Ele pareceu entender o que ela estava dizendo e concordou. “Fico feliz que estejam bem agora”, ele disse. “Posso fazer o café da manhã?”
Chantelle assentiu animadamente foi com Emily para a mesa, esperar pela comida.
“Então”, Daniel disse enquanto se sentava um tempinho depois, com uma pilha de panquecas. “O que vamos fazer hoje, já que as aulas só começam amanhã?”
Emily hesitou. Podia notar que Daniel estava perdido também pela expressão de leve pânico em seu rosto. Nenhum dos dois teve que cuidar de uma criança antes, e ambos sentiam a pressão de garantir que Chantelle se divertisse o máximo possível para compensar o terrível começo que teve na vida.
“Acho que Chantelle gostaria de ir para algum lugar com os cachorros”, Emily disse, olhando para a menina em busca de aprovação.
Chantelle assentiu.
“Tenho uma ideia”, Daniel disse. “Jason e Vanessa levaram sua bebê, Katy, para colher maçãs ontem na Fazenda Outonal. Gostariam de ir?”
“Nunca estive numa fazenda!” Chantelle disse, quase sem fôlego. “Eles têm animais? Eu adoro animais! Porcos são meus favoritos. Lá tem porcos?”
Os olhos de Emily se arregalaram. Nunca tinha ouvido Chantelle dizer tantas palavras de uma só vez. A ideia de passar um tempo com os animais estava lhe fazendo sair da concha.
“Eles têm um pequeno zoo”, Emily disse. “Com coelhos e porquinhos-da-índia”.
“Coelhos!” Chantelle exclamou. “Coelhos são meus favoritos mais favoritos”.
“Bem”, Daniel disse com um sorriso. “Acho que vamos para a Fazenda Outonal hoje”.
*
Mogsy e Chuva latiram, animados, durante todo o trajeto até a Fazenda. Emily e Daniel não os levavam com frequência para lugar nenhum além da praia e do parque, então, percebiam que algo empolgante estava acontecendo. Mas não importava o quanto os cães pareciam felizes, era pouco em comparação à alegria de Chantelle. Durante toda a viagem, ela ficou olhando pela janela com os olhos arregalados, aproveitando a vista das belas ruas alinhadas por árvores, as folhas começando a passar do verde para o laranja. Emily via com gosto a menina admirar, maravilhada, o cenário. Aquecia seu coração saber que a desconectaram do mundo de privação, salvando-a de sua vida terrível, e agora podiam mostrar para ela o quanto o mundo podia ser lindo.
Daniel parou no estacionamento da Fazenda Outonal, que não passava de um campo lamacento. Ja havia muitos carros, apesar de ser cedo; estava claro que todos os pais de Sunset Harbor e região haviam decidido que colher maçãs seria sua última atividade com os filhos antes da volta às aulas.
Enquanto Daniel estacionava, Chantelle rapidamente desafivelou o cinto e agarrou o trinco da porta.
“Calma, não tão rápido”, Daniel disse. “Precisamos pôr a coleira dos cachorros antes ou eles vão fugir, e nunca mais os veremos”.
“Desculpe”, Chantelle disse, enterrando sua cabeça entre os ombros, envergonhada.
Daniel olhou para Emily com um olhar suplicante. Ela apenas meneou a cabeça, comunicando silenciosamente para ele que não deviam exagerar as coisas, que não havia nada que pudessem fazer para a menina se sentir melhor, e que amor, tempo e paciência eram as únicas coisas que poderiam ensinar a Chantelle a não se sentir envergonhada de si mesma. Ela se sentiu mal por Daniel, por sua aparente falta de intuição nessas situações. Ele parecia tão deslocado às vezes, e ainda assim Emily sentiu que estava assumindo a maternidade com toda a naturalidade.
Emily prendeu as coleiras dos animais e todos saíram do carro. No lugar, havia muitas crianças rindo e brincando, correndo em círculos ao redor dos pais. Enquanto caminhavam para a entrada da Fazenda, cercados por outras famílias conversando, Emily teve uma súbita revelação ao perceber o quanto sua vida havia se mudado no último ano. Havia passado da espera de sete longos anos por um anel de Ben ao que começava a sentir ser o melhor relacionamento de sua vida.
