Saša Robnik - Justiça Executada
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Podem os mortos implorar pelo perdão de sua culpa e desejar vingança contra seus malfeitores? Podem os vivos buscar vingança no pós-vida? As respostas são oferecidas em eventos aparentemente diferentes, conectados pela rede de fúria fria, culpa insuportável e remorso sem limites.
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Saša Robnik
Justiça executada
traduzido por Leonardo Oliveira Pestana De Aguiar
copyright @ Saša Robnik, 2021
Poço K -14, Azra
Eu pago a conta, visto meu casaco e saio do lugar dos preguiçosos e condenados. Suas vozes persistem enquanto eu caminho pela noite ao longo da calçada molhada. A luz de néon do pub se mistura com meus passos no concreto.
A noite é perfeita como o sorriso de uma criança recém-nascida. Eu inalo tanto quanto meus pulmões podem aguentar e é reconfortante que o ar escuro expulse os venenos que permearam meu corpo no bar, mas eu sabia e ainda sei: não há veneno maior do que o arrependimento e a culpa que me assombram. O álcool não é uma cura, apenas um paliativo para a agonia que desolava o ser interior e ainda assim, o álcool te faz esquecer por um momento se você não está sozinho e se estiver, só intensifica o veneno a cada gole.
Quando destranco a porta e acendo a luz, o corredor me cumprimenta com seu vazio e sua lâmpada nua, cuja luz torna tudo estranho. Pendurando o casaco e tirando os sapatos, hesito, sabendo que está lá, à espreita, muitas vezes no quarto, às vezes na cozinha, raramente no banheiro, mas quase sempre na sala de estar.
Lá está ele, com seu casaco verde, calça branca e boné na cabeça, parado em um canto, de frente para a parede. Sempre virado para a parede, nunca vi seu rosto. Às vezes eu quero, mas simplesmente não consigo fazer com que ele se vire e não tenho coragem de tocá-lo. O medo do desconhecido é mais forte do que minha vontade.
Seu nome é conhecido por mim, Deus é testemunha de que implorei cem vezes a ele que me olhasse nos olhos, mas todas as vezes acabou sendo em vão.
Eu me sento no sofá e ligo a televisão. As imagens na tela e a voz do locutor fogem da minha consciência. A luz da tela ilumina a sala de estar onde estou sentado incapaz de fazer qualquer coisa, enquanto minha memória salta de como era para como poderia ter sido. Um destino doentio se tornou minha culpa. E dele. Nossa.
Há muito tempo deixei de notar o cheiro ao redor dele, o cheiro forte e pungente de carvão e poeira, típico de todo mineiro, agora enche minhas narinas e traz lembranças. Eu as rejeito, elas são indesejadas. Os comerciais se alternam na tela e o cansaço me domina. Mal posso esperar para adormecer, o sono traz alívio e esquecimento que desaparecem em um piscar de olhos, entre a escuridão e o despertar. E quando meus cílios se fecham e o sono me envolve, ouço-o chorar. Soluçando e chorando. É assim que ele se despede de mim todas as noites.
O despertador me acorda. Devagar e sem pressa, eu me preparo para o trabalho, mesmo assim eu nunca me atraso. O cheiro de café e o sol entrando pelas cortinas entreabertas me trazem um novo dia. Ele desapareceu daquele canto, provavelmente está no corredor. Desligo o fogão, pego minha xícara, volto para o sofá e estico o pescoço. Lá está ele, começando a sussurrar contra a parede, rápido e ininteligível. Acendo um cigarro e aumento o volume. Dizem que vai ser um bom dia, sem neve.
Após algumas tentativas, o motor se força a sair da hibernação gelada. Com uma enorme pressão no pedal, ele consegue. Eu o deixo parado e saio para raspar o gelo do para-brisa. Enquanto meus dedos se contraem com o frio, meu olhar vai para a janela do quarto andar, e me parece que posso ver sua silhueta, iluminada pelo sol de inverno, e tenho certeza que ele está me observando, escondido atrás da cortina cinza.
Saio do carro e encontro meus aprendizes, meninos recém-saídos da escola. Eles estão tomando café e conversando sobre o Ano Novo. Ouvi dizer que eles têm planos com algumas garotas, rindo jovens e felizes.
