Paulo Coelho - O Alquimista
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E como se o deserto quisesse mostrar que o velho Alquimista estava certo, dois cavaleiros surgiram por detrás dos viajantes.
— Não podem seguir adiante — disse um deles. — Vocês estão nas areias onde os combates são travados.
— Não vou muito longe — respondeu o Alquimista, olhando fundo nos olhos dos guerreiros.
Eles ficaram quietos por alguns minutos, e depois concordaram com a viagem dos dois.
O rapaz assistiu aquilo tudo fascinado.
— Você dominou os guardas com o olhar — comentou ele.
— Os olhos mostram a força da alma — respondeu o Alquimista.
Era verdade, pensou o rapaz. Havia percebido que, no meio da multidão de soldados no acampamento, um deles estava olhando fixo para os dois. E estava tão distante, que não dava sequer para ver direito sua face. Mas o rapaz tinha certeza de que estava olhando para eles.
Finalmente, quando começaram a cruzar uma montanha que se estendia por todo o horizonte, o Alquimista disse que faltavam dois dias para chegarem até às Pirâmides.
— Se vamos nos separar logo — respondeu o rapaz — me ensine Alquimia.
— Você já sabe. É penetrar na Alma do Mundo, e descobrir o tesouro que ela reservou para nós.
— Não é isto que quero saber. Falo de transformar chumbo em ouro.
O Alquimista respeitou o silêncio do deserto, e só respondeu ao rapaz quando pararam para comer.
— Tudo no Universo evolui — disse ele. — E para os sábios, o ouro é o metal mais evoluído. Não pergunte porquê; não sei. Sei apenas que a Tradição está sempre certa.
«Os homens é que não interpretaram bem as palavras dos sábios. E ao invés de símbolo de evolução, o ouro passou a ser o sinal das guerras.
— As coisas falam muitas linguagens — disse o rapaz. — Vi quando o relincho de camelo era apenas um relincho, depois passou a ser sinal de perigo, e finalmente tornou-se de novo um relincho.
Mas calou-se. O Alquimista devia saber tudo aquilo.
— Conheci verdadeiros alquimistas — continuou. — Se trancavam no laboratório e tentavam evoluir como o ouro; descobriam a Pedra Filosofal. Porque haviam entendido que quando uma coisa evolui, evolui também tudo que está a sua volta.
«Outros conseguiram a pedra por acidente. Já tinham o dom, suas almas estavam mais despertas que a das outras pessoas. Mas estes não contam, porque são raros.
«Outros, enfim, buscavam apenas o ouro. Estes jamais descobriram o segredo. Esqueceram-se de que o chumbo, o cobre, o ferro, também têm sua Lenda Pessoal para cumprir. Quem interfere na Lenda Pessoal dos outros, nunca descobrirá a sua».
As palavras do Alquimista soaram como uma maldição. Ele abaixou-se e pegou uma concha no solo do deserto.
— Isto um dia já foi um mar — disse.
— Já tinha reparado — respondeu o rapaz.
O Alquimista pediu ao rapaz para colocar a concha no ouvido. Ele tinha feito isto muitas vezes quando era criança, e escutou o barulho do mar.
— O mar continua dentro desta concha, porque é sua Lenda Pessoal. E jamais a abandonará, até que o deserto se cubra novamente de água.
Depois montaram em seus cavalos, e seguiram em direção às Pirâmides do Egito.
O sol tinha começado a descer quando o coração do rapaz deu sinal de perigo. Estavam no meio de gigantescas dunas, e o rapaz olhou o Alquimista, mas este parecia não haver notado nada.
Cinco minutos depois o rapaz percebeu dois cavaleiros a sua frente, as silhuetas cortadas contra o sol.
Antes que pudesse falar com o Alquimista, os dois cavaleiros se transformaram em dez, depois em cem, até que as gigantescas dunas ficaram cobertas deles.
Eram guerreiros vestidos de azul, com uma tiara negra sobre o turbante. Os rostos estavam cobertos por outro véu azul, deixando apenas os olhos de fora.
Mesmo distante, os olhos mostravam a força de suas almas. E os olhos falavam em morte.
