À medida que a respiração de Caldwell abrandava, Riley deu por si a pensar naquilo que estava a assistir. Quão diferente era aquilo do seu uso de força letal? A verdade é que já tinha morto vários assassinos.
Mas esta era uma morte diferente dessas outras. Por comparação, era bizarramente controlado, limpo, clínico, imaculado. Parecia inexplicavelmente errado. Irracionalmente, Riley deu por si a pensar…
Não devia ter deixado as coisas chegarem a este ponto.
Ela sabia que estava errada, que tinha capturado Caldwell de forma profissional e em concordância com as regras. Mas mesmo assim pensou…
Devia tê-lo morto eu mesma.
Gail agarrou na mão de Riley com força durante dez longos minutos. Por fim, o elemento da equipa de execução junto a Caldwell disse algo que Riley não conseguiu ouvir.
O guarda saiu de trás da cortina e falou numa voz clara para ser compreendido por todas as testemunhas.
“A sentença foi cumprida com sucesso às 09:07.”
Depois as cortinas encerraram-se novamente. As testemunhas já tinham visto tudo o que deviam ver. Os guardas entraram na sala e pediram a todos para saírem o mais rapidamente possível.
Quando o grupo se encaminhava para o corredor, Gail pegou novamente na mão de Riley.
“Lamento que ele tenha dito o que disse,” Afirmou Gail.
Riley ficou sobressaltada. Como é que era possível que Gail estivesse preocupada com os sentimentos de Riley num momento daqueles, quando justiça tinha sido finalmente feita ao assassino da sua própria filha?
“Com está Gail?” Perguntou Riley enquanto se dirigiam apressadamente para a saída.
Gail caminhou em silêncio durante alguns segundos. A sua expressão parecia completamente vazia.
“Acabou,” Disse por fim, a voz entorpecida e fria. “Acabou.”
Dali a nada já estavam no exterior banhado pelo sol da manhã. Riley conseguiu ver dois ajuntamentos de pessoas do outro lado da rua, divididos um do outro e controlados firmemente pela polícia. De um lado estavam as pessoas que se tinham reunido para aplaudir a execução empunhando sinais de ódio, alguns profanos e obscenos. Estavam compreensivelmente jubilantes. Do outro lado estavam manifestantes anti pena de morte com os seus próprios cartazes. Tinham passado ali a noite em vigília. Eram muito mais moderados.
Riley não conseguia sentir simpatia por qualquer um dos grupos. Estas pessoas estavam ali por elas, para fazer um espetáculo público da sua revolta e retidão, agindo por puro comodismo. No que lhe dizia respeito, não tinham o direito de estar ali, não entre pessoas cuja dor e pesar eram tão reais.
Entre a entrada e os ajuntamentos encontrava-se um enxame de jornalistas com as suas carrinhas de notícias por perto. Quando Riley tentou atravessar a multidão, uma mulher correu na sua direção com um microfone e um repórter de imagem logo atrás dela.
“Agente Paige? É a Agente Paige?” Perguntou.
Riley não respondeu. Tentou passar pela jornalista mas ela não desarmou. “Ouvimos dizer que Caldwell a mencionou nas suas últimas palavras. Quer comentar?”
Outros jornalistas se aproximaram, fazendo a mesma pergunta. Riley cerrou os dentes e furou a multidão. Pelo menos ela conseguiu libertar-se.
Quando se apressava na direção do carro, deu por si a pensar em Meredith e em Bill. Ambos lhe tinham implorado para aceitar um novo caso. E ela estava a evitar dar uma resposta a qualquer um deles.
Porquê? Pensou.
Tinha acabado de fugir aos jornalistas. Também estaria a fugir de Bill e Meredith? Estaria a fugir de quem ela era? De tudo o que tinha que fazer?
*
Riley estava feliz por se encontrar em casa. A morte a que assistira naquela manhã ainda a deixava com uma sensação de vazio e o regresso a Fredericksburg tinha sido cansativo. Mas quando abriu a porta de casa, algo parecia não estar certo.
