O homem gesticulou na direção do capô aberto. “Não percebo nada de carros,” Disse-lhe.
“Nem eu,” Respondeu a mulher.
“Bem, talvez os dois consigamos descobrir o que se passa,” Disse ele. “Não se importa de tentar?”
“De maneira nenhuma, mas não pense que vou ser grande ajuda.”
Ela abriu a porta, saiu do carro e caminhou na direção do homem. Sim, tudo corria na perfeição. Conseguira atraí-la para fora do carro. Mas ainda corria contra o tempo.
“Vamos lá ver isto,” Disse ela, colocando-se ao seu lado e olhando para o motor.
E então o homem compreendeu o que lhe agradara na sua voz.
“Tem um sotaque interessante,” Disse ele. “É Escocesa?”
“Irlandesa,” Declarou agradavelmente. “Só cá estou há dois meses, tenho uma carta verde para trabalhar com uma família.”
Ele sorriu. “Bem-vinda à América,” Disse.
“Obrigada. Até agora estou a adorar.”
Ele apontou para o motor.
“Espere lá,” Disse o homem. “O que é aquilo?”
A mulher inclinou-se para ver melhor. E ele soltou o apoio e bateu o capô contra a sua cabeça com estrondo.
De seguida, abriu o capô, esperando que não tivesse que lhe bater novamente com ele. Felizmente, a mulher já estava inconsciente com o rosto e tronco estirados contra o motor.
Olhou à sua volta. Ninguém à vista. Ninguém vira o sucedido.
Estremeceu com prazer.
Pegou na mulher ao colo, reparando que o rosto e vestido estavam agora manchados com óleo. Era leve como uma pena. Contornou o carro e deitou-a no banco de trás.
E ao fazê-lo teve a certeza de que esta iria servir bem os seus propósitos.
*
Quando Meara começou a recuperar a consciência, ouviu um ruído ensurdecedor. Parecia uma mistura infindável de sons. Gongos, sinos, chilreares e diversas melodias que pareciam sair de dezenas de caixas de música. Todos os sons pareciam deliberadamente hostis.
Abriu os olhos, mas não conseguiu ver nada. A cabeça explodia de dor.
Onde estou? Pensou.
Algures em Dublin? Não, não perdera a noção de tempo. Viera de lá há dois meses e começara a trabalhar mal se instalara. Estava no Delaware. Com algum esforço lembrou-se de ter parado o carro para ajudar um homem. Depois algo acontecera. Algo mau.
Que lugar era aquele com todo aquele ruído horrível?
Apercebeu-se que estava a ser levada ao colo como uma criança. Ouviu a voz do homem que a transportava, uma voz que se sobrepunha ao barulho.
“Não te preocupes, chegámos a tempo.”
Os seus olhos começaram a distinguir o que a rodeava. A sua visão abarcava um inacreditável número de relógios de todos os tamanhos, formas e estilos. Viu gigantescos relógios de pé rodeados de relógios de menores dimensões, alguns relógios de cuco, outros exibindo pequenas paradas de pessoas mecânicas. Espalhados nas prateleiras, avistavam-se ainda relógios mais pequenos.
Estão todos a bater a hora certa, Pensou.
Mas no meio de todo aquele barulho, não conseguia distinguir o número de gongos e sinos.
Virou a cabeça para ver quem a levava. Ele olhou para ela. Sim, era ele – o homem que lhe pedira ajuda na estrada. Tinha sido uma idiota em parar. Caíra na sua armadilha. O que iria ele fazer-lhe?
Quando o ruído dos relógios se diluiu, Meara ficou impossibilitada de ver as coisas que a rodeavam. Não conseguia manter os olhos abertos. Sentiu-se a perder a consciência.
Tens que ficar acordada, Pensou para si.
Ouviu um barulho metálico, depois sentiu que o homem a pousava com cuidado numa superfície fria e dura. Outro barulho se seguiu, seguido de passos e, finalmente, ouviu uma porta a abrir e fechar. A imensidade de relógios continuava o seu persistente tique-taque.
Depois ouviu vozes femininas.
“Está viva.”
“Pior para ela.”