“Vamos, Emily!” Chantelle gritou.
Ela levantou os olhos, saindo de suas divagações, e viu Chantelle e Daniel no quiosque, esperando para pegar sua cesta e colher maçãs. A menina puxava a mão de Daniel, assim como Chuva puxava sua coleira. Daniel estava rindo de uma maneira que Emily nunca tinha visto antes. Ele estava claramente muito feliz por estar com Chantelle, por estar ali, como uma família.
Emily apertou o passo até eles e pegou a outra mão da menina. Chegaram no quiosque e pegaram sua cesta, e então seguiram até o pomar.
“Vamos achar as maçãs mais vermelhas e suculentas”, Emily disse a Chantelle, num sussurro animado. “Aposto que estão mais para trás, nos fundos da plantação”.
Chantelle assentiu com olhos arregalados, animada com o tom conspiratório de Emily.
Emily olhou para Daniel. Ele a fitava com um sorriso largo e olhos que revelavam orgulho. Emily corou.
Quando começaram a encher suas cestas com suculentas maçãs, Emily percebeu que não se divertia tanto há anos. Daniel também estava rindo como um menino. Corria, pegava a filha nos braços e a girava, levantando-a no ar para pudesse alcançar os galhos mais altos. Emily nunca havia visto o lado brincalhão de Daniel. Vê-lo assim agora era uma alegria preciosa.
“Isto é divertido, não é?” Daniel disse, sem fôlego, enquanto corria até Emily.
“Acho que não me divirto tanto desde que era criança”, Emily replicou.
“Nem eu”, Daniel disse.
Uma onda de bem-estar passou pelo corpo de Emily. De algum modo, ter Chantelle com eles estava curando as feridas de suas próprias vidas traumáticas.
*
Depois de colherem maçãs, Emily decidiu que Chantelle precisava de roupas novas. A menina não podia dormir com as roupas de Daniel toda noite, sobretudo porque o inverno se aproximava. Precisava de pijamas e roupas de baixo, um casaco, luvas e roupas para a escola. Havia trazido uma mochila muito pequena, com poucas coisas, e Emily teria que comprar praticamente um guarda-roupa inteiro.
“Só as meninas podem ir”, Chantelle disse, quando chegaram no carro.
Emily sabia que o comentário magoaria Daniel, especialmente depois de se divertirem tanto na fazenda. Ver que agora Chantelle preferia excluí-lo era confuso e doloroso. E apesar de Emily notar que ele não queria perder essa oportunidade de se ligar à filha, ao mesmo tempo não queria ir contra a vontade de Chantelle e forçá-la a fazer algo que não queria.
Emily baixou os olhos para a menina, apertando bem sua mão. “Seu pai não tem muita noção de moda, tem?” brincou, tentando descontrair.
Chantelle começou a rir.
“Acho que vou deixar as duas fazerem compras sozinhas então”, Daniel falou, resignado.
“Vamos dar um show de moda pra você quando chegarmos em casa”, Emily disse, tentando levantar o ânimo de todos, incluindo-o na programação.
Emily e Chantelle se despediram de Daniel e dos cães, e então começaram a caminhar por Sunset Harbor. Não havia muitas lojas de roupas infantis na cidade, apesar de Emily conhecer uma que ficava escondida numa rua lateral e que vendia roupas vintage e infantis. Já podia imaginar como Chantelle ficaria linda em um sobretudo no estilo vitoriano, apesar de temer que a menina achasse o estilo meio ultrapassado. Emily não tinha ideia do que as crianças usavam hoje em dia.
Elas viraram numa rua lateral e entraram na loja.
“Se você não gostar das roupas que eu escolher, é só me dizer”, Emily disse a ela. “Não quero que vista nada que não goste ou que não seja confortável”.
Emily queria que Chantelle se misturasse com as crianças que encontraria na escola. Ela já estava em desvantagem, com uma infância tão negligenciada; a última coisa que Emily queria agora era que fosse excluída por causa de suas roupas!
Читать дальше