O ver o teu olhar faz bem à gente...
E cheira e sabe, a nossa boca, a flores
Quando o teu nome diz, suavemente...
Pequenina que a Mãe de Deus sonhou,
Que ela afaste de ti aquelas dores
Que fizeram de mim isto que sou!
A um grande poeta de Portugal
Na vida, para mim, não há deleite.
Ando a chorar convulsa noite e dia...
E não tenho uma sombra fugidia
Onde poise a cabeça, onde me deite!
E nem flor de lilás tenho que enfeite
A minha atroz, imensa nostalgia!...
A minha pobre Mãe tão branca e fria
Deu-me a beber a Mágoa no seu leite!
Poeta, eu sou um cardo desprezado,
A urze que se pisa sob os pés.
Sou, como tu, um riso desgraçado!
Mas a minha tortura inda é maior:
Não ser poeta assim como tu és,
Para gritar num verso a minha Dor!...
A Flor do Sonho alvíssima, divina
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnólia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruina.
Pende em meio seio a haste branda e fina
E não posso entender como é que, enfim,
Essa tão rara flor abriu assim!...
Milagre... fantasia... ou talvez, sina...
Ó Flor que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles são tristes pelo amor de ti?!...
Desde que em mim nasceste em noite calma,
Voou ao longe a aza da minh'alma
E nunca, nunca mais eu me entendi...
A Noite vem poisando devagar
Sobre a terra que inunda de amargura...
E nem sequer a benção do luar
A quis tornar divinamente pura...
Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura...
E eu oiço a Noite imensa soluçar!
E eu oiço soluçar a Noite escura!
Porque és assim tão 'scura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó Noite, em ti existe
Uma Saudade igual à que eu contenho!
Saudade que eu nem sei donde me vem...
Talvez de ti, ó Noite!... Ou de ninguém!...
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!!
Tortura do pensar! Triste lamento!
Quem nos dera calar a tua voz!
Quem nos dera cá dentro, muito a sós,
Estrangular a hidra num momento!
E não se quer pensar!... E o pensamento
Sempre a morder-nos bem, dentro de nós...
Qu'rer apagar no Ceu — Ó sonho atroz! —
O brilho duma estrela, com o vento!...
E não se apaga, não... nada se apaga!
Vem sempre rastejando como a vaga...
Vem sempre perguntando. «O que te resta?...»
Ah! não ser mais que o vago, o infinito!
Ser pedaço de gelo, ser granito,
Ser rugido de tigre na floresta!
Deixa-me ser a tua amiga, Amor;
A tua amiga só, já que não queres
Que pelo teu amor seja a melhor
A mais triste de todas as mulheres.
Que só, de ti, me venha mágoa e dor
O que me importa a mim?! O que quiseres
É sempre um sonho bom! Seja o que for
Bendito sejas tu por mo dizeres!
Beija-me as mãos, Amor, devagarinho...
Como se os dois nascêssemos irmãos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho...
Beija-mas bem!... Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mãos,
Os beijos que sonhei p’ra minha boca!...
Eu qu'ria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu qu'ria ser a pedra que não pensa,
A Pedra do caminho, rude e forte!
Eu qu'ria ser o Sol, a luz intensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu qu'ria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vão e até da morte!
Mas o Mar também chora de tristeza...
As Árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!
E o Sol altivo e forte, ao fim dum dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras... essas... pisa-as toda a gente!...
Sou velha e triste. Nunca o alvorecer
Dum riso são andou na minha boca!
Gritando que me acudam, em voz rouca,
Eu, naufraga da Vida, ando a morrer!
A Vida que ao nascer enfeita e touca
De alvas rosas, a fronte da mulher,
Na minha fronte mística de louca
Martírios só poisou a emurchecer!
E dizem que sou nova... A mocidade
Estará só, então, na nossa idade,
Ou está em nós e em nosso peito mora?!...
Tenho a pior velhice, a que é mais triste,
Aquela onde nem sequer existe
Lembrança de ter sido nova... outrora...
No silêncio de cinzas do meu Ser
Agita-se uma sombra de cipreste.
Sombra roubada ao livro que ando a ler,
A esse livro de mágoas que me deste.
Estranho livro aquele que escreveste
Artista da saudade e do sofrer!
Estranho livro aquele em que puseste
Tudo o que eu sinto, sem poder dizer!
Leio-o e folheio, assim, toda a minh'alma!
O livro que me deste é meu e salma
As orações que choro e rio e canto!...
Poeta igual a mim, ai quem me dera
Dizer o que tu dizes!... Quem soubera
Velar a minha Dor desse teu manto!...
Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!
Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente...
Talvez sejas a alma, alma doente
De alguém que quis amar e nunca amou!
Toda a noite choraste... e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!
Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh'alma
Que chorasse perdida em tua voz!...
«Bendita seja a Mãe que te gerou.»
Bendito o leite que te fez crescer.
Bendito o berço aonde te embalou
A tua ama, p'ra te adormecer!
Bendita essa canção que acalentou
Da tua vida o doce alvorecer...
Bendita seja a lua que inundou
De luz, a terra, só para te ver...
Benditos sejam todos que te amarem,
As que em volta de ti ajoelharem,
Numa grande paixão fervente e louca!
E se mais que eu, um dia, te quiser
Alguém, bendita seja essa Mulher,
Bendito seja o beijo dessa boca!!
Tardes da minha terra, doce encanto,
Tardes duma pureza de açucenas,
Tardes de sonho, as tardes de novenas,
Tardes de Portugal, as tardes de Anto.
Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!...
Horas benditas, leves como penas,
Horas de fumo e cinza, horas serenas,
Minhas horas de dor em que eu sou santo!
Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,
Que poisam sobre duas violetas,
Azas leves cansadas de voar...
E a minha boca tem uns beijos mudos...
E as minhas mãos, uns pálidos veludos,
Traçam gestos de sonho pelo ar...
Tudo é vaidade neste mundo vão...
Tudo é tristeza; tudo é pó, é nada!
E mal desponta em nós a madrugada,
Vem logo a noite encher o coração!
Até o amor nos mente, essa canção
Que o nosso peito ri à gargalhada,
Flor que é nascida e logo desfolhada,
Pétalas que se pisam pelo chão!...
Beijos de amor! P'ra quê?!... Tristes vaidades!
Sonhos que logo são realidades,
Que nos deixam a alma como morta!
Só acredita neles quem é louca!
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