As lâmpadas na rua iluminavam a maioria das esquinas, mas uma parte da Brattle Street estava no escuro. Ao invés de ficar assustada, Cindy apertou o passo e abriu os braços, como se as sombras pudessem, de alguma forma, tirar o álcool e o cansaço do seu corpo e lhe dar energias para o encontro com Winston.
Um beco estreito apareceu à sua esquerda. Seu instinto a disse para tomar cuidado. Afinal, já era muito tarde e ela não estava no lugar mais seguro de Boston, mas estava muito bêbada para acreditar que qualquer coisa poderia acontecer para atrapalhar seu futuro.
Fora do seu campo de visão, percebeu um movimento. Já era tarde demais quando ela se virou.
Cindy sentiu uma dor forte no pescoço, que fez com que ela segurasse a respiração, e, quando olhou para trás, viu algo cintilante na luz.
Uma agulha.
O coração quase parou, e seus sussurros silenciaram em um simples instante.
Ao mesmo tempo, ela sentiu alguém pressionar suas costas, um único braço esguio segurando os seus. O corpo era menor do que o dela, mas forte. Com um puxão, ela foi trazida para o beco.
- Shhh.
Qualquer pensamento de que aquilo poderia ser uma pegadinha foi embora quando ela ouviu a voz forte e perversa.
Ela tentou chutar e gritar. Por alguma razão, sua voz não saía, como se alguma coisa estivesse apertando os músculos de seu pescoço. Suas pernas também começaram a sentir como gelatina, e ela mal conseguia manter os pés no chão.
Faça algo! Ela implorava para si mesma, sabendo que, se não fizesse, morreria.
O braço estava em volta de seu lado direito. Cindy conseguiu se soltar, e ao mesmo tempo fez força com o pescoço para trás para dar uma cabeçada no agressor. A parte de trás de seu crânio acertou o nariz do bandido e ela pode quase escutar o som do osso quebrando. O homem xingou de dor e a libertou.
Corra! Cindy pensou.
Mas seu corpo se recusou a entender. Suas pernas cederam, e ela caiu com força no cimento.
Cindy caiu de costas, com as pernas abertas e os braços em ângulo contrário, sem poder se mexer.
O agressor se ajoelhou a seu lado. Sua face estava escondida por uma peruca velha, um bigode falso e óculos com lentes grossas. Os olhos por trás dos óculos arrepiaram seu corpo de medo: frios e severos. Sem alma.
- Eu te amo – ele disse.
Cindy tentou gritar. Só conseguiu murmurar.
O homem quase tocava seu rosto. Depois, como se soubesse o que havia nos arredores, rapidamente se levantou.
Cindy sentiu seu corpo ser puxado pelas mãos e levado pelo beco.
Seus olhos se encheram de medo.
Alguém me ajude, ela pedia mentalmente. Ajuda! Ela pensou em suas colegas de classe, seus amigos, as pessoas na festa. Ajuda!
Ao fim do caminho, o pequeno homem a levantou e a abraçou com força. A cabeça dela caiu em seus ombros. Ele, apaixonadamente, acariciou seus cabelos.
Ele segurou uma das mãos dela e a girou como se eles fossem amantes.
- Está tudo bem – ele disse em voz alta, como se quisesse que outras pessoas escutassem. –Vou abrir a porta.
Cindy viu pessoas ao longe. Pensar era difícil. Nada se movia. Seu esforço para falar também falhou.
O lado do carona de uma minivan azul estava aberto. Ele a colocou dentro do carro e cuidadosamente fechou a porta, para que a cabeça dela descansasse na janela.
Ele entrou pelo lado do motorista e colocou um saco macio, como almofada, sobre a cabeça dela.
- Durma, meu amor – ele disse, ligando o carro. –Durma.
A van arrancou, enquanto a mente de Cindy desvaneceu na escuridão, com seu último pensamento sendo sobre seu futuro, seu brilhante e inacreditável futuro, que, de repente, de forma terrível, tinha sido destruído.
