Hippolyte Buffenoir - Amôres d'um deputado

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Hippolyte Buffenoir

Amôres d'um deputado

I

O café Tabourey

– Paga oito «sous»! gritou Carlos, o moço do café Tabourey, dirigindo-se á menina Amelia Dufer, a filha do dono do estabelecimento, exercendo o logar de «caixa», e acompanhando o grito do lançamento d'uma moeda de cincoenta centimos sobre o marmore d'um pequeno balcão.

A rapariga guardou a moeda e deu-lhe o troco de dois «sous», que Carlos fez cahir sobre uma meza do fundo onde um freguez se achava escrevendo uma carta.

– Oito e dois dez! resmungou o moço do botequim, tirando um prato e uma chavena que se achavam sobre a meza.

– Está bem, guarda o resto para ti! retorquiu suave e tristemente o freguez, mal erguendo os olhos da carta que estava terminando.

O relogio collocado quasi junto do tecto da casa, embutido mesmo nos ornatos da cimalha marcava dez horas e vinte e cinco minutos e o freguez do café Tabourey olhando-o, melancholicamente, suspirou e pensou:

– Decididamente, não veem esta noite; levanto a sessão!

Ainda se demorou alguns minutos procurando na meza do centro, entre um monte de jornaes, o «Soir» e não o encontrando, dirigiu-se á menina Amelia Dufer, entregando-lhe a carta que acabava de escrever.

– Se esses senhores vierem, a menina faz-me o favor de entregar esta carta a Maupertuis, sim?

– Com todo o gosto, sr. Ronquerolle, respondeu, amavelmente, a joven Amelia, esboçando um gracioso sorriso, completamente perdido, porque o seu interlocutor havia já desapparecido na rua Vaugirard.

N'aquella noite, Ronquerolle, que se sentira invadido por um aborrecimento maior que de costume, tomara uma importante resolução. Decidira voltar á sua terra natal, ha tanto tempo esquecida, e a carta que elle entregara á menina Amelia Dufer, ao sahir do café Tabourey, dizia o seguinte:

«Meus amigos:

Porque não vieram esta noite? Esperei-os durante muito tempo. Tenho necessidade de os ver. Vou partir para a Borgonha.

«Estou cheio de tristeza.

«Vosso amigo,

«Maximo Ronquerolle».

Ás onze horas, os amigos de Ronquerolle aos quaes aquella carta era dirigida e que, após o jantar tinham resolvido dar um passeio pelos «boulevards» voltavam ao Bairro Latino, entrando no seu café predilecto, pensando, e com razão, que Ronquerolle, se já ali não estivesse, lhes teria deixado o que elles vulgarmente chamavam as suas «instrucções».

Entretanto, o que mais desejavam era vel-o porque tinham a dar-lhe uma importante noticia.

Estes rapazes chamavam-se Jayme Maupertuis, Feliciano Didier e Emilio Branche. Eram, como Maximo Ronquerolle, poetas, jornalistas e politicos. Pobres, quasi desconhecidos, procuravam ser alguma coisa e para esse fim corriam em busca da fortuna e da gloria. Todos os quatro eram republicanos.

Tinham feito excellentes estudos na provincia, e aos vinte e vinte e cinco annos haviam partido para Paris, com grandes receios das suas familias, que os consideravam perdidos, no movimento e confusão da grande capital.

Socegados na apparencia, eram quatro enthusiastas. A imaginação junta a uma clara intelligencia, eram as qualidades predominantes de todos elles.

A sua conducta era irreprehensivel. A amizade que os unia era profunda. Estimavam-se, adoravam-se mutuamente.

Ronquerolle e Maupertuis tinham-se conhecido na provincia, na sua terra natal, na Borgonha. Travando relações, de creanças, aos quinze annos, durante os dez que se seguiram tinham-se perdido de vista até que se haviam reencontrado em Paris, graças á «Revue des Poétes», que publicava versos de ambos.

Didier e Branche eram do norte. Viviam como dois irmãos. Uma bella manhã, juntos haviam deixado Lille, e juraram á sua entrada em Paris, de sempre ahi continuarem a viver juntos e de juntos tambem seguirem a carreira, que a sorte a qualquer d'elles deparasse.

