Um som em reverência saiu de seus lábios, e ele cantou, sussurrando: “Oh senhor, oh senhor, nosso trabalho é puro. Peça-me e eu lhe darei mais.”
Mais.
Avery já tinha um nome: Cindy Jenkins. Ela conhecia a irmandade: Kappa Kappa Gamma. E tinha total conhecimento sobre a Universidade de Harvard. A Liga das Heras havia a rejeitado como caloura, mas ainda assim ela tinha encontrado uma maneira de viver a vida de Harvard durante seu tempo na faculdade, namorando dois caras de lá.
Diferente de outras universidades, as irmandades e fraternidades de Harvard não eram oficialmente reconhecidas. Não existiam casas gregas dentro ou fora do campus. As festas, no entanto, aconteciam regularmente em casas ou apartamentos fora do campus, sob o nome de “organizações” ou “clubes” especiais. Avery tinha testemunhado in loco o paradoxo da vida universitária durante seu tempo na faculdade. Todos pretendiam estar somente focados nas notas até o anoitecer, quando se transformavam em animais selvagens, sedentos por festas.
Enquanto esperava em um semáforo, Avery fez uma busca rápida na internet e descobriu que a Kappa Kappa Gamma tinha duas áreas alugadas na mesma quadra de Cambridge: a Church Street. Um dos locais era para eventos, enquanto o outro para reuniões e encontros sociais.
Ela passou pela ponte Longfellow, antiga MIT, e pegou à direita na Massachusetts Avenue. Logo, ela viu Harvard à sua direita, com seus incríveis prédios de tijolos vermelhos entre árvores e ruas asfaltadas.
Havia uma vaga para estacionar na Church Street.
Avery estacionou, fechou a porta do carro, e olhou para o sol. Era um dia quente, com temperaturas acima dos 25 graus. Ela olhou as horas: dez e meia.
O prédio da Kappa era uma estrutura longa, de dois andares, com fachada de tijolos. No primeiro piso, havia algumas lojas de roupa. O segundo, Avery imaginou, estava reservado para escritórios e para os negócios da irmandade. O único símbolo no interfone para o segundo andar era a flor-de-lis azul, símbolo de Harvard. Ela pressionou o botão.
Uma voz feminina arranhada saiu do interfone.
- Olá?
- Polícia – respondeu. – Abra.
Um momento de silêncio.
- Sério – a voz respondeu. – Quem é?
- É a polícia. – Disse com a voz séria. – Está tudo bem. Ninguém está em apuros. Só preciso falar com alguém da Kappa Kappa Gamma.
A porta se abriu.
Ao fim dos degraus, Avery foi recebida por uma garota cansada, com cara de sono, em um suéter cinza e calça de moletom branca. Com cabelos negros, ela parecia ter vindo de uma festa. Os cabelos cobriam boa parte de seu rosto. Havia círculos pretos abaixo de seus olhos, e o corpo do qual ela normalmente se orgulharia em mostrar parecia fora de forma.
- O que você quer? – ela perguntou.
- Fique calma - respondeu Avery. – Isso não tem nada a ver com a irmandade. Só estou aqui para fazer algumas perguntas.
- Posso ver sua identificação?
Avery mostrou seu distintivo.
Ela analisou Avery, viu o distintivo, e recuou.
O espaço da Kappa Kappa Gamma era grande e iluminado. O teto era alto. Alguns confortáveis sofás marrons e pufes azuis preenchiam o lugar. As paredes eram azul-escuras. Havia um bar, um sistema de som e uma TV de tela plana enorme. As janelas chegavam quase ao teto. Na rua, Avery podia enxergar o topo de outro pequeno complexo de apartamentos, depois o céu. Algumas nuvens apareceram.
Ela imaginou que seu tempo na faculdade tinha sido muito diferente da maioria das garotas da Kappa Kappa Gamma. Para começar, ela tinha pago por seu próprio estudo. Todo dia depois das aulas ela ia até um escritório de advocacia e trabalhava muito, primeiro como secretária, até chegar a honorável posição de assistente jurídica. Ela raramente bebia. Seu pai tinha sido alcoólatra. Na maioria das festas da faculdade, ela era a motorista da rodada ou ficava no dormitório estudando.