Depois de me cumprimentar educadamente, eles me servem uma xícara de café com uma expressão curiosa em seus rostos. Eu aceno com a cabeça e mando Goran para o escritório. Ele volta com uma garrafa de licor e copos, serve a todos e brindamos o novo ano.
- Outra? - Eles são todos bons meninos, balançam a cabeça e começam a falar sobre trabalho, então eu distribuo as tarefas. Ivica vai fazer uma vistoria no VW Golf, o dono está impaciente, ele tem que dirigir até Belgrado. O Peugeot, que está no macaco desde a noite passada, é atribuído a Goran. Ele tem que trocar os pedais do freio e os cabos do freio de mão. O Fiat eu mesmo assumirei, assim que Boris remover a cabeça do motor. Ele vai trabalhar sozinho, mas eu o supervisiono. É um trabalho preciso, ele deve montar a correia de transmissão e posicioná-la corretamente para que não escorregue e quebre as válvulas.
Finalmente Stojan chega. Não estou bravo com ele por estar atrasado, o rapaz mora bem longe da oficina. Sem uma palavra, começam a trabalhar nas tarefas. Como dito, são bons meninos.
As canções populares do rádio enchem a oficina. Os meninos gostam de ouvir música enquanto trabalham, não há do que reclamar. Às vezes eu não ouço o telefone no escritório, mas não há como tudo ser perfeito. Eu lhes dou esta pequena alegria que acompanha a juventude e não tenho direito de tirá-la deles.
Da mesma forma que foi tirada de mim.
- Bom dia, patrão! - Uma voz desconhecida ecoa pela oficina. Eu me viro e deixo Boris terminar o trabalho sozinho, minha supervisão não é mais necessária, a tampa da válvula pode ser colocada por ele.
Eu cumprimento o recém-chegado e dou uma olhada rápida nele. Cigano, jovem. Os ciganos são bons clientes, apreciam um bom trabalho e sempre deixam gorjeta. Atrás dele eu vejo um Fiat antigo que chocalha irregularmente no ponto morto e me pergunto como o carro ainda consegue andar.
O carro me encara de forma ameaçadora com seu farol duplo, provocando uma inundação de memórias que me levaram aos bares, entre pessoas e bebidas, procurando uma fuga. Meu coração bate mais rapidamente enquanto eu me aproximo. Isto não pode ser, isto simplesmente não pode ser, grita cada poro do meu ser. Como se o próprio diabo tivesse levado este veículo à oficina, apreciado a cena e me tivesse advertido de que não há como esquecer.
As laterais estão podres, a pintura embotada e as bordas corroídas. O para-lama dianteiro e o parachoque foram substituídos. Uma carroçaria torta e danificada contava histórias de falta de atenção e manutenção porca. Tomei nota de tudo isso inconscientemente, os anos como mecânico me guiaram sistematicamente mas também trouxeram memórias. Como se de longe, o cigano fala com uma voz suplicante sobre o motor de arranque, sobre empurrar o carro, sobre miséria e a véspera do Ano Novo. Sua voz se perde na enxurrada de raiva, memórias e arrependimentos.
Abro a porta e examino o interior. Os mesmos estofados estão nos assentos, intocados todos esses anos. Um grande arranhão no painel, uma bola branca com pontos pretos na marcha, e um adesivo da Smurfette sob o rádio.
O adesivo que eu tinha colocado há muito tempo.
Nuvens escuras começam a girar na frente dos meus olhos e o sangue ferve em meus ouvidos. Respiro fundo e me viro para o cigano enquanto ele ainda fala:
- ... É difícil, meu amigo, não podemos mais empurrar o carro, eu te imploro, não importa qual seja o preço...
- Não - o grito sai espontaneamente, eu não quero olhar para ele ou o carro, me causa muita dor.
Ele me encara assustado.
- Tire esse carro daqui, agora! Eu não trabalho com latas velhas! - Eu grito e dou as costas para ele. Os meninos estão parados na entrada da oficina com ferramentas nas mãos, surpreendidos pela minha repugnância.
Então eu corro para o escritório, em direção à garrafa. Atrás de mim, o cigano xinga, entra no carro e vai embora.
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