Emily tocou seu rosto e descobriu que estava molhado de lágrimas. Ela limpou-as com a manga.
“Estou com medo,” disse ela à Chantelle. “É por isso. Eu sinto muita falta do vovô. Só queria que pudéssemos convencê-lo a estar aqui conosco.”
“Eu também,” disse Chantelle. “Eu quero que ele e a vovó Patty morem na pousada. É triste que eles estejam tão distantes.”
Emily abraçou a filha com força. Ela podia ouvir Chantelle soluçando gentilmente e sentiu-se mal por seu papel na infelicidade da criança. Chorar na frente dela nunca foi o plano. Mas, de certa forma, ela se questionava se ajudaria Chantelle ver as emoções de sua mãe, ver que estava tudo bem em ser fraco às vezes, estar com medo e preocupado. A criança passara tantos anos de sua vida tendo que ser forte e corajosa, talvez ver sua mãe chorar lhe mostrasse que não havia problema em sair do controle de vez em quando.
“Por que as pessoas têm que morrer?” disse então Chantelle, sua voz abafada pela maneira como seu rosto estava pressionado no peito de Emily.
“Porque...” começou Emily, antes de parar e pensar profundamente sobre isso. “Eu acho que é porque o espírito tem outro lugar para estar.”
“Você quer dizer o Céu?” perguntou Chantelle.
“Poderia ser o céu. Pode ser em outro lugar.”
“Papai não acredita nisso,” disse Chantelle. “Ele diz que ninguém sabe se você vai para algum lugar depois de morrer, e que no judaísmo cabe a Deus decidir se você tem uma vida após a morte ou não.”
“É nisso que papai acredita,” explicou Emily. “Mas você pode acreditar no que você quiser. Eu acredito em algo diferente. E está tudo bem também.”
Chantelle piscou através de seus cílios molhados, fixando seus grandes olhos azuis em Emily. “No que você acredita?”
Emily fez uma pausa e demorou muito para formular sua resposta. Finalmente ela falou. “Eu acredito que há algum lugar para onde vamos depois que morremos, não em nossos corpos, eles ficam aqui na terra, mas nossos espíritos se levantam e vão para o próximo lugar. Quando o vovô chegar lá, ele ficará muito, mas muito feliz. Ela sorriu, consolada por suas próprias crenças. “Não haverá mais dor para ele, nunca mais.”
“Não haverá mais dor?” cantou a doce voz de Chantelle. “Mas como será?”
Emily ponderou a questão. “Eu acho que será como aquele momento em que você dá uma mordida em sua comida favorita o tempo todo.”
Chantelle olhou para ela através dos cílios manchados de lágrimas e riu. Emily continuou.
“Como comer bolo de chocolate para sempre, mas nunca ficar doente. Cada mordida é tão boa quanto a última. Ou como aquele sentimento que você tem quando se afasta de algo em que está trabalhando há meses, vê sua conquista e percebe que você conseguiu.”
“Como o meu relógio?” perguntou a menina.
Emily assentiu. “Exatamente. E é o tipo perfeito de calor, como estar na jacuzzi do spa.”
“Tem cheiro de lavanda como o spa?”
“Sim! E há arcos-íris.”
“E animais?” perguntou Chantelle. “Não seria divertido se não houvesse animais para acariciar e brincar.”
“Se você acha que deveria haver animais,” disse Emily, “Então há animais.”
Chantelle assentiu. Mas seu sorriso logo desapareceu e ela voltou à sua expressão pensativa. “Mas isso é só faz de conta. Nós realmente não sabemos.”
Emily abraçou-a com força. “Não. Ninguém sabe. Ninguém pode. Tudo o que temos é o que acreditamos. O que escolhemos acreditar. E eu acredito que é isso que está esperando pelo vovô. E é o que sua tia Charlotte tem, também. E ela olha para nós sempre que quer e nos envia pequenos sinais para que saibamos que ela está pensando em nós. O vovô fará o mesmo quando chegar a hora.”
“Vou sentir falta dele,” disse Chantelle. “Mesmo que ele vá para algum lugar aconchegante e feliz, sentirei sua falta aqui.”
