Ainda assim, em nenhum momento durante essas visitas um deles mencionou a crescente tensão romântica que ela sabia que ambos estavam sentindo.
Keri inspirou fundo antes de fazer a familiar mas irritante caminhada pelo salão principal da delegacia. Parecia ser novamente seu primeiro dia. Ainda podia sentir todos os olhos voltados para ela. Toda vez que passava pelos seus colegas de trabalho, sentia seus olhares furtivos, de soslaio, e se perguntava no que estariam pensando.
Será que todos eles apenas achavam que ela era um canhão desgovernado e rebelde? Teria conquistado algum respeito invejoso por matar um assassino e raptor de crianças? Por quanto tempo ser a única detetive mulher do pelotão a faria sentir como uma estranha no ninho?
Enquanto caminhava por todos eles no alvoroço da delegacia e sentava-se em sua cadeira, Keri tentou controlar a onda de ressentimento subindo pelo seu peito e focar apenas no trabalho. Pelo menos, o local estava lotado e caótico como sempre, e, dessa maneira reconfortante, nada havia mudado. A delegacia estava repleta de civis prestando queixas, criminosos sendo fichados e detetives ao telefone, seguindo pistas.
Keri estava limitada a trabalho administrativo desde seu retorno. E sua mesa estava cheia. Desde que voltou, ela havia sido inundada por um mar de papelada. Havia dúzias de relatórios de prisões para revisar, mandados de busca para obter, depoimentos de testemunhas para avaliar e relatórios de evidências para examinar.
Ela suspeitava que, já que ainda não tinha permissão de sair para investigar casos, todos os seus colegas estavam empurrando suas tarefas para ela. Felizmente, poderia voltar ao campo amanhã. E a verdade oculta era que ela não se importava em estar presa no escritório por mais uma razão: os arquivos de Pachanga.
Quando os policiais fizeram uma busca na casa dele após o incidente, encontraram um laptop. Keri e o detetive Kevin Edgerton, o guru de tecnologia residente, haviam descoberto a senha de Pachanga, e aberto seus arquivos. Sua esperança era que os arquivos levariam à descoberta de várias crianças desaparecidas, talvez até de sua própria filha.
Infelizmente, o que, à primeira vista, parecia ser a veia principal de uma rede de informações sobre vários raptos, mostrou-se difícil de acessar. Edgerton havia explicado que os arquivos criptografados poderiam ser abertos apenas com o criptograma correto, que eles não tinham. Keri havia passado a última semana aprendendo tudo que podia sobre Pachanga, na esperança de descobrir o código. Mas, até agora, não havia conseguido nada.
Sentada, enquanto revisava os arquivos, os pensamentos de Keri se voltaram para algo que a estava corroendo desde que retornara ao trabalho. Quando Pachanga raptou a filha do senador Stafford Penn, Ashley, ele havia sido contratado pelo irmão do senador, Payton. Os dois homens vinham se comunicando na dark web há meses.
Keri não podia deixar de pensar como o irmão de um senador havia conseguido entrar em contato com um sequestrador profissional. Eles não pertenciam aos mesmos círculos. Mas tinham uma coisa em comum. Ambos eram representados por um advogado chamado Jackson Cave.
O escritório de Cave ficava num dos andares mais altos de um arranha-céu do centro da cidade, mas muitos de seus clientes eram muito mais rasteiros. Além de seu trabalho corporativo, Cave era conhecido por defender estupradores, sequestradores e pedófilos. Se Keri estava sendo generosa, suspeitava que era apenas porque ele sabia que podia ludibriar clientes tão desagradáveis. Mas parte dela pensava que ele ganhava alguma coisa por baixo dos panos. De todo modo, ela o desprezava.
Se Jackson Cave havia posto Payton Penn e Alan Pachanga em contato, fazia sentido que ele também soubesse como acessar todos os arquivos criptografados deles. Keri tinha certeza de que, em algum lugar daquele escritório chique dele, estava o criptograma de que ela precisava para quebrar o código e descobrir detalhes de todas aquelas crianças desaparecidas, talvez a dela mesma. Ela decidiu que, de um jeito ou de outro, legalmente ou não, entraria naquele escritório.
