Após estas palavras, com o gesto mais cavalheiresco que se possa imaginar, D’Artagnan desembainhou a espada.
O sangue subira-lhe à cabeça e naquele momento desembainharia a espada contra todos os mosqueteiros do reino com a mesma facilidade com que acabava de desembainhá-la contra Athos, Porthos e Aramis.
Era meio-dia e um quarto. O Sol estava no zênite e o local escolhido para teatro do duelo encontrava-se exposto a todo o seu ardor.
— Está muito calor — disse Athos, desembainhando por sua vez a espada — e não posso despir o gibão, pois ainda há pouco senti a minha ferida sangrar e recearia incomodar este senhor mostrando-lhe sangue que ele próprio me não tirou.
— Tem razão, senhor — disse D’Artagnan —, e tirado por outro ou por mim garanto-lhe que verei sempre com muito pesar o sangue de tão bravo gentil-homem. Me baterei portanto de gibão, como o senhor.
— Então, então — interveio Porthos —, chega de cumprimentos e lembrem-se de que esperamos a nossa vez.
— Fale só por você, Porthos, quando tiver de dizer semelhantes incongruências — interrompeu-o Aramis. — Quanto a mim, acho as coisas que estes senhores dizem um ao outro muito bem ditas e absolutamente dignas de dois gentis-homens.
— Quando quiser, senhor — disse Athos, pondo-se em guarda.
— Esperava as suas ordens — respondeu D’Artagnan, cruzando o ferro.
Mas as duas lâminas mal tinham acabado de ressoar ao tocarem-se quando um grupo de guardas de Sua Eminência, comandados pelo Sr. de Jussac, apareceu à esquina do convento.
— Os guardas do cardeal! — gritaram ao mesmo tempo Porthos e Aramis. — Espadas na bainha, senhores! Espadas na bainha!
Mas era muito tarde. Os dois combatentes tinham sido vistos numa posição que não permitia duvidar das suas intenções.
— Olá! — gritou Jussac, avançando para eles e fazendo sinal aos seus homens para o imitarem. — Olá, mosqueteiros! Com que então estão batendo-se aqui?... E os editos, para que servem?
— São muito generosos, Srs. Guardas — disse Athos cheio de rancor, pois Jussac fora um dos agressores da antevéspera. — Se os víssemos baterem-se, garanto-lhe que por nada deste mundo os interromperíamos. Deixem-nos portanto continuar e terão prazer sem nenhum esforço...
— Senhores — respondeu Jussac —, é com grande pesar que declaro que é impossível. O nosso dever acima de tudo. Embainhem, pois, por favor, e acompanhem-nos.
— Senhor — respondeu Aramis, parodiando Jussac —, seria com grande prazer que obedeceríamos ao seu gracioso convite, se isso dependesse de nós, mas infelizmente a coisa é impossível. O Sr. de Tréville nos proibiu. Segui portanto o seu caminho, que é o melhor que tem a fazer.
Esta chacota exasperou Jussac.
— Nós os obrigaremos a nos acompanhar-nos se nos desobedecerem — replicou.
— Eles são cinco — disse Athos a meia voz —, e nós somos apenas três; seremos mais uma vez batidos e teremos de morrer aqui, pois desde declaro que não voltarei a aparecer vencido diante do capitão.
Então, Porthos e Aramis aproximaram-se imediatamente uns dos outros, enquanto Jussac alinhava os seus soldados.
Esse instante bastou a D’Artagnan para tomar partido: estava ali um desses acontecimentos que decidem a vida de um homem, havia ali uma escolha a fazer entre o rei e o cardeal, uma vez feita essa escolha, era preciso defendê-la. Lutar, isto é, desobedecer à lei, ou seja, arriscar a cabeça, quer dizer, arranjar de um momento para o outro, como inimigo, um ministro mais poderoso do que o próprio rei.
Foi isto que entreviu o jovem e, digamo-lo em seu louvor, não hesitou um segundo. Virando-se para Athos e para os seus amigos disse:
— Senhores, acrescentarei, se me permitirem, alguma coisa às suas palavras. Disseram que eram apenas três, mas parece-me que somos quatro.
