Riley viu Mitzi, Koreen e Tantra – jovens acompanhantes cujo vestuário respeitável escondia a sua degradação até delas próprias.
Viu Justine, uma prostituta envelhecida debruçada sobre uma bebida num bar, cansada e amarga, completamente preparada para morrer de uma morte horrível.
Viu Chrissy, virtualmente prisioneira do seu marido violento e proxeneta num bordel.
E pior que tudo, viu Trinda, uma menina de quinze anos que já tinha vivido um pesadelo de exploração sexual e que não se conseguia imaginar a ter outra vida.
Riley chegou ao seu gabinete e rapidamente se atirou para uma cadeira. Agora compreendia o seu ataque de repugnância. As imagens que acabara de ver haviam desencadeado aquelas memórias dolorosas. Tinham trazido à superfície as suas mais sombrias dúvidas sobre o caso de Phoenix. É verdade que tinha apanhado um assassino brutal, mas sentia que não fizera justiça às mulheres e raparigas que conhecera. Todo um mundo de exploração permanecia inalterado, impune. Riley não tinha sequer conseguido arranhar a superfície dos males que aquelas mulheres tinham que suportar.
E agora vivia assombrada e perturbada de uma forma que nunca antes lhe sucedera. E parecia-lhe algo bem pior que o SPT. No final de contas, ela podia libertar a sua raiva e horror num ginásio de pugilismo, mas não tinha forma de se livrar daqueles novos sentimentos.
E conseguiria ela trabalhar noutro caso como o de Phoenix?
Ouviu a voz de Bill à porta.
“Riley.”
Ergueu o olhar e viu o seu parceiro a observá-la com uma expressão triste. Segurava na pasta que Meredith lhe tentara dar.
“Preciso de ti neste caso,” Disse Bill. “É pessoal para mim. Não o ter conseguido resolver deixa-me louco. E não consigo deixar de pensar se terei falhado porque o meu casamento estava a desmoronar. Conheci a família da Valerie Bruner. São boas pessoas. Mas não mantive o contacto porque… Bem, porque os desiludi. Tenho que os compensar de alguma forma.”
Bill colocou a pasta em cima da secretária de Riley.
“Lê isto. Por favor.”
E saiu do gabinete de Riley. Ela ali permaneceu sentada, indecisa, a fitar o dossiê.
Nem parecia dela. Ela sabia que tinha que reagir.
Enquanto refletia, lembrou-se de algo relacionado com Phoenix. Tinha conseguido salvar uma rapariga chamada Jilly. Ou pelo menos tinha tentado.
Ligou para o número do abrigo para adolescentes em Phoenix, Arizona. Atendeu uma voz familiar.
“Fala Brenda Fitch.”
Riley ficou contente por Brenda ter atendido a chamada. Tinha estado em contacto com ela no caso de Phoenix.
“Olá Brenda,” Saudou. “Fala Riley. Lembrei-me de perguntar como está a Jilly.”
Jilly era uma menina que Riley tinha salvo do tráfico sexual – uma menina magricela de cabelo negro com treze anos. Jilly tinha como única família um pai violento. Riley ligava de vez em quando para saber como é que ela estava.
Riley ouviu um suspiro do outro lado da linha.
“Que bom ter ligado,” Disse Brenda. “Quem me dera que mais pessoas mostrassem alguma preocupação. A Jilly continua connosco.”
Riley ficou triste. Esperava que algum dia ligasse para o abrigo e lhe fosse dito que a Jilly tinha sido acolhida por uma família adotiva carinhosa. Mas o dia ainda não tinha chegado. Riley ficou preocupada.
Disse, “Da última vez que falámos, receava que tivesse que a mandar para junto do pai.”
“Oh, não, isso já está resolvido. Já temos uma ordem judicial para ele não se aproximar dela.”
Riley suspirou de alívio.
“A Jilly pergunta muitas vezes por si,” Disse Brenda. “Quer falar com ela?”
“Sim, por favor.”
Riley ficou à espera. E enquanto esperava pensou se seria boa ideia falar com Jilly. Sempre que falava com ela, acabava sentindo-se culpada. Não compreendia porque é que se sentia assim. Afinal, tinha salvo Jilly de uma vida de exploração e violência.
Mas tinha-a salvo para quê? Pensava. Com que tipo de vida podia Jilly sonhar?
