“Chantelle, seu quarto é lindo”, Roy disse amavelmente, e Emily se lembrou do jeito suave que ele tinha com as crianças, da gentileza com que falava com ela quando fazia parte de sua vida.
Chantelle sorriu com orgulho.
“Você preferiu não colocá-la no quarto que era seu e de Charlotte?”, ele perguntou. “A sala de jogos com o mezanino?”
Emily sentiu uma pontada de dor no peito ao ouvi-lo se referir ao quarto de sua infância. Ele o trancou depois da morte de Charlotte, forçando-a a trocar de quarto. Esse tinha sido o primeiro sinal, Emily percebia agora, que o pai dela não iria processar a morte de Charlotte, que a morte dela ia se tornar o catalisador para ele abandoná-la.
“Essa é a suíte nupcial”, Daniel explicou, assumindo o controle enquanto Emily permanecia muda. “O mezanino é ótimo para atrair hóspedes. Além disso, queríamos Chantelle perto de nós”.
A emoção estava ficando demais para Emily. Ela não tinha ideia de que era possível sentir tantas coisas complexas e conflitantes ao mesmo tempo. De repente, percebeu que, assim que aquele tour acabasse, assim que eles se sentassem na sala frente a frente, ela descontaria toda a raiva que estava sentindo em seu pai.
De repente, sentiu a mão do pai em seu braço, estabilizando-a, tranquilizando-a. Ela olhou em seus olhos azuis, viu a dor e arrependimento dentro deles, misturado com um alívio absoluto. Ele estava silenciosamente dizendo a ela que estava tudo bem, que entendia sua raiva. Ela não precisava ficar escondendo.
Eles caminharam pelo resto do andar, olhando alguns dos quartos de hóspedes para que Roy pudesse ter uma ideia da decoração. Ele parou brevemente ao lado da porta do escritório. A última vez em que esteve aqui, era duas décadas mais jovem, seu cabelo era preto em vez de cinza, seu corpo era mais magro e mais ágil em vez da pequena pança que agora estava acima de seu cós.
“Está do mesmo jeito”, Emily respondeu. “Eu não reformei”.
Ele assentiu, mas não disse uma palavra. Ela se perguntou se ele estava pensando sobre a miríade de documentos que havia trancado em sua mesa, aqueles que ela tinha lido. As cartas e segredos dele que ela havia descoberto. Emily sabia que não tinha como saber o que Roy estava pensando. O homem continuava a ser um mistério para ela, como sempre havia sido.
Foram para o terceiro andar e Roy demorou-se um pouco ao lado das escadas até chegarem na pequena varanda que havia no telhado. Será que ele lembrou daquela véspera de Ano Novo? Emily se perguntou. Aquela em que lhe disse para não ter medo, para abrir os olhos e ver os fogos de artifício? Ou ele tinha bloqueado todas aquelas memórias, como ela havia feito?
Chantelle mostrava, saltitante, todos os quartos vazios a ele. Ela parecia animada por tê-lo aqui e muito orgulhosa de lhe mostrar sua casa. Emily desejou poder se sentir tão leve quanto a criança, mas havia tanta coisa acontecendo em sua mente que a enchia de angústia.
“Estou realmente impressionado com o trabalho que você fez aqui”, disse Roy. “Não deve ter sido fácil reformar todas essas suítes”.
“Não foi”, Emily respondeu. “Além disso, só tivemos cerca de vinte e quatro horas para arrumar tudo. Mas isso é uma longa história”.
“Eu tenho tempo”, Roy sorriu.
Emily nem sabia como responder a isso. O tempo não era algo que ela podia desperdiçar com ele. Não conseguia mais confiar nos sentimentos do pai.
“Vamos para a sala de estar”, preferiu mudar de assunto, rigidamente. “Quer algo para beber?” Então, percebendo seu deslize em oferecer álcool para um alcoólatra, acrescentou rapidamente, “um café?”
Enquanto descia a escada, a cada passo Emily sentia sua raiva crescer. Odiava se sentir assim. Queria que esta fosse uma ocasião alegre, mas como, se ela tinha todo esse ressentimento dentro de si? Seu pai tinha que ouvir sobre a dor que lhe causou.
