: colocar maquiagem extra. Remover a tipoia havia ajudado a sua aparência, mas o hematoma amarelado perto de seu olho ainda podia ser notado. Então, tentou disfarçá-lo com um pouco de corretivo até ficar quase invisível.
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