Avery Black estava na parte de trás da sala de conferências lotada, encostada em uma parede, pensando profundamente, dispersa dos procedimentos em volta dela. Mais de trinta agentes lotavam a pequena sala de conferências do Departamento de Polícia de Boston na New Sudbury Street. Duas paredes eram amarelas, enquanto duas eram de vidro e tinham vista para o segundo piso do departamento. O Capitão Mike O’Malley, cinquenta e poucos anos, um pequeno, mas poderoso cidadão nascido e criado em Boston, com olhos e cabelos negros, seguia se movendo inquieto atrás do pódio. Para Avery, ele parecia sempre inquieto, desconfortável consigo mesmo.
- Por último, mas não menos importante – disse ele, com seu sotaque forte, - Eu gostaria de dar as boas-vindas a Avery Black ao Esquadrão de Homicídios.
Alguns poucos aplausos foram ouvidos na sala, que mesmo assim continuou em um silêncio constrangedor.
- Ora, ora – o capitão se irritou, - não há porque destratar a nova detetive. Black realizou mais prisões do que qualquer um de vocês no último ano, e ela acabou com os West Side Killers praticamente sozinha. Deem a ela o respeito devido – disse ele, balançando a cabeça para trás com um sorriso prudente.
De cabeça baixa, Avery sabia que seu cabelo loiro descolorido escondia suas características. Vestida mais como uma advogada do que como uma policial, com seu terninho preto e camiseta de botão, sua roupa era uma lembrança de seus dias como advogada de defesa. Mais uma razão para que a maioria dos policiais do departamento se afastasse ou a desejasse mal pelas costas.
- Avery! – O capitão levantou os braços. - Estou tentando lhe dar um apoio aqui. Acorde!
Ela olhou em volta, assustada, para o mar de caras feias olhando em sua direção. Começou, então, a imaginar se ter aceitado entrar para o Esquadrão de Homicídios tinha sido mesmo uma boa ideia.
- Certo. Vamos começar – acrescentou o capitão ao restante da sala. –Avery, você no meu escritório. Agora. – Ele se dirigiu a outro policial. – Eu quero ver você também. E você, Hennessey, venha cá. Charlie, por que você está saindo tão rápido?
Avery esperou que todos os policiais saíssem, depois começou a se dirigir ao escritório do Capitão. Um policial parou em sua frente. Alguém que ela já havia visto no departamento, mas nunca tinha sido formalmente apresentada. Ramirez era um pouco mais alto que ela, magro e de boa aparência, com um bronzeado latino. Ele tinha cabelos curtos e negros, barba feita e vestia um bonito terno cinza. Sua postura e aparência estavam tranquilas. Um gole de café e ele continuou olhando, sem expressar emoções.
- Posso ajudá-lo? – Ela perguntou.
- Ao contrário – ele respondeu. – Sou eu sou quem vai te ajudar.
Ele estendeu a mão. Ela não correspondeu.
- Estou apenas tentando conhecer a infame Avery Black. Muitos rumores. Eu queria descobrir quais deles são verdade. Até agora o que eu ouvi foi: distraída, age como se estivesse acima de todos. Confirmado e confirmado. Duas de duas. Nada mal para uma segunda-feira.
Insultos de policiais não eram nada novo para Avery. Aquilo havia começado três anos antes, quando ela se tornou policial novata, e nunca tinha parado. Poucos no departamento eram considerados amigos, e quase ninguém era confiável.
Avery passou pelo policial.
- Boa sorte com o comandante – disse Ramirez, ironicamente. – Ouvi dizer que ele pode ser um imbecil e tanto.
Avery respondeu acenando com as mãos. Com o passar dos anos, ela aprendeu que era melhor reconhecer seus colegas hostis do que evitá-los completamente, apenas para que eles soubessem que ela estava lá, e não iria sair.
O segundo andar do departamento de polícia A1 no centro de Boston era um complexo de atividades grande e movimentado. Cubículos preenchiam o centro do enorme local de trabalho, e pequenas salas de vidro cercavam as janelas laterais. Os policiais olharam fixamente para Avery enquanto ela passou.
- Assassina – alguém sussurrou.
Читать дальше