José D'Assunção Barros
Papas, Imperadores e Hereges na Idade Média
Com a Série A Igreja na História , iniciada com o presente volume, a Editora Vozes traz a público um projeto que pretende se estender pelos próximos anos, oferecendo ao público-leitor uma sequência de livros de autores brasileiros que se dedicarão a examinar diversas temáticas relacionadas à história da Igreja e do cristianismo, abordando questões transversais importantes que envolvem os vários atores históricos que participaram e participam desta milenar história, as diversificadas tendências entrevistas no cristianismo, as suas formas de relação com o mundo social-político e com outras formações religiosas, bem como os aspectos culturais, políticos, econômicos e imaginários que se entrecruzam nesta complexa história.
Dedicamos esta coleção a diversos tipos de leitores. Além de beneficiar o público acadêmico de história, a intenção é trazer uma coleção que, escrita por historiadores, seja também interessante para outros segmentos do saber, como a Teologia, a Sociologia e a Antropologia. Sobretudo, almejamos atingir um público maior, não somente acadêmico, mas interessado em aprofundar conhecimentos sobre o tema a partir de um ponto de vista histórico e historiográfico. Esse empreendimento é precisamente o maior desafio da coleção, uma vez que a intenção é conservar um nível adequado de complexidade, rechaçando o caminho mais fácil das grandes obras de divulgação que por vezes banalizam as discussões históricas e historiográficas, e ao mesmo tempo apresentar as discussões mais complexas em uma linguagem simples, imediatamente compreensível para o grande público, mas que continue captando o interesse do público acadêmico e mais especializado. Integramos este projeto ao grande movimento intelectual que, nas últimas décadas, tem oferecido uma contrapartida ao isolamento dos saberes especializados ao almejar diluir ou mesmo eliminar as fronteiras entre a universidade e a sociedade, sem que para isso seja necessário sacrificar a qualidade do conhecimento.
Os diversos volumes da coleção estarão sempre trazendo uma atenta exposição histórica acerca das diversas temáticas examinadas, e cuidando para que esta seja devidamente acompanhada por uma discussão historiográfica . Dito de outra forma apresentamos, ao mesmo tempo, a história de cada aspecto abordado, e as diversas análises historiográficas que têm sido desenvolvidas pelos historiadores, situando-as com referências bem estabelecidas e ainda trazendo ao leitor polêmicas que confrontam posições distintas nos meios historiográficos. Desta maneira, a coleção abre um espaço para a diversidade de pontos de vista, permitindo que o próprio leitor se situe em um patamar crítico e se faça sujeito de suas próprias escolhas em relação aos modos de compreender cada assunto examinado.
A coleção abarcará todos os períodos históricos, da Antiguidade aos nossos dias, mas não se estruturará em uma ordem cronológica linear. O caráter aberto da mesma permite que cada novo título revisite transversalmente no tempo certo aspecto da história da Igreja e do cristianismo, ou então que se concentre em determinado período histórico na sua especificidade, mas sempre em uma ordem livre no interior da série, o que permitirá que a coleção prossiga indefinidamente enquanto houver interesse e demanda por novas temáticas a serem apresentadas. Alguns volumes poderão constituir obras de um único autor, e outros poderão concentrar ensaios de autores diversos. As temáticas sempre apresentarão uma amplitude que tornará cada volume atraente para um número maior de interessados, evitando-se nesta coleção o hiperespecialismo e recorte mais específico das teses de doutorado. Em favor de temáticas que sejam relevantes para um número maior de leitores, e igualmente atenta em assegurar a produção de um conhecimento historiográfico que possa efetivamente se socializar para além dos limites estritamente acadêmicos, a coleção A Igreja na História inscreve-se neste propósito maior que é o de tratar com consciência histórica as temáticas relacionadas à história da Igreja e da religiosidade.
José D’Assunção Barros
1º de junho de 2012.
O conjunto de ensaios aqui editados provém de vários artigos publicados isoladamente em revistas do Brasil e de Portugal, em momentos anteriores. Todos estão unidos pela temática da religiosidade e da Igreja no período medieval, em sua relação com aspectos sociais, políticos e culturais. Apenas o primeiro texto, sobre as diversas hipóteses acerca das “Passagens da Antiguidade Romana ao Ocidente Medieval”, não aborda especificamente a questão da religiosidade, embora a trate de maneira indireta, já que a emergência e consolidação do cristianismo no período final do Império Romano foi um dos fatores que presidiram a passagem de um período a outro.
Os demais capítulos já tematizam a questão da Igreja, ou a da religiosidade no período medieval. Buscam examinar a complexidade das relações, por vezes tensas e conflituosas, entre esta nova visão e prática de religiosidade trazida pelo cristianismo com os poderes estabelecidos, a sociedade em seu dia a dia, o mundo do trabalho e as hierarquias sociais. Também são examinadas as tensões internas ao cristianismo medieval. O segundo ensaio, “Heresias na Idade Média”, busca precisamente examinar o surgimento das heresias desde fins do Império Romano até o momento de sua maior proliferação, nos séculos XII, XIII e XIV. A preocupação deste, como dos demais capítulos, é a de situar tanto os problemas históricos como a discussão historiográfica sobre a questão, também sinalizando com as fontes históricas disponíveis aos historiadores que se dedicam ao estudo do tema.
As relações do cristianismo e da Igreja com a estruturação das sociedades medievais e com a consolidação de um imaginário a ela correspondente é o objeto do terceiro ensaio: “Trifuncionalidade Medieval”. De igual maneira, o quarto ensaio também aborda as relações entre Igreja e política, ao examinar as tensas e bem articuladas relações entre “Papado e Império na Idade Média”, por vezes geradoras de alianças capazes de beneficiar estes dois projetos universais que são o da Igreja Católica e o do império, por vezes geradoras de conflitos incontornáveis entre os poderes eclesiástico e temporal.
O quinto ensaio, ao discutir o “franciscanismo na Idade Média”, busca examinar o surgimento e desenvolvimento desta ordem que, ainda que impondo uma nova forma de conceber e vivenciar a religiosidade cristã, consegue ser aceita pela Igreja oficial. Em seguida, o sexto capítulo, “Escolástica e História”, aborda as relações entre Igreja e Universidade, concluindo a série de seis ensaios apresentados neste volume.
I
Passagens da Antiguidade Romana ao Ocidente Medieval: leituras historiográficas de um período limítrofe [1] Texto originalmente publicado na Revista História – Revista da Unesp, 28 (1), 2009, p. 543-573. Franca.
Delimitar um grande período historiográfico no tempo, separando-o de um que se estende atrás dele e de outro que começa depois, é uma operação que traz indeléveis marcas ideológicas e culturais que nos falam da sociedade na qual está mergulhado o próprio historiador, dos seus diálogos intertextuais, de visões de mundo, que de resto estende-se para muito além do historiador que está estabelecendo seus recortes para a compreensão da história. Os próprios desenvolvimentos da historiografia – os novos campos históricos e domínios que surgem, a emergência de novas relações interdisciplinares, os enfoques a abordagens que se sucedem como novidades ou como reapropriação de antigas metodologias – trazem obviamente uma contribuição importante para que a cada vez se veja o problema da passagem de um a outro período histórico sob novos prismas.
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