Ursula Le Guin - A Mão Esquerda da Escuridão

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A Mão Esquerda da Escuridão: краткое содержание, описание и аннотация

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Genly Ai foi enviado a Gethen com a missão de convencer seus governantes a se unirem a uma grande comunidade universal. Ao chegar no planeta Inverno, como é conhecido por aqueles que já vivenciaram seu clima gelado, o experiente emissário sente-se completamente despreparado para a situação que lhe aguardava. Os habitantes de Gethen fazem parte de uma cultura rica e quase medieval, estranhamente bela e mortalmente intrigante. Nessa sociedade complexa, homens e mulheres são um só e nenhum ao mesmo tempo. Os indivíduos não possuem sexo definido e, como resultado, não há qualquer forma de discriminação de gênero, sendo essas as bases da vida do planeta. Mas Genly é humano demais. A menos que consiga superar os preconceitos nele enraizados a respeito dos significados de feminino e masculino, ele corre o risco de destruir tanto sua missão quanto a si mesmo.

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— O rei não falou com você na minha presença.

— Nem na minha — retrucou.

Percebi que estava perdendo outra pista. Maldita tor­tuosidade efeminada!

Retomei a palavra:

— Está tentando me dizer, Lorde Estraven, que caiu no desagrado real? — Pensei que ele fosse ficar zangado com a minha observação, mas não mostrou nenhum sinal disso. Acrescentou apenas:

— Não estou tentando lhe dizer nada, Sr. Ai!

— Por Deus! Eu bem que gostaria!

Ele olhou para mim, com curiosidade.

— Bem, então veja a coisa por este ângulo: há pessoas na corte que estão nas boas graças do rei, mas não estão a favor de sua missão e de sua presença aqui.

“E assim”, pensei eu, “você está se apressando a juntar-se a eles, vendendo-me, para salvar sua pele.” Mas era inútil dizer-lhe tais coisas.

Estraven era um homem da corte, um político, e eu fora um tolo em confiar nele. Mesmo numa sociedade bissexuada, o político está longe de ser um homem integral. Seu convite para jantar mostrava que ele pensava que eu aceita­ria sua traição tão facilmente quanto ele a cometera. Era óbvio que a auto-preservação era mais importante que a honestidade. Fui, assim, levado a dizer-lhe:

— Sinto muito que suas atenções para comigo tenham lhe causado contratempos.

Senti um fugaz sentimento de superioridade moral, mas não por muito tempo. Ele era imprevisível.

Reclinou-se de modo a que a luz rubra da lareira inci­disse sobre seus joelhos, nas pequenas mãos delicadas, mas fortes e no canecão de prata.

Conservou o rosto sombrio mergulhado no escuro, sem­pre escondido sob o espesso cabelo longo, sobrancelhas e cílios grossos, mas mantendo uma certa suavidade de expressão. Pode-se ler a fisionomia de um gato, de uma lontra ou de uma foca? Parece-me que alguns gethenianos são como estes animais, com olhos brilhantes que não mudam de ex­pressão quando falam.

— Eu mesmo procurei encrenca para mim — respon­deu. — Por algo que, afinal, nada tem a ver comigo, Sr. Ai. Você sabe que Karhide e Orgoreyn têm uma questão terri­torial quanto à posse de terras na fronteira do Outono Se­tentrional, perto de Sassinoth. O avô de Argaven exigia o vale do Sinoth para Karhide e os comensais nunca reconhe­ceram essa exigência. Muita neve para uma nuvem só… e está ficando cada vez mais grossa… Tenho ajudado alguns fazendeiros karhideanos que vivem no vale para que se mu­dem para o lado de cá, pensando que com isso poderia facilitar o problema, deixando o vale simplesmente para Orgota, que ali tem vivido há milhares de anos. Eu fazia parte do Outono Setentrional há anos e cheguei a conhecer alguns desses fazendeiros. Desagrada-me vê-los mortos em atos de pilhagem ou então enviados para as comunidades rurais em Orgoreyn. Por que não simplificar o objeto da disputa? Mas isto não é uma idéia patriótica — realmente é uma covardia e envolve a lealdade do próprio rei.

Suas ironias, essas questiúnculas de brigas de fronteiras com Orgoreyn não me interessavam. Voltei ao meu assunto. Confiando ou não, tinha que me valer dele, ainda.

— Sinto muito — disse —, mas é lastimável que esta questão de uns poucos fazendeiros venha a prejudicar as chances de minha missão junto ao rei. Estão em jogo muito mais que alguns quilômetros de fronteiras.

— É certo, muito mais. Mas talvez o Conselho Ecumê­nico, que está a milhares de anos-luz, tenha um pouco de tolerância conosco.

