Podia sentir seus olhos se encherem de lágrimas. Os do pai também estavam ficando vermelhos e embaçados. Ele baixou os olhos, envergonhado.
“Eu estava ignorando as coisas”, disse ele com tristeza. “Pensei que podia fingir que estava tudo bem. Mesmo anos depois da morte de Charlotte, não me permiti sentir nada. Nunca entrei no quarto de vocês. Preferi te colocar em outro, não sei se você se lembra”.
Emily assentiu. Lembrava-se vividamente de seu pai bloqueando o acesso a algumas partes da casa, fazendo com que certas áreas fossem proibidas para ela quando vinha passar as férias de verão: o mirante no telhado, o terceiro andar, as garagens, seu escritório, o porão, até que ela esqueceu que eles existiam ou o que havia dentro. Lembrou-se de seu comportamento cada vez mais errático, sua obsessão em colecionar antiguidades que lhe parecia mais uma compulsão do que um passatempo, um sintoma de que havia se tornado um acumulador. Mas, além disso, lembrava-se da diminuição do contato, do modo como passava cada vez menos tempo com ele no Maine até os quinze anos e quando, num verão, ele simplesmente não apareceu para buscá-la. Essa foi a última vez que o viu.
Emily queria compreender o pai. Mas embora uma parte dela entendesse que ele era um homem destruído, que um dia sofrera um golpe forte demais para suportar, o tormento que suas ações lhe causaram não podia simplesmente ser explicado.
“Por que você não disse adeus?” Emily disse, as lágrimas caindo em torrentes por sua face. “Como você pôde simplesmente sumir assim?”
Roy também parecia estar sobrecarregado de emoção. Emily notou que suas mãos tremiam. Seus lábios estremeceram enquanto ele falava. “Eu sinto muito. Vivia atormentado por essa decisão”.
“Você vivia atormentado?” Emily gritou. “Eu não sabia se você estava vivo ou morto! Eu só podia imaginar, sem saber. Tem ideia do que isso faz a uma pessoa? Tive que pausar minha vida inteira por sua causa! Porque você foi muito covarde para dizer adeus!”
Roy sentiu as palavras da filha como vários socos no rosto, um após o outro. Sua expressão era de dor, como se ela realmente tivesse desferido golpes físicos sobre ele.
“Isso foi indesculpável”, ele disse, pouco mais que um sussurro. “Nem vou tentar me desculpar”.
Emily sentiu o coração disparar descontroladamente em seu peito. Estava tão furiosa que não conseguia enxergar direito. As emoções reprimidas durante anos estavam inundando-a com a força de um tsunami.
“Você pelo menos pensou em como isso me machucaria!?” ela exclamou.
Roy estava tomado de angústia, com o corpo todo tenso, o rosto contorcido de arrependimento. Emily ficou feliz em vê-lo assim. Queria que ele sofresse tanto quanto ela.
“Não no começo”, ele confessou. “Porque eu não estava no meu juízo perfeito. Eu não conseguia pensar em nada ou ninguém além de mim, em minha própria dor. Pensei que você estaria melhor sem mim”.
Então, ele se descontrolou, soluços começaram a agitar todo o seu corpo, que tremia de emoção. Vê-lo assim era como uma facada no peito. Emily não queria ver seu pai se despedaçar e desmoronar diante de seus olhos, mas ele precisava saber. Não haveria nenhuma mudança, nenhuma reparação sem que tudo isso fosse revelado.
“Então você pensou que indo embora estaria me fazendo um favor?” perguntou Emily, cruzando os braços contra o peito, para se proteger. “Você sabe como isso é doentio?”
Roy chorou amargamente com o rosto entre as mãos. “Sim. Eu estava doente naquela época. Permaneci assim por muito tempo. Quando percebi o mal que causei, já havia se passado muito tempo. Não sabia como voltar àquele ponto, como desfazer aquele sofrimento”.
“Você nem mesmo tentou”, Emily acusou.
“Eu tentei”, disse Roy, mas o apelo em seu tom irritou Emily ainda mais. “Muitas vezes. Voltei para casa em várias ocasiões, mas toda vez a culpa do que eu havia feito me dominava. Havia muitas lembranças. Muitos fantasmas.”
