Gail, uma mulher pequena de sessenta anos com um rosto delicado, tinha mantido o contacto com Riley ao longo dos anos. Na altura da execução o marido já tinha morrido e ela tinha escrito a Riley dizendo que não tinha ninguém para a amparar naquele momento tão importante. E Riley concordara em fazer-lhe companhia.
A câmara da morte estava logo ali do outro lado da janela. O único mobiliário visível na sala era a maca destinada à execução, uma mesa em forma de cruz. Uma cortina de plástico azul estava pendurada por cima da cabeceira da maca. Riley sabia que tubos intravenosos e químicos letais se encontravam por detrás daquela cortina.
Um telefone vermelho na parede tinha ligação direta ao gabinete do Governador. Só tocaria caso houvesse uma decisão de última hora ditando a clemência. Mas ninguém esperava que tal sucedesse. Um relógio por cima da porta que dava para a sala da execução, era o outro objeto de decoração visível.
Na Virginia, os criminosos condenados podiam escolher entre a cadeira elétrica e a injeção letal, mas os químicos acabavam por ser a escolha de eleição. Se o prisioneiro se recusasse a optar, era-lhe atribuída a injeção.
Riley quase estava surpreendida por Caldwell não ter optado pela cadeira elétrica. Era um monstro sem remorsos que parecia acolher com agrado a sua própria morte.
O relógio marcava 08:55 quando a porta se abriu. Riley ouviu um rumor silencioso na sala enquanto vários membros da equipa de execução introduziam Caldwell na câmara. Dois guardas flanqueavam-no, agarrando um em cada braço, e um outro seguia logo atrás dele. Um homem bem vestido surgiu atrás de todos os outros – o diretor da prisão.
Caldwell vestia calças e camisola azuis, sandálias sem meias e estava algemado. Riley não o via há vários anos. Durante a sua breve carreira de assassino em série, exibira cabelo comprido e uma barba desgrenhada, um aspeto boémio que condizia com a sua condição de artista de rua. Agora apresentava-se barbeado e com um aspeto absolutamente normal.
Apesar de não reagir ao ambiente que o rodeava, parecia assustado.
Ótimo, Pensou Riley.
Caldwell olhou para a maca, mas desviou rapidamente o olhar. Parecia tentar a todo o custo não olhar para a cortina de plástico azul na cabeceira da maca. Por um instante, fixou a janela da sala onde se encontrava Riley e os familiares das vítimas. Subitamente pareceu mais calmo e mais composto.
“Quem me dera que nos pudesse ver,” Sussurrou Gail.
Estavam protegidos por um vidro especial e Riley não partilhava do desejo de Gail. Caldwell já tinha olhado para ela de demasiado perto para o seu gosto. Para o capturar tivera que se infiltrar. Fingira ser uma turista no passeio de Dunes Beach e contratou-o para lhe desenhar um retrato. Enquanto trabalhava, tinha-a inundado com todo o tipo de elogios, dizendo-lhe que ela era a mulher mais bela que desenhara em muito tempo.
E soube naquele momento que seria a sua próxima vítima. Naquela mesma noite servira de engodo para o atrair, deixando que a perseguisse na praia. Quando ele a tentara atacar, os reforços chegaram e não tinham tido qualquer dificuldade em detê-lo.
A sua captura tinha sido bastante vulgar. A descoberta de como ele tinha desfeito e mantido as vítimas na arca frigorífica fora outra questão. Estar presente no momento em que a arca fora aberta, resultara numas das experiências mais pungentes da carreira de Riley. Ainda sentia pena das famílias das vítimas, entre elas Gail, por terem tido que identificar as mulheres, filhas e irmãs desmembradas…
“Demasiado belas para viverem,” Tinha dito Caldwell.
Riley sentia-se arrepiada só de pensar que ela fora uma das mulheres que ele vira sob essa perspetiva. Nunca se encarara como bela e raramente os homens, mesmo o ex-marido Ryan, lhe diziam que era. Caldwell tinha sido uma crua e horrível exceção.
