Fiora escutava a noite. O vento levantara-se, trazendo com ele os ruídos da cidade que não acalmaria tão cedo. Conseguia ver as luzes instáveis e os fumos leves que, apertados na cintura da muralha, evocavam a cratera de um vulcão que desperta... Era a sua morte que pediam lá em baixo e ela bem podia perder qualquer esperança de regresso. No entanto, a despeito do que sofrera, as raízes do seu coração permaneceriam mergulhadas na cidadela da Flor-de-lis Vermelha. A voz de Lourenço, que segurava ainda as rédeas do cavalo, chegou-lhe como que num sonho...
Não me dizes adeus, Fiora? Mesmo que me detestes, quero que saibas que nada será como dantes. Tu levas um pouco da beleza desta cidade...
Adeus, senhor Lourenço! Se amas a beleza da tua cidade, vela por Simonetta Vespucci... não vás perdê-la também... disse ela, lembrando-se da profecia de Demétrios.
Que importa Simonetta! Não é a mim que ela ama... e tu, agora, parece-me que poderia ter-te amado...
O Magnífico entregou-lhe as rédeas e ela pegou nelas com mão firme. Na obscuridade, ela viu brilhar os olhos escuros de Lourenço e, subitamente, obedecendo a um impulso, inclinou-se e, por um curto instante, pousou os lábios nos do Magnífico.
Nesse caso, lembra-te de mim, monsenhor!
Ela ia afastar-se; ele reteve o cavalo com uma força que a sua magra silhueta não permitia suspeitar.
Quem me deu esse beijo? Foi Fiora Beltrami, ou foi a dama de Selongey?
Nem uma, nem outra. Foi uma filha desta terra. Uma florentina... uma simples florentina!
E porque não queria que ele visse as lágrimas que lhe subiam aos olhos, ela deu a volta ao cavalo e partiu a galope pela longa alameda de ciprestes, mas, chegada ao fundo, reteve o animal para esperar pelos seus companheiros. Demétrios foi o primeiro a chegar até ela.
Temos de ir apanhar a estrada de Prato disse ele com a sua voz baixa e tranquilizadora É preciso passar pelas colinas... Deixa-me guiar-te!
Ela sorriu-lhe:
Desde que me leves onde eu quero ir!... Hieronyma escapou, mas um dia hei-de encontrá-la. Entretanto, temos outras contas a ajustar.
Para sentir mais uma vez o ar das colinas nos cabelos, a jovem tirou o capuz e levantou a cabeça. A noite estava bela e doce, cheia de todos os odores da Primavera. Uma noite feita para a felicidade e que, no entanto, era para ela a noite do exílio... Tornado ainda mais agudo pela distância, o sino do convento de Fiesole tocou para o último ofício da noite. Fiora fechou os olhos para melhor gravar o eco na sua memória. Ao mesmo tempo, a sua mão procurou por baixo do gibão o anel de ouro que tinha retomado o seu lugar no fio:
Philippe murmurou ela para si própria e tão baixo que nem o vento a ouviu Philippe... por que voltaste?
Saint-Mandé, 1 de Maio de 1988.