Isaac Asimov
As correntes do espaço
Para DAVID,
que pegou este tempo chegando,
embora valesse esperar.
O homem da Terra tomou uma decisão. Tardou a surgir e a se desenvolver, mas estava aqui.
Semanas haviam se passado desde que sentira o confortante convés de sua nave e o manto frio, escuro, do espaço sobre si. Originalmente, planejara um rápido relatório para o posto local do Departamento Analítico-espacial Interstelar e uma retirada mais rápida para o espaço. Em vez disso, tinha sido mantido aqui.
Era quase como uma prisão.
Sorveu seu chá e olhou para o homem do outro lado da mesa.
— Não fico mais aqui — disse.
O outro homem tomou uma decisão. Tardou a surgir e a se desenvolver, mas estava aqui. Ele precisaria de tempo, muito mais tempo. A resposta às primeiras letras tinha sido nula. Poderiam ter caído numa estrela, por tudo que tinham realizado.
Não havia nada mais além do que tinham esperado, ou, mais precisamente, não menos. Mas era somente o primeiro movimento.
Era certo que, enquanto os futuros movimentos se desenvolviam, poderia não permitir que o homem da Terra se esgueirasse para fora. Tocou a lisa barra negra em seu bolso.
— Você não estima a delicadeza do problema — disse.
— O que há de delicado na destruição de um planeta? — disse o terráqueo. — Quero que você transmita os detalhes para todos em Sark; para todos do planeta.
— Não podemos fazer isso. Você sabe que resultaria em pânico.
— Você disse que o faria.
— Refleti e realmente não é prático.
O terráqueo tomou a se queixar: — O delegado do DAI não chegou.
— Eu sei. Estão ocupados com a organização de procedimentos adequados para esta crise. Mais um dia ou dois.
— Mais um dia ou dois! Sempre mais um dia ou dois! São tão ocupados que não podem me dispensar a atenção por um momento? Não têm mesmo visto meus cálculos.
— Ofereci-me para levar-lhes seus cálculos. Você não quis.
— E ainda não quero. Podem vir a mim ou eu a eles — completou violentamente. — Eu não acho que acreditem em mim. Vocês não acreditam que Florina será destruída.
— Eu acredito em você.
— Não, eu sei, você não. Sei que você não acredita. Está sendo indulgente comigo. Você não pode acreditar em meus dados. Você não é um analista espacial. E não posso imaginar o que você seja. Quem é você?
— Você está muito excitado.
— Sim, estou. Surpreendente? Ou você na verdade está pensando: Pobre diabo, o espaço acabou com ele. Você pensa que eu estou louco
— Bobagem.
— Certamente que acha. Isto porque eu quero ver o DAI. Eles saberão se estou louco ou não. Eles saberão.
O outro homem lembrou-se de sua decisão. — Agora você não está se sentindo bem. Vou ajudá-lo — disse.
— Não, não vai — gritou histericamente o terráqueo — porque eu estou indo embora. Se quiser me deter, mate-me, a não ser que você não ouse. O sangue do povo de todo um mundo estará em suas mãos, se ousar.
O outro homem começou a gritar, também, para fazer-se ouvir.
— Eu não vou matá-lo. Ouça-me, não vou matá-lo. Não há necessidade disso.
— Você vai me amarrar — disse o terráqueo. — Vai manter-me aqui. É nisso que você está pensando? E o que vai fazer quando o DAI começar a procurar por mim? Eu devo mandar relatórios regulares, você sabe.
— O Departamento sabe que você está a salvo comigo.
— Eles sabem? Imagino que sabem que atingi finalmente o planeta. Imagino se receberam minha mensagem original. — O terráqueo estava atordoado, os membros rígidos.
O outro homem levantou-se. Era óbvio para ele que sua decisão não viera muito rápido. Caminhou lentamente em torno da longa mesa, na direção do terráqueo.
Disse calmamente: — Será para seu próprio bem. — Tirou a barra negra do bolso.
O terráqueo falou, melancólico: — Isto é uma sonda psíquica. — Suas palavras soavam indistintas, e quando tentou levantar-se, seus braços e suas pernas tremeram visivelmente.