Uma esperança repentina apareceu no rosto da garota.
- É sobre Cindy? – ela perguntou.
- Cindy era sua amiga?
- Sim, minha melhor amiga. – disse. – Por favor, me diga que está tudo bem com ela!
- Qual seu nome?
- Rachel Strauss.
- Foi você que ligou para a polícia?
- Sim. Cindy saiu da nossa festa muito bêbada sábado à noite. Ninguém viu ela desde então. Ela não é desse tipo. – Ela virou os olhos para cima e deu um pequeno sorriso, quando completou. – Geralmente ela era bem previsível. Ela era a Senhorita Perfeita, sabe? Sempre ia para a cama na mesma hora, mesma rotina, nunca mudava, já fazia uns cinco anos. Sábado ela estava louca. Bebendo. Dançando. Saiu de si por alguns momentos. Foi legal de ver.
Rachel olhou para o nada por um momento.
- Ela estava apenas feliz, sabe?
- Alguma razão especial? – Avery perguntou.
- Eu não sei. A melhor da turma, um emprego garantido para o outono.
- Que emprego?
- Devante? Eles são, tipo, o melhor escritório de Boston. Ela seria contadora júnior. Chato, eu sei, mas ela era uma gênia quando o assunto era números.
- Você pode me falar sobre sábado?
Os olhos de Rachel se encheram de lágrimas.
- Você está aqui por causa dela, né?
- Sim - disse Avery. – Podemos sentar?
Rachel sentou no sofá e começou a chorar.
Com dificuldades, tentou falar.
- Ela está bem? Onde ela está?
Essa era a parte do trabalho que Avery mais odiava. Falar com parentes e amigos. Havia pouca coisa que ela poderia dizer. Quanto mais as pessoas ficavam sabendo sobre um caso, mais elas falavam, e a conversa deveria ajudar a encontrar os criminosos. Mas ninguém entendia isso, ou se importava com isso naquele momento. Tudo o que essas pessoas queriam eram respostas.
Avery sentou-se ao dela.
- Nós agradecemos muito você ter ligado – disse. – Você fez a coisa certa. Mas infelizmente não posso falar sobre uma investigação em andamento. O que posso dizer é que eu estou fazendo tudo o que eu posso para descobrir o que aconteceu com Cindy naquela noite. Eu não posso fazer isso sozinha, eu preciso da sua ajuda.
Rachel assentiu e enxugou as lágrimas.
- Eu posso ajudar - ela disse. – Eu ajudo.
- Eu gostaria de saber tudo o que você lembra daquela noite e de Cindy. Com quem ela estava falando? Tem alguma coisa na sua mente? Comentários que ela fez? Pessoas interessadas nela? Algo sobre quando ela saiu da festa?
Rachel desmoronou completamente.
Momentos depois, ela levantou as mãos, assentiu e se recompôs.
- Sim - ela disse. – Com certeza.
- Onde está o resto das pessoas daqui? – Avery perguntou para distrair. – Achei que as casas da irmandade estariam cheias com garotas Kappa de ressaca.
- Elas estão em aula. – Rachel disse, enxugando os olhos novamente. – Algumas foram tomar café da manhã. A propósito - acrescentou – tecnicamente nós não somos uma irmandade. Esse é só um lugar que alugamos para ficar quando não queremos voltar para nossos dormitórios. Cindy nunca ficou aqui. Muita modernidade para ela. Ela era mais caseira.
- Onde ela morava?
- Em uma casa de estudantes perto daqui. – disse Rachel – Mas ela não estava indo para casa sábado à noite. Ela ia encontrar com o namorado.
Avery apurou os sentidos.
- Namorado?
Rachel assentiu.
- Winston Graves, veterano de longa data, remador, um imbecil. Ninguém nunca entendeu porque ela namorava ele. Bom, acho que eu sei na verdade. Ele é lindo e tem muito dinheiro. Cindy nunca teve dinheiro. Eu acho que quando você nunca teve dinheiro, isso é algo atraente.
Sim, Avery pensou, eu sei. Ela lembrou de como o dinheiro, o prestígio e o poder de seu antigo escritório de advocacia tinham feito com que ela acreditasse que era diferente da jovem assustada e determinada que havia saído de Ohio.
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