Hospedados no hotel «Lisbonne» da rua Vaugirard, em pleno Bairro Latino, ali encontraram á mesma meza, Ronquerolle e Maupertuis. Uma grande sympathia se estabeleceu rapidamente entre esses quatro rapazes, que em poucos minutos comprehenderam que os movia o mesmo pensamento, a ambição e o desejo vehemente d'uma absoluta independencia.

Na occasião em que o leitor trava conhecimento com os quatro mancebos, conheciam-se elles ha dois annos. Os primeiros tempos da sua franca e leal camaradagem, tinham sido encantadores. Haviam comunicado os seus pensamentos, os seus projectos de futuro, enthusiasmando-se mutuamente, lendo os seus versos e conversando sobre os seus amôres, pois que cada um d'elles tinha a sua amante.

Chegados ao café os tres amigos de Ronquerolle, receberam a carta que este ali lhes deixara encarregando-se da sua leitura Maupertuis, que do seu contheudo deu conhecimento aos seus companheiros Didier e Branche.

– Vamos depressa! disse Branche, que tinha por Maximo uma verdadeira adoração.

Um quarto de hora depois, os quatro amigos achavam-se reunidos em casa de Maximo Ronquerolle, que habitava no «boulevard» Montparnasse.

– Já sabes da novidade? perguntou Maupertuis.

– Qual novidade?! disse Ronquerolle surprehendido.

– Sahiu o decreto.

– Um decreto!?

– Pergunta a Didier e a Branche!

– É verdade! ajuntaram estes.

– Trouxe-te o numero do «Soir», que trata do assumpto, disse Branche. Aqui tens, lê, nas ultimas noticias.

Com effeito Ronquerolle leu um decreto do Presidente da Republica, convocando os eleitores para reunirem em 15 de julho.

Ronquerolle, pallido de commoção, conservou-se um momento ancioso.

É que elle sabia que aquella data, marcada para as eleições de deputados, poderia ter grande importancia na sua vida. Para elle esse dia seria decisivo, na sua existencia, d'aquelles cuja aproximação faz tremer o homem mais corajoso, causando-lhe calafrios.

– E então, que me dizes do decreto? perguntou Maupertuis.

– Digo-te, respondeu Ronquerolle, que elle me indica, que tenho a dizer-lhes coisas muito graves. Assentem-se que temos que conversar.

Os trez amigos de Maximo acceitaram o convite e emquanto Ronquerolle foi buscar uns papeis guardados n'um movel proximo, esperaram anciosos que elle falasse.

De volta para junto da mesa perto da qual se achavam os seus amigos Ronquerolle lançou os papeis sobre a sua secretaria e aproximando o seu candieiro de trabalho e tomando uma cadeira, disse rindo:

– Está aberta a sessão!

Então Ronquerolle contou aos seus amigos que havia algum tempo estava em relações com o «comité» republicano de Saint-Martin, na Borgonha; que os membros d'esse «comité» lhe tinham offerecido a candidatura por aquelle districto, e que elle havia demorado a resposta até ao dia em que o decreto relativo ás eleições fosse publicado.

– Explendido! gritaram ao mesmo tempo os trez amigos. Bello! O decreto sahiu. Não ha que hesitar, acceitas!

– Mas eu hesito ainda; e se lhes pedi para virem aqui esta noite, foi na intenção de lhes falar d'este negocio e de lhes pedir conselho.

E Ronquerolle tornou conhecidos dos seus amigos os documentos relativos á futura eleição por Saint-Martin. Tratava-se de lutar, em nome da Republica, contra o marquez de la Tournelle, que representava ali as ideias reaccionarias, e que seria approvado por todos os fanaticos do throno e do altar.

– Mas isso é encantador, exclamou Maupertuis, farás desapparecer o tal marquez como uma simples bolinha de prestidigitador; e entrarás na Camara como uma bala de canhão.

– Não me embriaguem com palavras, disse Ronquerolle desenhando-se-lhe no rosto uma nuvem de tristeza. Não vá eu contar com a victoria e me aguardem as desillusões. A lucta será encarniçada, terrivel. O marquez possue influencia, é rico, pode vencer…

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