Levaram os dois para um acampamento militar nas imediações. Um soldado empurrou o rapaz e o Alquimista para dentro de uma tenda. Era uma tenda diferente das que havia conhecido no oásis; ali estava um comandante reunido com seu estado-maior.
— São os espiões — disse um dos homens.
— Somos apenas viajantes — respondeu o Alquimista.
— Vocês foram vistos no acampamento inimigo há três dias atrás. E conversaram com um dos guerreiros.
— Sou um homem que caminha pelo deserto e conhece as estrelas — disse o Alquimista. Não tenho informações de tropas, ou o movimento dos clãs.
Apenas guiava meu amigo até aqui.
— Quem é seu amigo? perguntou o comandante.
— Um Alquimista — disse o Alquimista. — Conhece os poderes da natureza. E deseja mostrar ao comandante sua capacidade extraordinária.
O rapaz ouvia em silêncio. E com medo.
— O que faz um estrangeiro numa terra estrangeira? — disse outro homem.
— Trouxe dinheiro para oferecer a seu clã — respondeu o Alquimista, antes que o rapaz dissesse qualquer palavra. E pegando a bolsa do rapaz, entregou as moedas de ouro ao general.
O árabe aceitou em silêncio. Dava para comprar muitas armas.
— O que é um Alquimista? — perguntou, finalmente.
— Um homem que conhece a natureza e o mundo. Se ele quisesse, destruía este acampamento apenas com a força do vento.
Os homens riram. Estavam acostumados com a força da guerra, e o vento não detém um golpe mortal. Dentro do peito de cada um, porém, seus corações apertaram. Eram homens do deserto e tinham medo dos feiticeiros.
— Quero ver — disse o general.
— Precisamos de três dias — respondeu o Alquimista. — E ele vai se transformar em vento, apenas para mostrar a força de seu poder. Se não conseguir, nós lhe oferecemos humildemente nossas vidas, pela honra de seu clã.
— Não pode me oferecer o que já é meu — disse, arrogante, o general.
Mas concedeu os três dias aos viajantes.
O rapaz estava paralisado de terror. Saiu da tenda porque o Alquimista lhe segurou os braços.
— Não deixe que eles percebam seu medo — disse o Alquimista. — São homens corajosos, e desprezam os covardes.
O rapaz, porém, estava sem voz. Só conseguiu falar depois de algum tempo, enquanto caminhavam pelo meio do acampamento. Não havia necessidade de prisão: os árabes apenas tiraram seus cavalos. E mais uma vez o mundo mostrou suas muitas linguagens: o deserto, antes um terreno livre e sem fim, era agora uma muralha intransponível.
— Você deu todo o meu tesouro! — disse o rapaz. — Tudo que eu ganhei em toda a minha vida!
— E para que lhe adiantaria isto, se tivesse que morrer? — respondeu, o Alquimista. — Seu dinheiro o salvou por três dias. Poucas vezes o dinheiro serve para adiar a morte.
Mas o rapaz estava apavorado demais para ouvir palavras sábias. Não sabia como transformar-se em vento. Não era um Alquimista.
O Alquimista pediu chá a um guerreiro, e colocou um pouco nos pulsos do rapaz. Uma onda de tranquilidade encheu seu corpo, enquanto o Alquimista dizia algumas palavras que ele não conseguia compreender.
— Não se entregue ao desespero — disse o Alquimista, com uma voz estranhamente doce. — Isto faz com que você não consiga conversar com seu coração.
— Mas eu não sei transformar-me em vento.
— Quem vive sua Lenda Pessoal, sabe tudo que precisa saber. Só uma coisa torna um sonho impossível: o medo de fracassar.
— Não tenho medo de fracassar. Apenas não sei transformar-me em vento.
— Pois terá que aprender. Sua vida depende disto.
— E se eu não conseguir?
— Vai morrer enquanto vivia sua Lenda Pessoal. É muito melhor do que morrer como milhões de pessoas, que jamais souberam que a Lenda Pessoal existia.
«Entretanto, não se preocupe. Geralmente a morte faz com que as pessoas fiquem mais sensíveis à vida.»
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