— Os membros do Conselho Ecumênico são homens muito pacientes, senhor. Podem esperar, por centenas de anos, que Karhide e o resto do planeta Gethen deliberem se querem ou não se juntar ao resto da humanidade. Eu estou falando apenas das minhas esperanças pessoais. E o desapontamento também é pessoal. Eu pensei que, com o seu apoio…

— Eu também. Bem, geleiras não se degelam numa noite…

As frases feitas vinham-lhe facilmente, mas senti que seu pensamento estava longe. Ele meditava. Imaginei-o movimentando-se como um dos peões do seu xadrez de poderio.

— Você veio ao meu país numa época difícil — disse finalmente. — As coisas estão mudando, estamos numa virada de rumos. Não, não é bem isso… Eu penso que sua presença, sua missão, poderia evitar erros nossos, dar-nos uma nova e total opção. Mas terá que ser no momento exato e no lugar certo. Tudo depende, terrivelmente, da sorte, Sr. Ai!

Impaciente com essas generalidades, retruquei:

— Você quer dizer que ainda não chegou minha hora. Você me aconselharia a cancelar minha audiência?

Minha gafe era imperdoável em Karhide, mas Estraven não se perturbou:

— Receio que apenas ao rei seja concedido este pri­vilégio.

— Por Deus! Não me referia a isso!

Criado na livre e aberta sociedade da Terra, eu nunca compreenderia o protocolo, a impassividade tão valorizada pelos karhideanos. Sabia o que significava um rei, a própria história da Terra estava cheia deles, porém eu não tinha tido experiência viva e direta com reis, e agora fora completamente sem tato. Apanhei minha caneca e dei uma tragada vigorosa.

— Bem, pretendo revelar menos ao rei do que preten­dia, agora que não conto mais com o seu apoio.

— Muito bem.

— Por que “muito bem”? — perguntei.

— Bem, porque, meu amigo, nós não somos loucos. Nenhum de nós é rei, evidentemente. Suponho que pretenda dizer a Argaven, de modo racional, que sua missão aqui é tentar uma aliança entre gethenianos e o Conselho Ecumêni­co. Ele já sabe disso porque já lhe contei, é óbvio. Fiz tudo para interessá-lo na sua pessoa e na sua missão. Mas foi inútil e inoportuno. Esqueci-me, por estar muito interessado em ambos, de que ele é um rei e não vê as coisas como nós e sim como rei. Tudo o que lhe contei resumiu-se, para ele, em ameaça ao seu poder, ao seu reino — um grão de poeira no espaço —, ao seu reinado, uma piada para os homens que governam centenas de mundos.

— Mas o Conselho Ecumênico não governa, ele coorde­na. Seu poder é, precisamente, o poder dos seus Estados membros e mundos. Como aliada do conselho, Karhide vai ficar infinitamente menos ameaçada e mais importante do que jamais foi.

Estraven silenciou. Fitava de modo abstrato o fogo cujas flamas, tremulando, se refletiam na corrente de prata que lhe rodeava o peito, símbolo do cargo que ocupava na­quela comunidade.

A casa estava tranqüila. Os empregados que serviram o jantar tinham ido embora, pois lá não havia escravidão e serviçais para uso pessoal. Alugava-se serviço e não gente. Uma figura como Estraven deveria ter guardas de segurança, pois assassinato era uma instituição muito em uso em Karhide; entretanto, eu não vira nenhum.

Estávamos sós. Eu me sentia isolado com um desco­nhecido, entre quatro paredes de um palácio sombrio, numa cidade soturna, em plena Idade do Gelo, num mundo estra­nho para mim.

Tudo o que dissera desde que viera para o planeta In­verno parecera-me, de repente, estúpido e inacreditável. Como poderia esperar que aquele homem, ou outro qual­quer, acreditasse nas minhas histórias sobre outros mundos e outras raças, um vago governo benevolente em qualquer ponto distante do espaço?

Era tudo absurdo. Eu havia aparecido em Karhide numa nave. Diferia fisicamente dos gethenianos em alguns aspectos — isso exigia uma explicação, mas a minha era absurda, eu mesmo não acreditava nela, naquele momento.

— Acredito em você — disse por fim o estranho que estava a sós comigo. Tão forte havia sido também a minha crise de abstração que o encarei espantado. — Tenho receio de que Argaven também acredite em você… Mas ele não confia em você, em parte porque não confia mais em mim. Tenho cometido erros, tenho sido descuidado. Não posso enganá-lo, tenho posto sua vida em risco. Esqueci o que é ser rei, que um rei se considera, ele próprio, o país, esqueci o que é patriotismo e que ele tem que ser, forçosamente, o patriota perfeito. Responda-me: sabe, por experiência pró­pria, o que seja patriotismo?

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