Com efeito, quatro homens como eles, quatro homens dedicados uns aos outros desde a bolsa até à vida, quatro homens que se ajudavam sempre, que nunca recuavam, que executavam isoladamente ou em conjunto as resoluções tomadas em comum, quatro braços que ameaçavam os quatro pontos cardeais ou se viravam para um único ponto, tinham por força, quer subterraneamente, quer à luz do dia, quer através da mina, quer através da trincheira, quer pela astúcia, quer pela força, de abrir caminho na direção do fim que pretendiam alcançar, por melhor defendido ou por mais afastado que estivesse. A única coisa que surpreendia D’Artagnan era que os companheiros não tivessem pensado nisso.
Mas pensava ele, e até muito a sério, dando tratos ao miolo para encontrar uma direção àquela força única, quatro vezes multiplicada, com a qual não duvidava que, como com a alavanca que procurava Arquimedes, conseguiriam levantar o mundo e estava nisso quando bateram devagarinho à porta. D’Artagnan acordou Planchet e ordenou-lhe que fosse abrir.
Por esta frase “D’Artagnan acordou Planchet” não imagine o leitor que era de noite ou que o dia ainda não nascera. Não! Acabavam de dar quatro horas da tarde. Duas horas antes, Planchet viera pedir almoço ao amo, o qual lhe respondera como provérbio: “Quem dorme almoça.” E Planchet almoçava dormindo.
Entrou um homem de ar bastante simples e aspecto de burguês.
Para lhe servir de sobremesa, Planchet não se importaria de ouvir a conversa, mas o burguês declarou a D’Artagnan que o que tinha para lhe dizer era tão importante e confidencial que desejava ficar a sós com ele.
D’Artagnan mandou Planchet embora e convidou o visitante a sentar-se. Houve um momento de silêncio durante o qual os dois homens se observaram como que para estabelecerem um conhecimento prévio, depois disso, D’Artagnan inclinou-se em sinal de que escutava.
— Ouvi falar do Sr. D’Artagnan como de um jovem muito valente — disse o burguês —, e essa reputação de que goza com justiça decidiu-me a confiar-lhe um segredo.
— Fale, senhor, fale — animou-o D’Artagnan, que instintivamente farejara algo vantajoso.
O burguês fez nova pausa e continuou:
— A minha mulher é roupeira da rainha, senhor, e não lhe falta sensatez nem beleza. Casei com ela há três anos, apesar de só ter um pequeno dote. porque o Sr. de La Porte, o porta-manta da rainha, é seu padrinho e protege-a...
— E depois, senhor? — perguntou D’Artagnan.
— Depois... — repetiu o burguês — depois... senhor, a minha mulher foi raptada ontem de manhã quando saía do trabalho.
— E quem a raptou?
— Não tenho certeza, senhor, mas desconfio de alguém...
— E quem é a pessoa de quem desconfia?
— Um homem que a perseguia havia muito tempo.
— Diabo!
— Mas permita-me que lhe diga, senhor — continuou o burguês —, que estou convencido de que há menos amor do que política em tudo isto.
— Menos amor do que política... — repetiu D’Artagnan, com ar muito pensativo. — De que suspeita?
— Não sei se deverei dizer de que suspeito...
— Senhor, observo-lhe que não lhe pedi absolutamente nada. O senhor é que me procurou. Foi o senhor que me disse que tinha um segredo para me confiar. Faça portanto como quiser, pois ainda está em tempo de se retirar.
— Não, senhor, não. Parece-me um jovem honesto e confiarei no senhor. Creio, como dizia, que não foi por causa dos seus amores que a minha mulher foi presa, mas sim por causa dos de uma dama maior do que ela.
— Ah, ah! Terá sido por causa dos amores da Sra de Bois-Tracy? — perguntou D’Artagnan, que quis dar-se ares, na presença do seu burguês, de estar ao corrente do que se passava na corte.
— Mais alto, senhor, mais alto.
— Da Sra de Aiguillon?
— Ainda mais alto.
— Da Sra de Chevreuse?
— Mais alto, muito mais alto!
— Da... — D’Artagnan deteve-se.