Chegaram ao corredor do andar de baixo. Daniel foi para a cozinha fazer o café enquanto Chantelle mostrava a sala de estar a Roy. Ele quase perde o fôlego quando viu a decoração, a maneira como Emily misturava estilos novos e antigos, a forma como ela incorporava a arte moderna e as peças de vidro Kandinsky.
“Este é o meu velho piano?”, ele perguntou.
Emily assentiu. “Contratei alguém para restaurá-lo, Owen, que toca aqui às vezes. Aliás, ele vai tocar no nosso casamento”.
Pela primeira vez, Emily sentiu um senso de triunfo. Mesmo sem ter morado por muito tempo em Sunset Harbor, Owen era alguém que seu pai não havia conhecido antes dela, por mais tempo que ela, ou que conhecia melhor do que ela. Havia pessoas aqui que eram só dela, que não estavam manchadas pelo desagradável passado que compartilhava com o pai.
“Owen me ajuda com o meu canto”, disse Chantelle.
“Ah, você canta?”, Roy respondeu. “Posso ouvir um pouco?”
“Talvez mais tarde”, Emily interrompeu. “Chantelle me prometeu que iria arrumar todos os seus brinquedos hoje”.
“Eu não posso fazer isso depois?” Chantelle choramingou.
Ela claramente queria passar mais tempo com o vovô Roy e Emily não podia culpá-la. Na superfície, ele era como um gigante gentil, um Papai Noel. Mas Emily não podia continuar colocando um sorriso fingido em seu rosto para sempre apenas por amor a Chantelle. Era hora dela e seu pai falarem como adultos.
Emily sacudiu a cabeça. “Por que você não faz isso agora, e aí terá o dia todo para brincar com o vovô Roy, ok?”
Chantelle cedeu, mas saiu do quarto pisando forte.
“Você abriu o bar secreto”, observou Roy, olhando para o bar renovado. Ele parecia impressionado com a maneira como Emily manteve a atmosfera do lugar da mesma forma que ele, uma homenagem ao passado. “Você sabe que é original”.
Ela assentiu. “Percebi que estava tudo como antes. Exceto as garrafas de bebida”.
Sem Chantelle para amenizar a situação, surgiu uma tensão entre eles. Emily apontou o sofá com a mão.
“Quer sentar?” Roy assentiu e se acomodou. Seu rosto estava pálido como se sentisse que o momento do acerto de contas havia chegado.
Mas antes que Emily tivesse uma chance, Daniel apareceu com uma bandeja com uma cafeteira, leite, açúcar e canecas. Ele a colocou na mesinha de café. O silêncio aumentou à medida que servia as bebidas.
Roy pigarreou. “Emily Jane, se você quiser me perguntar alguma coisa, tudo bem”.
Naquele momento, Emily perdeu a habilidade de permanecer educada e cordial. “Por que você me abandonou?”
A cabeça de Daniel se levantou com a surpresa. Seus olhos estavam tão arregalados que se pareciam com os pires. Ele provavelmente não tinha percebido que a alegria de Emily em ter Roy de volta também havia trazido sua raiva junto, que ela estava tentando conter a emoção durante o passeio pela casa. Então, se levantou.
“Acho que vocês precisam de um tempo para conversar a sós”, falou educadamente.
Emily olhou para o noivo. Parecia tão desconfortável ali, como se subitamente invadisse um assunto particular, e ela se sentiu um pouco culpada por ter mudado a conversa de forma tão súbita em sua presença, sem lhe dar a chance de se desculpar melhor.
“Obrigada”, ela falou, enquanto ele saía.
Então, voltou seu olhar para o pai. Roy parecia magoado por sua dor, mas respirava calmamente e olhava para ela com olhos gentis.
“Eu estava arrasado, Emily Jane”, ele começou. “Perder Charlotte me destruiu. Comecei a beber. Tive casos. Eu me afastei de meus amigos em Nova York até não aguentar mais ficar lá. Sua mãe e eu nos separamos, embora isso tenha levado tempo. Vim pra cá organizar minha vida novamente”.
“Só que você não fez isso”, Emily rebateu, com raiva. “Você fugiu. Você me abandonou”.
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