Enquanto começava a pensar sobre como isso poderia ser feito, Keri notou uma oficial uniformizada de vinte e poucos anos caminhando lentamente em sua direção. Ela acenou para que se aproximasse.
"Qual seu nome mesmo?" Keri perguntou, incerta se já deveria saber da resposta.
"Oficial Jamie Castillo", a jovem oficial de cabelos escuros respondeu. "Acabo de sair da academia. Fui transferida para cá na semana em que você estava no hospital. Originalmente, eu era da Divisão Oeste de LA".
"Então, eu não deveria me sentir muito mal por não saber quem você é?"
"Não, detetive Locke", Castillo disse, com firmeza.
Keri estava impressionada. A garota tinha confiança e olhos negros penetrantes que sugeriam uma inteligência afiada. Ela também parecia saber se cuidar. Com cerca de 1,73 m de altura, tinha uma estrutura atlética, vigorosa, que sugeria que confrontá-la não seria uma atitude muito perspicaz.
"Bom. Como posso ajudá-la?" Keri perguntou, tentando não parecer muito intimidante. Não havia muitas policiais mulheres na Pacific Division e Keri não queria espantar nenhuma delas.
"Fiquei responsável por atender as ligações de denúncias anônimas para a delegacia nas últimas semanas. Como pode suspeitar, muitas delas eram relacionadas a seu confronto com Alan Pachanga e com a declaração que você fez depois, sobre tentar encontrar sua filha".
Keri assentiu, lembrando. Depois dela resgatar Ashley, o departamento realizou uma grande coletiva de imprensa para celebrar o final feliz.
Ainda de cadeira de rodas, Keri elogiou Ashley e sua família antes de aproveitar a coletiva para mencionar Evie. Ela levantou a foto da filha e implorou ao público para oferecer qualquer informação que pudesse ajudar em sua busca. Seu supervisor imediato, o tenente Cole Hillman, ficou muito irritado ao vê-la usar uma vitória do departamento como ferramenta em sua cruzada pessoal, tanto que Keri pensou que ele a teria demitido na hora se pudesse. Mas como demitir uma heroína que resgatou uma adolescente, ainda por cima, de cadeira de rodas?
Quando estava no hospital, internada, Keri ouviu boatos de que ele teria ficado incomodado quando o departamento começou a ser inundado com centenas de ligações diariamente.
"Sinto muito por você ter sido obrigada a encarar essa tarefa", Keri disse. "Acho que eu só queria aproveitar ao máximo a oportunidade e não pensei em quem teria que lidar com o resultado. Imagino que todas as ligações eram pistas falsas?"
Jamie Castillo hesitou, como se ponderasse se estava tomando a decisão certa. Keri podia ver as engrenagens do cérebro da mulher mais jovem trabalhando. Ela assistiu enquanto Castillo calculava a atitude certa e não pôde deixar de gostar dela. Sentia que estava observando uma versão mais nova de si mesma.
"Bem", a jovem policial finalmente disse, "a maioria foram facilmente ignoradas, por serem de pessoas instáveis ou, simplesmente, brincadeiras de mau gosto. Mas recebemos uma ligação esta manhã, que era, de alguma forma, diferente. Era tão simples e direta que me fez levá-la mais a sério".
Quase imediatamente, a boca de Keri ficou seca e ela sentiu seu coração começar a bater forte.
Mantenha a calma. Provavelmente, não é nada. Não exagere.
"Posso ouvi-la?" ela perguntou, com mais calma do que pensou ser possível.
"Já a encaminhei para você", Castillo disse.
Keri olhou para seu celular e viu a luz piscando, indicando que tinha uma mensagem de voz. Tentando não parecer desesperada, tirou o telefone do gancho devagar e ouviu.
A voz na mensagem era rouca, quase metálica, e difícil de entender, ainda mais pelo barulho de batidas ao fundo.
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