Disse, entre dentes rigidamente cerrados: — Vai drogar-me!
— Sim — concordou o outro. — Agora veja, eu não vou machucá-lo. É difícil para você entender a verdadeira delicadeza do problema enquanto está assim excitado e ansioso em relação a ele. Só vou eliminar a ansiedade. Somente a ansiedade.
O terráqueo não mais podia falar. Podia somente sentar-se. Podia somente pensar, entorpecido: “Grande Espaço, fui drogado”. Queria gritar e urrar e correr, mas não podia.
O outro havia dominado o terráqueo, agora. Parou, olhando para ele. O terráqueo fitou-o. Seus olhos ainda podiam se mover.
A sonda psíquica era uma unidade independente. Seus cabos precisavam somente ser fixados aos lugares adequados em seu crânio. O terráqueo permaneceu em pânico até que os músculos de seus olhos congelaram. Não sentiu a picada quando os cursores finos e pontiagudos sondaram e penetraram pele e carne para fazer contato com as suturas dos ossos de seu crânio.
Gritava e gritava no silêncio de sua mente. Berrava: “Não, você não entende. É um planeta superpovoado. Não percebe que não pode arriscar a vida de centenas de milhões de pessoas?”
As palavras do outro homem eram confusas e distantes, ouvidas do outro extremo de um longo túnel vazio. — Não vou machucá-lo. Mais tarde você se sentirá bem, realmente bem. Estará rindo de tudo isto comigo.
O terráqueo sentiu a fina vibração em seu crânio e que também enfraquecia.
A escuridão se adensou e caiu sobre ele. Uma parte dela nunca foi removida. Passou-se um ano para que a outra parte dela fosse removida
Rik pôs no chão o seu alimentador e pulou a seus pés. Estava tremendo tanto que tinha que se apoiar na nua parede branco-leitosa.
— Eu me lembro! — gritou.
Olharam para ele e o murmúrio resoluto dos homens que estavam almoçando esmoreceu um pouco. Olhos encontraram os seus, de rostos indiferentemente limpos e indiferentemente barbeados, cintilantes e brancos na imperfeita luminosidade da parede. Os olhos refletiam nenhum grande interesse, meramente a atenção reflexa compelida por qualquer grito repentino e inesperado.
— Eu me lembro do meu trabalho. Eu tinha um emprego! — gritou Rik novamente.
Alguém falou: — Calessaboca! — e mais alguém gritou: — Sentaí!
Os rostos voltaram-se, o murmúrio cresceu novamente. Rik fixou o olhar estupidamente ao longo da mesa. Ouviu o comentário
— Rik Louco — e viu meneios de ombros. Viu um dedo descrever uma espiral à têmpora de um homem. Tudo isso nada significava para ele. Nada disso atingia sua mente.
Sentou-se vagarosamente. Novamente agarrou seu alimentador, algo como uma colher, com bordas afiadas e pequenos dentes projetando-se da curva frontal da concavidade, que poderia portanto com igual inércia cortar, tirar e cravar. Era suficiente para um operário. Virou-o e olhou-o fixamente sem ver seu número na parte posterior do cabo. Não precisava vê-lo. Sabia-o de cor. Todos os outros tinham números de registro, como ele, mas os outros também tinham nomes. Ele não. Chamavam-no Rik porque significava algo como “débil mental” no jargão das usinas kyrt . E com bastante freqüência chamavam-no “Rik Louco”.
Mas talvez estivesse se lembrando mais e mais agora. Esta era a primeira vez, desde que viera para a usina, em que se lembrava definitivamente de alguma coisa anterior ao começo. Se pensasse bastante! Se pensasse com todo seu cérebro!
Subitamente ele estava sem fome; não tinha a mínima fome. Com gesto repentino, colocou seu aumentador no tablete gelatinoso de carne e vegetais à sua frente, afastou a comida e fixou o olhar nas costas de suas mãos. Seus dedos puxaram e agarraram seus cabelos e cuidadosamente tentou seguir sua mente na meada de onde extraíra um único item — um obscuro e indecifrável item.
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