“Não diga isso”, Emily retrucou, quando sua mente foi tomada por imagens de Charlotte assombrando a casa. “Não se atreva”.
“Sinto muito”, repetiu Roy, ofegando de angústia.
Ele baixou os olhos para o colo, onde suas velhas mãos tremiam.
Na mesa em frente, as canecas de café estavam esfriando.
Emily respirou fundo. Sabia que seu pai estava deprimido - ela encontrou a prescrição de antidepressivos entre os seus pertences - e que ele não era ele mesmo, que a dor estava fazendo com que se comportasse de maneira imperdoável. Não deveria culpá-lo por isso, e ainda assim não conseguia evitar. Ele a decepcionou demais. Abandonou-a com sua dor. Com sua mãe. Havia tanta raiva dentro do coração de Emily, mesmo sabendo que a culpa não tinha lugar ali.
“O que posso fazer para compensar, Emily Jane?” disse Roy, suas mãos em posição de oração. “Como posso começar a curar o dano que causei?”
“Por que você não começa preenchendo os espaços em branco?”, Emily respondeu. “Diga-me o que aconteceu. Aonde você foi. O que tem feito todos esses anos.”
Roy piscou, como se surpreendido pelas perguntas da filha.
“O que me angustiava era não saber”, explicou Emily, com tristeza. “Se eu soubesse que você estava seguro em algum lugar, poderia ter lidado com isso. Não tem ideia de quantos cenários eu criei na minha mente, quantas vidas diferentes eu imaginei que você estava vivendo. Passei anos sem conseguir dormir por causa disso. Era como se minha mente não parasse de conjurar alternativas até encontrar a correta, mesmo que não houvesse como fazer isso. Foi uma tarefa impossível e inútil, mas eu não consegui parar. É assim que você pode me ajudar. Comece pela verdade, me dizendo o que eu não soube por todos esses anos. Onde você estava?”
As lágrimas de Roy finalmente diminuíram. Ele fungou, enxugando os olhos com a manga da camisa. Pigarreou.
“Eu divido meu tempo entre a Grécia e a Inglaterra. Construí uma casa em Falmouth, na Cornualha, no litoral inglês. É um lugar bonito. Tem falésias e paisagens maravilhosas. Tem uma cena artística fantástica lá”.
Que conveniente, Emily pensou, lembrando-se de sua obsessão pela arte de Toni, chegando até a pendurar um dos quadros dela na casa em Nova York que dividia com Patricia e da raiva que ela mesma sentiu ao perceber o quanto ele tinha sido descarado, o quanto havia sido desrespeitoso.
“Como pôde pagar por isso?” Emily desafiou. “A polícia disse que não havia atividade em suas contas bancárias. Foi uma das razões pelas quais achei que você estava morto”.
Roy estremeceu ao ouvir essa palavra. Emily notou o quanto ele se sentiu mal por ser confrontado com a dor pela qual tinha feito a filha passar. Mas ele precisava ouvir isso. E ela precisava dizer. Era a única forma deles poderem seguir em frente.
“Eu não vendi nenhuma das minhas antiguidades, se é isso que você quer dizer”, ele começou. “Deixei tudo isso para você.”
“Eu deveria agradecer?” Emily perguntou amargamente. “Um diamante não pode compensar anos de abandono”.
Roy assentiu com tristeza, absorvendo o peso de suas palavras furiosas. Emily começou a aceitar que ele estava reconhecendo a postura dela, que o pai não estava mais tentando explicar suas ações, mas preferindo ouvir a dor que elas lhe causaram.
“Você está certa”, ele disse baixinho. “Não foi o que quis dizer”. Emily ficou tensa. “Bem, continue”, ela disse. “Diga-me o que aconteceu depois que você foi embora. Como se sustentou?”
“No começo, eu vivia um dia de cada vez”, explicou Roy. “Ganhei dinheiro fazendo tudo que podia. Bicos. Reparos de automóveis e bicicletas. Pequenos consertos. Eu me encontrei fazendo e consertando relógios. Ainda faço isso. Sou um horologista. Faço relógios ornamentados com chaves escondidas e compartimentos secretos”.
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