Beijos de amor que vão de boca em boca,
Como pobres que vão de porta em porta!...
O vento passa a rir, torna a passar,
Em gargalhadas asp'ras de demente;
E esta minh'alma trágica e doente
Não sabe se há de rir, se há de chorar!
Vento de voz tristonha, voz plangente,
Vento que ris de mim, sempre a troçar,
Vento que ris do mundo e do amar,
A tua voz tortura toda a gente!...
Vale-te mais chorar, meu pobre amigo!
Desabafa essa dor a sós comigo,
E não rias assim!... Ó vento, chora!
Que eu bem conheço, amigo, esse fadário
Do nosso peito ser como um Calvário,
E a gente andar a rir p'la vida fora!!...
Passo pálida e triste. Oiço dizer
«Que branca que ela é! Parece morta!»
E eu que vou sonhando, vaga, absorta,
Não tenho um gesto, ou um olhar sequer...
Que diga o mundo e a gente o que quiser!
— O que é que isso me faz?... O que me importa?...
O frio que trago dentro gela e corta
Tudo que é sonho e graça na mulher!
O que é que isso me importa?! Essa tristeza
É menos dor intensa que frieza,
É um tédio profundo de viver!
E é tudo sempre o mesmo, eternamente...
O mesmo lago plácido, dormente...
E os dias, sempre os mesmos, a correr...
Tenho ódio à luz e raiva à claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.
Parece que a minh'alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!
Ó minha vã, inútil mocidade
Trazes-me embriagada, entontecida!...
Duns beijos que me deste, noutra vida,
Trago em meus lábios roxos, a saudade!...
Eu não gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!
Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim!...
Aqueles que me têm muito amor
Não sabem o que sinto e o que sou...
Não sabem que passou, um dia, a Dor,
À minha porta e, nesse dia, entrou.
E é desde então que eu sinto este pavor,
Este frio que anda em mim, e que gelou
O que de bom me deu Nosso Senhor!
Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!
Sinto os passos da Dor, essa cadência
Que é já tortura infinda, que é demência!
Que é já vontade doida de gritar!
E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,
A mesma angústia funda, sem remédio,
Andando atrás de mim, sem me largar!...
É triste, diz a gente, a vastidão
Do Mar imenso! E aquela voz fatal
Com que ele fala, agita o nosso mal!
E a Noite é triste como a Extrema Unção!
É triste e dilacera o coração
Um poente do nosso Portugal!
E não veem que eu sou... eu... afinal,
A coisa mais magoada das que o são?!...
Poentes de agonia trago-os eu
Dentro de mim e tudo quanto é meu
É um triste poente de amargura!
E a vastidão do Mar, toda essa água
Trago-a dentro de mim num Mar de Mágoa!
E a Noite sou eu própria! A Noite escura!!
Se os que me viram já cheia de graça
Olharem bem de frente para mim,
Talvez, cheios de dor, digam assim:
«Já ela é velha! Como o tempo passa!...»
Não sei rir e cantar por mais que faça!
Ó minhas mãos talhadas em marfim,
Deixem esse fio de oiro que esvoaça!
Deixem correr a vida até ao fim!
Tenho vinte e três anos! Sou velhinha!
Tenho cabelos brancos e sou crente...
Já murmuro orações... falo sozinha...
E o bando cor de rosa dos carinhos
Que tu me fazes, olho-os indulgente,
Como se fosse um bando de netinhos...
O meu Destino disse-me a chorar:
«Pela estrada da Vida vae andando;
E, aos que vires passar, interrogando
Acerca do Amor que hás de encontrar.»
Fui pela estrada a rir e a cantar,
As contas do meu sonho desfiando...
E noite e dia, à chuva e ao luar,
Fui sempre caminhando e perguntando...
Mesmo a um velho eu perguntei: «Velhinho,
Viste o Amor acaso em teu caminho?»
E o velho estremeceu... olhou... e riu...
Agora pela estrada, já cansados
Voltam todos p'ra traz, desanimados...
E eu paro a murmurar: Ninguém o viu!...»
Disseram-me hoje, assim, ao ver-me triste:
«Parece Sexta Feira de Paixão.
Sempre a cismar, cismar, de olhos no chão,
Sempre a pensar na dor que não existe...
O que é que tem?! Tão nova e sempre triste!
Faça por 'star contente! Pois então?!...»
Quando se sofre o que se diz é vão...
Meu coração, tudo, calado ouviste...
Os meus males ninguém mos adivinha...
A minha Dor não fala, anda sozinha...
Dissesse ela o que sente! Ai quem me dera!...
Os males de Anto toda a gente os sabe!
Os meus... ninguém... A minha Dor não cabe
Nos cem milhões de versos que eu fizera!...
Irmã; Sóror Saudade, ah! se eu pudesse
Tocar de aspiração a nossa vida,
Fazer do mundo a Terra Prometida
Que ainda em sonho às vezes me aparece!
Américo Durão
II n'a pas à se plaindre celui qui attend
Un sentiment plus ardent et plus généreux.
II n'a pas à se plaindre celui qui attend
Le désir d'un peu plus de bonbeur, d'un
Peu plus de beauté, d'un peu plus de justice.
Maeterlinck - La Sagesse et la Destinée
A Américo Durão
Irmã, Sóror Saudade me chamaste...
E na minh'alma o nome iluminou-se
Como um vitral ao sol, como se fosse
A luz do próprio sonho que sonhaste.
Numa tarde de Outono o murmuraste,
Toda a mágoa do Outono ele me trouxe,
Jamais me hão de chamar outro mais doce.
Com ele bem mais triste me tornaste...
E baixinho, na alma da minh'alma,
Como bênção de sol que afaga e acalma,
Nas horas más de febre e de ansiedade,
Como se fossem pétalas caindo
Digo as palavras desse nome lindo
Que tu me deste: "Irmã, Sóror Saudade..."
A A.G.
Livro do meu amor, do teu amor,
Livro do nosso amor, do nosso peito...
Abre-lhe as folhas devagar, com jeito,
Como se fossem pétalas de flor.
Olha que eu outro já não sei compor
Mais santamente triste, mais perfeito
Não esfolhes os lírios com que é feito
Que outros não tenho em meu jardim de dor!
Livro de mais ninguém! Só meu! Só teu!
Num sorriso tu dizes e digo eu:
Versos só nossos mas que lindos sois!
Ah, meu Amor! Mas quanta, quanta gente
Dirá, fechando o livro docemente:
"Versos só nossos, só de nós os dois!..."
És Aquela que tudo te entristece
Irrita e amargura, tudo humilha;
Aquela a quem a Mágoa chamou filha;
A que aos homens e a Deus nada merece.
Aquela que o sol claro entenebrece
A que nem sabe a estrada que ora trilha,
Que nem um lindo amor de maravilha
Sequer deslumbra, e ilumina e aquece!
Mar-Morto sem marés nem ondas largas,
A rastejar no chão como as mendigas,
Todo feito de lágrimas amargas!
És ano que não teve Primavera...
Ah! Não seres como as outras raparigas
Ó Princesa Encantada da Quimera!...
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