— É realmente admirável! exclamou Maracot com uma expressão satisfeita de proprietário no rosto magro e vivo. Quanto à profundidade, não necessito dizer que há muitos que o excedem. Temos, por exemplo, o Pélago de Challenger, de vinte e seis mil pés, próximo das Ilhas Ladrone; o Pélago de Planet, de trinta e dois mil pés, perto das Filipinas e muitos outros, mas é provável que o Pélago de Maracot seja sem igual quanto ao declive de suas margens, tendo ainda de notável o fato de ter escapado às pesquisas de tantos exploradores hidrográficos que estudaram o Atlântico. Sem a menor dúvida…
Ele interrompera a frase em meio e uma expressão de intenso interesse e surpresa se imprimira em seu rosto. Bill Scanlan e eu, olhando por sobre os seus ombros, ficamos petrificados com o espetáculo que se deparou a nossos olhos.
Um enorme animal vinha subindo pelo túnel de luz que projetáramos no abismo. Bem ao longe, onde mal a luz alcançava, podíamos ver vagamente os movimentos irregulares de seu monstruoso corpo negro, em lenta ascensão. Caminhava de maneira desgraciosa, e aproximava-se com movimentos tardos das bordas do precipício. Agora que se aproximara mais estava iluminado em cheio pela luz e podíamos ver mais claramente suas formas horrendas. Era um animal desconhecido à ciência, embora apresentasse analogias com muitos seres que nos são familiares. Seu corpo era longo demais para ser comparável ao de um caranguejo gigantesco e curto demais para uma lagosta monstruosa; era mais parecido com um caranguejo de água doce, armado com suas duas enormes pinças, estendida uma de cada lado, e era provido de um par de antenas de dezesseis pés de comprimento, que se agitavam à frente de seus sinistros olhos negros. A carapaça de cor amarela pálida deveria ter dez pés de largura e seu comprimento total, excetuadas as antenas, não teria menos que trinta pés.
— Espantoso! exclamou Maracot, rabiscando desesperadamente em sua caderneta de notas. Olhos semipediculados, lamelas elásticas, família crustácea, espécie desconhecida. Crustaceus Maracoti — por que não?
— Co'os diabos, dê o nome que quiser, mas o fato é que ele está vindo para o nosso lado! exclamou Bill. Que acha de apagarmos nossas luzes, doutor?
— Apenas um momento enquanto anoto as reticulações, gritou o naturalista. É exatamente isso, não há dúvida. — Apertou o interruptor e voltamos à escuridão anterior, com aqueles pontos luminosos riscando a escuridão como meteoros numa noite sem lua.
— Aquele bicho tem uma aparência bem feroz, disse Bill. enxugando a testa. A impressão que tenho é a de uma ressaca depois de uma boa garrafa de Hoosh.
— Seu aspecto é realmente bem terrível, observou Maracot, e talvez fosse ainda mais terrível termos de nos avir com ele, se estivéssemos expostos àquelas monstruosas tenazes. Mas de dentro de nossa caixa de aço podemos examiná-lo em segurança e à vontade.
Mal havia falado quando se ouviu uma pancada como de uma picareta do lado de fora de nossa parede. Logo em seguida um longo som áspero como se a estivessem raspando e arranhando e uma outra pancada violenta.
— Ele quer entrar! exclamou Bill Scanlan, em tom alarmado. Co'os diabos, devíamos ter pintado do lado de fora um «É proibida a entrada». Sua voz trêmula mostrava como era forçado seu gracejo e confesso que meus joelhos tremiam ao ver a sombra negra daquele monstro passar sucessivamente em frente de cada uma das janelas que ele ainda mais escurecia, a examinar aquela estranha concha que, se conseguisse quebrar, deveria conter o seu alimento.
— Ele não nos poderá fazer mal — disse Maracot, mas havia agora menos segurança no tom de sua voz. — Contudo, talvez seja melhor nos afastarmos dele.
Chegando perto do tubo telefônico, gritou ao capitão:
— Eleve-nos uns vinte ou trinta pés!