— Sim, senhor — respondeu tão baixo que mal se ouviu o assustado burguês.
— E com quem?
— Com quem havia de ser senão com o duque de...
— O duque de...
— Sim, senhor! — respondeu o burguês, dando à voz uma intonação ainda mais abafada.
— Mas como sabe de tudo isso?
— Ora, como sei!...
— Sim, como sabe? Nada de meias confidências ou... Creio que compreende.
— Sei-o pela minha mulher, senhor, pela minha própria mulher.
— Que o sabe por quem?
— Pelo Sr. de La Porte. Não lhe disse que ela era afilhada do Sr. de La Porte, o homem de confiança da rainha? Pois bem, o Sr. de La Porte colocou-a junto de Sua Majestade para que a nossa pobre rainha tivesse ao menos alguém em quem confiar, abandonada como está pelo rei, espiada como é pelo cardeal, atraiçoada como é por todos.
— Começo a entender — declarou D’Artagnan.
— Ora a minha mulher veio há quatro dias, senhor; uma das suas condições era vir ver-me duas vezes por semana, porque, como tive a honra de lhe dizer, a minha mulher me ama muito. Portanto, a minha mulher veio e confidenciou-me que a rainha estava com medo...
— Realmente?
— Realmente. Ao que parece, o Sr. Cardeal a persegue e a importuna mais do que nunca. Não lhe perdoa a história da sarabanda. Conhece a história da sarabanda?
— Se conheço! — respondeu D’Artagnan, que não sabia absolutamente nada a tal respeito, mas queria aparentar que sabia.
— De modo que, agora, não se trata de ódio, trata-se de vingança.
-Sim?...
— E a rainha crê...
— Que crê a rainha?
— Crê que escreveram ao Sr. Duque de Buckingham em seu nome.
— Em nome da rainha?
— Sim, para obrigá-lo a vir a Paris, e uma vez em Paris atraírem-no a qualquer cilada.
— Diabo! Mas a sua mulher, meu caro senhor, em que é metida e achada em tudo isso?
— Conhecem a sua dedicação à rainha e querem ou afastá-la da ama ou intimidá-la para saberem os segredos de Sua Majestade ou seduzi-la para se servirem dela como espiã.
— É provável — concordou D’Artagnan. — Mas conhece o homem que a raptou?
— Já lhe disse que julgava conhecê-lo.
— Como se chama?
— Não sei, sei apenas que é criatura do cardeal, a sua alma danada.
— Mas alguma vez o viu?
— Vi. A minha mulher o mostrou um dia.
— Tem alguma particularidade por onde se possa reconhecê-lo?
— Oh, evidentemente! É um fidalgo bem apessoado, de cabelo preto, moreno, dentes brancos, olhar penetrante e uma cicatriz na têmpora.
— Uma cicatriz na têmpora! — exclamou D’Artagnan. — E além disso dentes brancos, olhar penetrante, moreno, cabelo preto e bem parecido... é o meu homem de Meung!
— É o seu homem, diz?
— Sim, sim, mas isso não vem para o caso. Não, engano-me, isso simplifica tudo, pelo contrário. Se o seu homem é o meu, matarei dois coelhos de uma cajadada. Mas onde se pode encontrar esse homem?
— Não sei.
— Não tem nenhuma informação acerca da sua morada?
— Nenhuma. Um dia, quando acompanhava a minha mulher ao Louvre, ele saía na altura em que ela ia entrar e ela o indicou.
— Diabo, diabo!... — murmurou D’Artagnan. — Tudo isso é muito vago. Por quem soube do rapto da sua mulher?
— Pelo Sr. de La Porte.
— Deu-lhe algum pormenor?
— Não tinha nenhum.
— E não soube nada por outro lado?
— De fato, recebi...
— O quê?
— Mas não sei se não cometerei uma grande imprudência...
— Lá volta à mesma! Em todo o caso, lhe digo que desta vez é um pouco tarde para recuar.
— Por isso não recuo, com mil demônios! — exclamou o burguês, praguejando para mostrar que estava decidido. — Aliás, palavra de Bonacieux.
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