Finalmente, ouviu a voz de Jilly.
“Olá, Agente Paige.”
“Quantas vezes é que tenho que te dizer para não me chamares isso?”
“Desculpe. Olá Riley.”
Riley deu uma risadinha.
“Olá Jilly. Como estás?”
“Acho que bem.”
O silêncio ocupou a distância entre ambas.
Uma típica adolescente, Pensou Riley. Era sempre difícil convencer Jilly a falar.
“Então, que fazes?” Perguntou Riley.
“Acabei de acordar,” Disse Jilly com uma voz ainda rouca. “Vou tomar o pequeno-almoço.”
Só então Riley se apercebeu que eram menos três horas em Phoenix.
“Desculpa ter ligado tão cedo,” Disse Riley. “Esqueço-me sempre da diferença horária.”
“Não faz mal. Gosto que ligue.”
Riley ouviu um bocejo.
“Então, hoje vais para a escola?” Perguntou Riley.
“Sim. Deixam-nos sair da prisa todos os dias para fazermos isso.”
Era uma piadinha de Jilly, chamar o abrigo de “prisa” como se estivesse numa prisão. Riley não achava piada nenhuma.
Por fim, Riley disse, “Bem, vou deixar-te tomar o pequeno-almoço e preparares-te para a escola.”
“Ei, espere,” Interpelou Jilly.
Outro momento de silêncio se instalou. Pareceu a Riley ouvir Jilly conter um soluço.
“Ninguém me quer, Riley,” Desabafou Jilly, chorando. “As famílias adotivas nunca me querem. Não gostam do meu passado.”
Riley ficou impressionada.
O seu “passado”? Pensou. Meu Deus, como é que uma menina de treze anos pode ter um “passado”? O que é que se passa com as pessoas?
“Lamento,” Disse Riley.
Jilly falava hesitantemente no meio das lágrimas.
“É que… Bem, sabe, é… Quero dizer, Riley, parece que você é a única pessoa que se preocupa.”
Riley sentiu um nó na garganta e os olhos a marejarem de lágrimas. Não conseguiu responder.
Jilly continuou, “Não podia viver consigo? Eu não dou muito trabalho. Tem uma filha, não é? Ela pode ser como uma irmã. Podemos cuidar uma da outra. Tenho saudades suas.”
Riley lutava para conseguir falar.
“Eu… Não me parece que isso seja possível, Jilly.”
“Porque não?”
Riley estava desfeita. A pergunta atingiu-a como uma bala.
“Simplesmente… Não é possível,” Disse Riley.
Ainda ouvia Jilly a chorar.
“Ok,” Respondeu Jilly. “Tenho que ir tomar o pequeno-almoço. Adeus.”
“Adeus,” Disse Riley. “Telefono em breve.”
Jilly desligou o telefone. Riley debruçou-se sobre a secretária com as lágrimas a correrem-lhe pelo rosto. A pergunta de Jilly continuava a ecoar na sua cabeça…
“Porque não?”
Havia milhares de razões. April já lhe dava tanto que fazer. O seu trabalho consumia em demasia o seu tempo e energia. E estaria ela qualificada ou preparada para lidar com as cicatrizes psicológicas de Jilly? É claro que não.
Riley limpou os olhos e endireitou-se na cadeira. Deixar-se levar pela autocomiseração não a ajudaria. Chegara a altura de voltar ao trabalho. Havia raparigas a morrer e elas precisavam dela.
Pegou no dossiê e abriu-o. Chegara o momento, pensou, de regressar à arena?
Mafarrico estava sentado no seu baloiço no alpendre a observar as crianças a circular nos seus fatos de Halloween. Geralmente gostava que lhe viessem bater à porta, mas naquele ano parecia-lhe uma ocasião agridoce.
Quantos destes miúdos vão estar vivos daqui a algumas semanas? Pensou.
Suspirou. Provavelmente nenhum. O prazo limite aproximava-se e ninguém prestava atenção às suas mensagens.
As correias do baloiço do alpendre chiavam. Caía uma chuva leve e quente, e Mafarrico esperava que as crianças não se constipassem. Tinha um cesto com doces no colo e estava a ser muito generoso. Fazia-se tarde e, em breve, não haveria mais crianças.
Читать дальше