Poucos segundos depois, éramos levantados da planície de lava e balançávamos suavemente na água. Mas o terrível monstro era pertinaz. Após um intervalo muito curto, ouvíamos novamente o raspar de suas antenas e as batidas fortes de suas tenazes, a examinar nossa caixa. Era horrível aquela espera silenciosa na escuridão, sabendo-se que a morte estava tão próxima. Se aquelas pinças poderosas caíssem sobre as vidraças resistiriam estas ao choque? Era esta a pergunta inexpressa que passava pelo espírito de todos nós.
Mas subitamente um perigo inesperado e ainda mais temível se apresentou. Aqueles golpes haviam passado para a parte superior de nosso pequeno compartimento e este começara a balançar ritmicamente de um lado para outro.
— Santo Deus! exclamei. Ele agarrou o cabo! Seguramente o cortará!
— Olhe, doutor, acho melhor subirmos. Creio que já vimos o que viemos ver e é melhor voltarmos para nossas casas. Mande subir o elevador e deixemo-nos de brincadeiras com esse bicho.
— Mas ainda não fizemos nem metade do nosso trabalho! grasnou Maracot. Mal começamos a explorar as bordas do Pélago. Pelo menos vejamos qual é a sua largura. Quando tivermos chegado ao outro lado dar-me-ei por satisfeito. — Voltou-se para o tubo: — Tudo bem, capitão. Navegue a dois nós horários até eu ordenar que pare.
Começamos a nos mover lentamente afastando-nos da borda do abismo. Desde que a escuridão não nos salvara do ataque, resolvemos acender as luzes novamente. Um dos postigos estava inteiramente obscurecido pelo que parecia ser o ventre do monstruoso crustáceo. Sua cabeça e suas grandes pinças estavam em ação acima de nós e ainda continuávamos a balançar de um para outro lado, como um sino a badalar. A força daquele animal deveria ser enorme. Quando um grupo de homens já se teria visto em tal situação, com cinco milhas de água abaixo e um tão horrível monstro acima? As oscilações se tornavam cada vez mais violentas. Ouvimos pelo tubo a voz agitada do capitão que notara os balanços do cabo e Maracot pôs-se de pé num pulo com as mãos estendidas desesperadamente para cima. Mesmo de dentro de nossa caixa percebemos o ruído dos fios do cabo arrebentando e dali a um instante tombávamos no desmesurado pego que se abria a nossos pés.
Quando volto o olhar para aquele horrível instante, recordo-me como num sonho de ter ouvido um brado selvagem de Maracot.
— O cabo partiu-se! Nada podem fazer! Estamos todos perdidos! gritava ele agarrado ao telefone. Adeus, capitão, adeus a todos!
Foram estas as nossas últimas palavras ao mundo dos homens. Não caímos rapidamente, como poderias imaginar. Apesar do peso de nossa caixa, o fato de ser oca tornava-a relativamente leve e era por isso lenta e suavemente que mergulhávamos no abismo. Ouvimos um som áspero ao escaparmos por entre as garras do horrível monstro que fora nossa ruína e despencamos com um lento movimento giratório pelas profundezas abissais. Deviam ter decorrido cinco minutos, que contudo nos pareceram uma hora, até o momento em que alcançamos o limite de nosso fio telefônico, que foi arrebentado como se fosse um fio de linha. Nossos tubos de ar romperam-se quase ao mesmo tempo e a água salgada penetrou em jorros pelos orifícios interiores dos mesmos. Com movimentos rápidos e prontos, Bill Scanlan amarrou cordas ao redor de cada um dos tubos de borracha e assim interrompeu a inundação que se iniciava, enquanto o doutor soltava o nosso ar comprimido, que saiu silvando dos tubos. A luz se apagara quando o fio arrebentou, mas mesmo no escuro Maracot conseguiu pôr em atividade as pilhas secas de Hellesens, que acenderam algumas lâmpadas do teto.
— Darão para uma semana, disse ele com um sorriso forçado. Pelos menos não morreremos no escuro. — Sacudiu a cabeça tristemente e um sorriso de compaixão perpassou-lhe pelas feições pálidas. — Que isto sucedesse a mim era justo. Sou um homem velho e já vivi demais. Só lamento é ter trazido comigo dois jovens cheios de vida. Deveria ter corrido o risco sozinho.
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