O CORCUNDA DE NOTRE-DAME Victor Hugo O CORCUNDA DE NOTRE-DAME
Introdução Introdução Há de haver alguns anos, o autor deste livro, visitando, ou melhor, esquadrinhando a igreja de Nossa Senhora, encontrou, num obscuro recanto de uma das suas torres, esta palavra gravada à mão numa parede: AN Á TKH Estas maiúsculas gregas, já negras de velhas, e profundamente gravadas na pedra, não sei que sinais particulares da caligrafia gótica impressas nas suas formas e nas suas atitudes, como para indicar ter sido uma mão da Idade Média que os escrevera ali, e sobretudo a intenção lúgubre e fatal que elas encerram, impressionaram vivamente o autor. Perguntou para si mesmo, procurou adivinhar qual podia ser a alma angustiada que não quisera abandonar este mundo sem deixar gravado na fronte da velha igreja esse estigma de crime ou de desgraça. Depois, rebocaram ou rasparam (ignoro qual das duas coisas) a parede, e a inscrição desapareceu. Porque é assim que fazem desde há uns duzentos anos com os maravilhosos templos da Idade Média. As mutilações sucedem em toda a parte, dentro e fora. O padre reboca-os, o arquiteto raspa-os; depois, vem o povo que os deita por terra. Assim, além da frágil recordação que lhe dedica aqui o autor já nada mais resta hoje da palavra misteriosa gravada na sombria torre de Nossa Senhora, nada do destino ignorado que tão melancolicamente representava. O homem que escreveu essa palavra nessa parede, apagou-se na memória das gerações há muitos séculos já; a palavra, a seu turno, desaparecerá da parede do templo, como este desaparecerá da terra, muito breve talvez. Foi sobre esta palavra que se escreveu este livro. 1 de março de 1831.
Livro 1 Livro 1
Capítulo 1 — A Grande Sala
Capítulo 2 — Pierre Gringoire
Capítulo 3 — O Senhor Cardeal
Capítulo 4 — Mestre Jacques Coppenole
Capítulo 6 — Esmeralda
Livro 2
Capítulo 1 — De Cila para Caribdes
Capítulo 2 — A Praça de Grève
Capítulo 3 — Beijos por Golpes
Capítulo 4 — Inconvenientes de Seguiras Mulheres Bonitas de Noite pelas Ruas
Capítulo 5 — Continuação dos Inconvenientes
Capítulo 6 — A Bilha Quebrada
Capítulo 7 — Uma Noite de Núpcias
Livro 3
Capítulo 1 — Nossa Senhora de Paris
Capítulo 2 — Visão Rápida de Paris
Livro 4
Capítulo 1 — As Boas Almas
Capítulo 2 — Cláudio Frollo
Capítulo 3 — Immanis Pecoris Custos, Immanioripse
Capítulo 4 — O Cão e o Dono
Capítulo 5 — Continuação de Cláudio Frollo
Capítulo 6 — Impopularidade
Livro 5
Capítulo 1 — Abbas Beati Martini
Capítulo 2 — Isto Acabará com Aquilo
Livro 6
Capítulo 1 — Vista de Olhos Imparcial Sobre a Antiga Magistratura
Capítulo 2 — O Buraco dos Ratos
Capítulo 3 — História de Um Bolo de Farinha de Milho
Capítulo 4 — Uma Lágrima por Uma Gota de Água
Capítulo 5 — Fim da História do Bolo
Livro 7
Capítulo 1 — Perigo de Confiar Um Segredo a Uma Cabra
Capítulo 2 — Um Padre e Um Filósofo São Dois
Capítulo 3 — Os Sinos
Capítulo 4 — ANÁTKH
Capítulo 5 — Os Dois Homens Vestidos de Preto
Capítulo 6 — Do Efeito Que Podem Produzir Sete Pragas ao Ar Livre
Capítulo 7 — A Alma do Outro Mundo
Capítulo 8 — Utilidades das Janelas Que Dão para o Rio
Livro 8
Capítulo 1 — O Escudo Transformado em Folha Seca
Capítulo 2 — Continuação do Escudo Transformado em Folha Seca
Capítulo 3 — Fim do Escudo Transformado em Folha Seca
Capítulo 4 — Lasciate Ogni Speranza
Capítulo 5 — A Mãe
Capítulo 6 — Três Corações de Homem Feitos Diferentemente
Livro 9
Capítulo 1 — Febre
Capítulo 2 — Corcunda, Zarolho, Coxo
Capítulo 3 — Surdo
Capítulo 4 — Barro e Cristal
Capítulo 5 — A Chave da Porta Vermelha
Capítulo 6 — Continuação da Chave da Porta Vermelha
Livro 10
Capítulo 1 — Gringoire Tem Algumas Boas Ideias na Rua dos Bernardins
Capítulo 2 — Faz-te Vadio
Capítulo 3 — Viva a Alegria!