As vozes eram roucas e sussurradas. A custo, Meara conseguiu abrir os olhos. Percebeu que o chão era de cimento. Virou-se dolorosamente e viu três formas humanas sentadas no chão junto a si. Ou pelo menos pensou tratarem-se de seres humanos. Pareciam ser jovens, adolescentes, mas estavam descarnadas, pouco mais do que esqueletos, com os ossos a sobressaírem visivelmente debaixo da pele. Uma parecia quase inconsciente, a cabeça pendurada para a frente e os olhos fixos no chão cinzento. Aquelas figuras lembravam-lhe fotografias que vira de prisioneiros de campos de concentração.
Estariam realmente vivas? Sim, tinham que estar vivas. Acabara de as ouvir falar.
“Onde estamos?” Perguntou Meara.
Mal ouviu a resposta sussurrada.
“Bem-vinda,” Disse uma delas, “ao inferno.”
Riley Paige não se apercebeu do primeiro soco. Ainda assim, os seus reflexos responderam bem. Sentiu o tempo a abrandar quando o primeiro golpe quase a atingiu no estômago. Desviou-se sem problemas. Depois um gancho esquerdo apontava à sua cabeça. Saltou para o lado e esquivou-se. Quando ele se aproximou para lhe acertar com um golpe final no rosto, defendeu-se e o soco atingiu-lhe as luvas.
Depois o tempo retomou o seu ritmo normal. Ela sabia que a combinação de golpes viera em menos de dois segundos.
“Ótimo,” Disse Rudy.
Riley sorriu. Agora Rudy estava mais do que preparado para o seu ataque. Riley sacudia-se, fingia, tentava fazê-lo adivinhar qual seria o seu próximo movimento.
“Não é preciso teres pressa,” Disse Rudy. “Pensa bem. Encara isto como um jogo de xadrez.”
Ela sentiu-se algo aborrecida ao manter o seu movimento lateral. Ele estava a facilitar. Porque é que ele tinha que facilitar?
Mas ela sabia que era indiferente. Esta era a sua primeira vez no ringue de boxe com um opositor real. Até à data, ela testara combinações num saco. Não se podia esquecer que era apenas uma principiante nesta forma de luta. O melhor era mesmo não se apressar.
A ideia de experimentar o boxe fora de Mike Nevins. O psiquiatra forense que colaborava com o FBI, também era um grande amigo de Riley. Tinha-a acompanhado em várias crises pessoais.
Queixara-se recentemente a Mike que tinha dificuldades em controlar os seus impulsos agressivos. Perdia as estribeiras com frequência. Sentia-se no limite.
“Tenta o boxe,” Aconselhara-a Mike. “É uma ótima forma de libertar tensões.”
Naquele momento, ela tinha a certeza absoluta de que Mike tinha razão. Sabia bem pensar com os pés bem assentes na terra, lidar com ameaças reais e não com ameaças imaginárias, e era relaxante lidar com ameaças que não colocavam a sua vida em risco.
Também fora uma boa ideia frequentar um ginásio que a afastasse da sede do FBI em Quantico. Passava demasiado tempo por lá. Era uma mudança bem-vinda.
Mas já perdera demasiado tempo. E conseguia ver no olhar de Rudy que ele se preparava para um novo ataque.
Escolheu mentalmente a sua próxima combinação. Saltou abruptamente na direção do adversário. O seu primeiro golpe foi uma esquerda da qual Rudy se desviou, ripostando com uma direita cuzada que atingiu o seu capacete. Ela respondeu em menos de um segundo com um golpe de direita que ele recebeu com a luva. Rapidamente Riley desferiu um gancho de esquerda do qual ele se desviou guinando para o lado.
“Ótimo,” Disse Rudy outra vez.
Mas a Riley não parecia ótimo. Não tinha conseguido acertar um único golpe, enquanto ele fora bem-sucedido mesmo quando se defendia. Começou a sentir invadir-se por uma onda de irritação. Mas recordou-se do que Rudy lhe dissera logo no início…
“Não esperes acertar muitos golpes. Ninguém acerta muitos. Pelo menos, não no pugilismo.”
Agora observava as suas luvas, adivinhando que desferiria outro ataque. E foi nesse momento que uma estranha transformação sucedeu na sua imaginação
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