O que significaria o facto de um monstro patológico a ter considerado tão perfeitamente adorável? Será que tinha reconhecido nela o que havia de monstruoso nele? Depois do julgamento e condenação, Riley tivera durante algum tempo pesadelos com os seus olhos cintilantes, as suas palavras doces e a sua arca frigorífica repleta de partes de corpos.
A equipa de execução ergueu Caldwell na direção da maca de execução, retiraram as algemas, tiraram as sandálias e amarraram-no com tiras de couro – duas no peito, duas nas pernas, duas à volta dos tornozelos e duas nos pulsos. Os pés nus foram virados na direção da janela o que tornava difícil ver o seu rosto.
De repente, as cortinas das janelas fecharam-se. Riley compreendeu que tal sucedera para esconder a fase da execução em que algo de errado podia acontecer, como por exemplo, a equipa ter dificuldade em encontrar uma veia adequada. Ainda assim, Riley estranhou. As pessoas que ali se encontravam estavam prestes a assistir à morte de Caldwell contudo, não lhes era permitido testemunhar a mundana inserção de agulhas. As cortinas oscilaram ligeiramente, aparentemente deslocadas por um dos membros da equipa que se movimentava do lado de lá.
Quando as cortinas se abriram novamente, os tubos intravenosos estavam colocados, dispostos nos braços do prisioneiro por buracos que passavam as cortinas azuis de plástico. Alguns elementos da equipa de execução estavam atrás dessas cortinas onde administrariam as drogas letais.
Um homem segurava no auscultador do telefone, pronto para receber uma chamada que, com toda a certeza, nunca se realizaria. Outro homem falou com Caldwell, as suas palavras quase inaudíveis graças ao fraco sistema de som. Perguntava a Caldwell se queria pronunciar as suas últimas palavras.
De forma contrastante, a resposta de Caldwell surgiu com uma alarmante clareza.
“A Agente Paige está cá?” Perguntou.
Riley estremeceu ao ouvir aquelas palavras.
O homem não respondeu. Não era uma pergunta que Caldwell tivesse o direito de ver respondida.
Após um momento de silêncio tenso, Caldwell falou novamente.
“Digam à Agente Paige que gostava que a minha arte lhe tivesse feito justiça.”
Apesar de Riley não conseguir ver o seu rosto com clareza, julgou ouvir uma risadinha.
“É tudo,” Disse. “Estou pronto.”
Riley foi inundada por uma onda de raiva, horror e confusão. Não esperava que aquilo pudesse acontecer. Derrick Caldwell tinha dedicado os seus últimos momentos de vida a ela. E sentada ali atrás daquela inquebrantável barreira de vidro, sentiu-se incapaz de fazer fosse o que fosse em relação ao que acabara de ouvir.
Tinha-o levado a prestar contas perante a justiça, mas no final, ele parecia ter alcançado um tipo de vingança estranha e doentia.
Riley sentiu a pequena mão de Gail a apertar a sua.
Meu Deus, Pensou Riley. Ela está a reconfortar-me.
Riley reprimiu a náusea que se apoderava dela.
E então Caldwell proferiu mais algumas palavras.
“Vou sentir quando começar?”
Mas mais uma vez, não obteve qualquer resposta à sua pergunta. Riley viu o fluido mover-se nos tubos intravenosos transparentes. Caldwell respirou fundo várias vezes e pareceu adormecer. O seu pé esquerdo contraiu-se algumas vezes e depois parou.
Um momento depois, um dos guardas apertou ambos os pés e não obteve qualquer reação. Parecia um gesto peculiar. Mas Riley compreendeu que o guarda verificava se o sedativo estava a fazer efeito e se Caldwell estava completamente inconsciente.
O guarda disse qualquer coisa de inaudível às pessoas que estavam atrás da cortina. Riley viu um fluxo renovado de fluido movimentar-se nos tubos intravenosos. Ela sabia que uma segunda droga iria agora atuar para parar o funcionamento dos pulmões. Dali a pouco, uma terceira droga parar-lhe-ia o coração.
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