Capítulo 4 — Um Amigo Desastrado
Capítulo 5 — O Retiro Onde Reza as Suas Horas o Senhor Rei Luís de França
Capítulo 6 — A Vadiagem Ataca
Capítulo 7 — Châteaupers Acode
Livro 11
Capítulo 1 — O Sapatinho
Capítulo 2 — La Creatura Bella Bianco Vestita (Dante)
Capítulo 3 — Casamento de Febo
Capítulo 4 — Casamento de Quasímodo
Victor Hugo
O CORCUNDA DE NOTRE-DAME
Há de haver alguns anos, o autor deste livro, visitando, ou melhor, esquadrinhando a igreja de Nossa Senhora, encontrou, num obscuro recanto de uma das suas torres, esta palavra gravada à mão numa parede:
AN
Á
TKH
Estas maiúsculas gregas, já negras de velhas, e profundamente gravadas na pedra, não sei que sinais particulares da caligrafia gótica impressas nas suas formas e nas suas atitudes, como para indicar ter sido uma mão da Idade Média que os escrevera ali, e sobretudo a intenção lúgubre e fatal que elas encerram, impressionaram vivamente o autor.
Perguntou para si mesmo, procurou adivinhar qual podia ser a alma angustiada que não quisera abandonar este mundo sem deixar gravado na fronte da velha igreja esse estigma de crime ou de desgraça.
Depois, rebocaram ou rasparam (ignoro qual das duas coisas) a parede, e a inscrição desapareceu. Porque é assim que fazem desde há uns duzentos anos com os maravilhosos templos da Idade Média. As mutilações sucedem em toda a parte, dentro e fora. O padre reboca-os, o arquiteto raspa-os; depois, vem o povo que os deita por terra.
Assim, além da frágil recordação que lhe dedica aqui o autor já nada mais resta hoje da palavra misteriosa gravada na sombria torre de Nossa Senhora, nada do destino ignorado que tão melancolicamente representava. O homem que escreveu essa palavra nessa parede, apagou-se na memória das gerações há muitos séculos já; a palavra, a seu turno, desaparecerá da parede do templo, como este desaparecerá da terra, muito breve talvez.
Foi sobre esta palavra que se escreveu este livro.
1 de março de 1831.
Livro 1
Capítulo 1 — A Grande Sala
Completam-se hoje trezentos e quarenta e oito anos, seis meses e dezanove dias que os parisienses despertaram ao repique de muitos sinos badalando no tríplice recinto da Cidadela, da Universidade e da Cidade.
No entanto, do dia 6 de janeiro de 1482 a história não guardou memória. Nada havia de notável no acontecimento que assim agitava, logo de manhã, os sinos e os burgueses de Paris. Não se tratava de um torneio de picardos ou de borguinhões, nem da condução processional de uma relíquia, nem de uma revolta de estudantes na vinha de Laas, nem de uma entrada do notredit très redouté seigneur monsieur le roi, nem mesmo de um belo enforcamento de ladrões e ladras, na Justiça de Paris. Não era, também, o aparecimento, habitual no século quinze, de qualquer embaixada, recamada e empenachada. Ainda não tinham decorridos dois dias que a última cavalgada desse género, a dos embaixadores flamengos incumbidos de concluir o casamento entre o delfim de França e Margarida de Flandres, entrara em Paris, com grande pesar do senhor cardeal de Bourbon, que, para agradar ao rei, se vira obrigado a acolher com amabilidade toda essa turba rústica de burgomestres flamengos, obsequiando-os, no seu palácio de Bourbon, enquanto uma bátega de chuva inundava à sua porta os magníficos tapetes.
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