— Mas você não é um dos nossos — respondeu Porthos.
— É verdade — respondeu D’Artagnan —, não tenho o uniforme, mas tenho a alma. O meu coração é mosqueteiro, bem o sinto, senhor, e isso me empolga.
— Afaste-se, rapaz! — gritou Jussac, que sem dúvida, pelos seus gestos e pela sua expressão, adivinhara as intenções de D’Artagnan. -Pode retirar-se que nós consentimos. Salve a pele. Vá, depressa.
D’Artagnan nem sequer se mexeu.
— Decididamente, é um excelente rapaz — disse Athos, apertando a mão ao jovem.
— Vamos, vamos, decidam-se! — insistiu Jussac.
— Então, façamos qualquer coisa — disseram Porthos e Aramis.
— O cavalheiro está cheio de generosidade — troçou Athos.
Mas todos os três pensavam na juventude de D’Artagnan e temiam a sua inexperiência.
— Somos apenas três, um dos quais ferido, mais uma criança — tornou Athos —, mas nem por isso se deixará de dizer que éramos quatro homens.
— Pois sim, mas recuar... — observou Porthos.
— É difícil — admitiu Athos. D’Artagnan compreendeu a sua irresolução.
— Senhores, experimentem-me — disse — e juro por minha honra que não sairei daqui se formos vencidos.
— Como se chama, meu bravo? — perguntou Athos.
— D’Artagnan, senhor.
— Pois bem, Athos, Porthos, Aramis e D’Artagnan, em frente! -gritou Athos.
— Então, senhores, decidiram-se ou não? — gritou pela terceira vez Jussac.
— Está decidido, senhores — respondeu Athos.
— E que partido tomam? — perguntou Jussac.
— Vamos ter a honra de atacá-los — respondeu Aramis, segurando no chapéu com uma das mãos e desembainhando a espada com a outra.
— Ah, vão resistir?! — gritou Jussac.
— Com a breca, e isso o admira?
E os nove combatentes precipitaram-se uns contra os outros com uma fúria que não excluía certo método.
Athos encarregou-se de um tal Cahusac, favorito do cardeal, Porthos de Biscarat, e Aramis viu-se diante de dois adversários.
Quanto a D’Artagnan, encontrou-se a terçar armas com o próprio Jussac.
O coração do jovem gascão pulsava como se lhe quisesse saltar do peito, não de medo, graças a Deus, de que não tinham nem sombra, mas sim de excitação. Batia-se como um tigre enfurecido, girando dez vezes à volta do adversário e mudando vinte vezes de guarda e de terreno. Jussac era, como se dizia então, uma boa lâmina e praticara muito, no entanto, via-se em palpos de aranha para se defender de um adversário que, ágil e saltitante, se desviava constantemente das regras estabelecidas, atacando por todos os lados ao mesmo tempo, mas sempre comportando-se como um homem que tem o maior respeito pela sua pele.
Finalmente tal luta acabou por fazer perder a paciência a Jussac. Furioso por ser mantido em xeque por aquele que considerara uma criança, enervou-se e começou a cometer erros. D’Artagnan, que à falta de prática possuía profunda teoria, redobrou de agilidade. Ansioso por terminar, Jussac quis vibrar um golpe terrível no adversário e carregou a fundo, mas este parou de prima e, enquanto Jussac se endireitava, deslizou como uma serpente por debaixo do seu ferro e atravessou-lhe o corpo com a espada. Jussac tombou como uma massa.
D’Artagnan deitou então uma olhadela inquieta e rápida ao campo de batalha.
Aramis já matara um dos seus adversários, mas o outro perseguia-o vivamente. Contudo, Aramis estava em boa situação e ainda podia se defender.
Biscarat e Porthos acabavam de dar uma estocada simultânea: Porthos recebera uma espadeirada num braço e Biscarat numa coxa. Mas como nem uma nem outra das feridas era grave, ainda esgrimiam com mais encarniçamento.
Athos, ferido de novo por Cahusac, empalidecia a olhos vistos, mas não arredava pé. Apenas mudara a espada de mão e agora batia-se com a esquerda.
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