Estava anormalmente silenciosa. April já devia ter voltado da escola. E onde estava Gabriela? Riley foi até à cozinha e encontrou-a vazia. Um recado repousava na mesa da cozinha.
Me voy a la tienda, Estava escrito. Gabriela tinha ido fazer compras.
Assolada por uma onda de pânico, Riley agarrou com força as costas de uma cadeira. Da outra vez que Gabriela tinha ido fazer compras, April tinha sido raptada da casa do pai.
Escuridão, o vislumbre da chama.
Riley virou-se e correu para junto das escadas.
“April,” Gritou.
Não obteve resposta.
Riley subiu as escadas a correr. Ninguém se encontrava nos quartos. Ninguém estava no seu escritório.
O coração de Riley batia aceleradamente, apesar da cabeça não parar de lhe dizer que estava a ser pateta. Mas o corpo não ouvia e não obedecia ao que a mente lhe dizia.
Desceu as escadas a correr e saiu para a varanda.
“April,” Gritou.
Mas não havia ninguém a brincar no quintal vizinho e não havia crianças à vista.
Impediu-se de soltar outro grito. Não queria que os vizinhos pensassem que era louca. Não tão cedo.
Tateou o bolso e tirou o telemóvel. Enviou um SMS a April.
Não obteve resposta.
Riley voltou para dentro de casa e sentou-se no sofá. Segurava a cabeça entre as mãos.
Estava de volta ao espaço exíguo do cativeiro, deitada na terra e na escuridão.
Mas a pequena luz movia-se na sua direção. Podia ver o seu rosto cruel a brilhar por entre as chamas. Mas não sabia se o assassino vinha para a levar a ela ou para levar April.
Riley obrigou-se a separar a visão da sua realidade presente.
O Peterson morreu, Dizia enfaticamente a si mesma. Nunca mais nos vai torturar.
Sentou-se no sofá e tentou focar-se no aqui e agora. Agora estava ali na sua nova casa, a viver a sua nova vida. Gabriela tinha ido à loja fazer compras. April estava com toda a certeza por perto.
A sua respiração abrandou, mas não se conseguiu erguer. Tinha medo de ir novamente lá fora e gritar.
Depois do que parecia uma eternidade, Riley ouviu a porta da frente abrir-se.
April entrou a cantar.
Agora Riley já se conseguiu levantar. “Onde é que estiveste?”
April parecia chocada.
“O que é que se passa, mãe?”
“Onde é que estavas? Porque é que não respondeste à minha mensagem?”
“Desculpa, tinha o telemóvel no silêncio. Estava na casa da Cece do outro lado da rua. Quando saímos do autocarro da escola a mãe dela ofereceu-nos gelado.”
“E como é que eu podia adivinhar onde é que tu estavas?”
“Pensei que ainda não estivesses em casa.”
Riley ouvia-se a gritar e não conseguia parar. “Não quero saber o que pensaste. Não pensaste. Tens que me informar sempre…”
As lágrimas a correr no rosto de April impediram-na finalmente de continuar a gritar.
Riley acalmou-se e precipitou-se a abraçar a filha. Inicialmente, o corpo de April estava rígido de raiva, mas Riley sentiu que relaxava gradualmente. E apercebeu-se que pelo seu rosto também corriam lágrimas.
“Desculpa,” Disse Riley. “Desculpa. É só porque passámos por tanto… tanto horror.”
“Mas agora já acabou,” Disse April. “Já acabou, mãe.”
Sentaram-se no sofá, um sofá novo comprado quando se tinham mudado. Tinha-o comprado para a sua nova vida.
“Eu sei que acabou,” Disse Riley. “Eu sei que o Peterson está morto. Estou a tentar habituar-me a isso.”
“É tudo tão melhor agora, mãe. Não tens que te preocupar comigo de minuto a minuto. E não sou uma criancinha estúpida, já tenho quinze anos.”
“E és muito esperta,” Disse Riley. “Eu sei. Só vou ter que me lembrar sempre disso. Amo-te April,” Disse. “É por isso que às vezes enlouqueço.”
“Eu também te amo mãe,” Disse April. “Mas não te preocupes tanto.”
Читать дальше