Apesar de todas as suas garantias sobre a vida após a morte, Emily não podia evitar o que ela sentia profundamente no seu interior. Que ainda seria deixada sozinha, para viver sua vida sem ele. Ele se afastaria dela para sempre e, embora, para ele, fosse um passo maravilhoso para o desconhecido, para ela significaria dor, solidão e tristeza.
Ela apertou Chantelle com força.
“Eu vou sentir falta dele também.”
A luz vinda do interior da prefeitura se espalhava pelos degraus enquanto Emily subia. Mesmo a partir dali, ela podia ouvir inúmeras vozes vindas de dentro. Parecia que toda a cidade tinha resolvido aparecer para ouvir a decisão do conselho de zoneamento sobre a Pousada da Raven. Não deveria ser surpresa para Emily que todos os moradores viessem. Mesmo com o anúncio tardio e o agendamento de última hora, as pessoas de Sunset Harbor se importavam tanto com a cidade que arranjariam tempo para comparecer a todas as reuniões.
Ela abriu a porta e viu que todos os lugares disponíveis estavam ocupados. Raven Kingsley estava na frente, conversando com o prefeito Hansen e sua assistente, Marcella. Isso não parecia nada bom, pensou Emily consigo mesma. Se Raven conseguisse seu apoio, seria apenas uma questão de tempo antes que o resto da cidade a apoiasse também.
Ela sentiu um puxão no braço e virou-se para ver Amy e Harry.
“Estou tão feliz que você veio,” disse Amy. “Ouvi rumores de que Raven vai conseguir a liberação hoje. O conselho de zoneamento vai permitir que ela derrube a antiga casa em favor de algo mais moderno. Parece que tudo vai depender dos moradores.”
“Temos que lutar contra isso,” disse Harry. “Um hotel poderia significar um desastre para a pousada e meu restaurante. Quem vai querer vir até o nosso lado do porto quando houver algo mais novo e mais barato em um local mais central? Com vista para o mar? Pense em todas as reservas de negócios aleatórias que recebemos no momento. Perderíamos toda essa clientela, tenho certeza.”
Os interesses de Harry fizeram Emily ficar ainda mais preocupada do que antes. Ela não queria ficar no caminho de Raven, especialmente depois que ela confidenciara sobre seu amargo divórcio. Mas não podia ficar parada e ter seu próprio sustento destruído dessa maneira. Raven, depois de tudo que ela ouvira, não era do tipo implacável. Ela tinha essa mentalidade empresarial impetuosa de Nova York – matar ou morrer. Emily não era do tipo lutadora. Ela realmente gostaria de ter Trevor ao seu lado agora!
“Eu não sei o que devo fazer”, disse Emily. “Eu não quero impedi-la de fazer seu trabalho só porque estou com medo.”
“Então faça isso por sua família,” disse Harry. “Por seus amigos e pela cidade. Ninguém quer um prédio feio na nossa orla, e não queremos que nossa amada pousada também vá à falência. Não é bom para ninguém”.
“O que a maioria das pessoas diz?” perguntou Emily.
Amy apontou para o canto, para os Patels. “Contra, é claro.” Em seguida, para os Bradshaws. “Contra.” Ela apontou depois para Birk e Bertha. Birk era dono do posto de gasolina e foi a primeira pessoa que Emily conheceu em Sunset Harbor. “Eu acho que eles são a favor. Mais carros chegando à cidade significa mais clientes, no que diz respeito a eles.”
Emily mordeu o lábio, consternada. A realidade de uma nova pousada rival chegando à cidade estava começando a parecer muito real para ela. A maneira como o prefeito Hansen estava rindo de algo que Raven acabara de dizer a fez sentir-se ainda pior.
Então Harry a cutucou. “Olha, a reunião está prestes a começar.”
Ela se virou para o palco e o pequeno pódio de madeira. A sala ficou em silêncio quando o prefeito Hansen assumiu sua posição. Ele bateu o martelo, desnecessariamente, considerando que todo mundo já estava prestando atenção.
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