— Você chora no começo, depois trai e vai embora — disse o menino, desejando que pudesse gritar com ela, mas se conteve e agarrou a caneta com violência até quase quebrá-la.
— Você não precisa mais de mim aqui. Sua casa é pequena e seu pai não me quer. — Rosalinda tentou se justificar.
— Está tudo bem.
— Sinto muito.
Pelo quê? Por aproveitar a oportunidade e fugir de um patrão violento e bêbado que com frequência também bate em você? Pensou ele, desejando poder responder dessa forma.
— Aproveite a indenização do meu pai.
— Sr. Lucas, eu não queria ir embora. Fiquei aqui todos esses anos só por você… As coisas pioraram depois da morte da sua mãe, mas eu fiquei apesar de tudo, mesmo que nunca tenha sido corajosa o suficiente para me revoltar contra o Sr. Scott.
— Adeus, Rosy — interrompeu Lucas, já que não suportava mais as palavras dessa mulher. Ela deveria ir e aliviar sua consciência com outra pessoa! Ele tinha que estudar, pois estava cansado de ser provocado pela maneira como lia na frente de outras pessoas ou pelas suas notas ruins, mesmo se ele se esforçasse ao máximo para fazer melhor.
Desde que Kira foi embora, sua mente inteligente e sagaz como ela costumava chamá-la, parecia ter se aposentado.
Kira…
Só de pensar nela, ele podia sentir seu estômago revirando até que tivesse que se curvar pelos espasmos.
Ele nem notou que a governanta ainda estava parada na porta do seu quarto.
— Sr. Lucas.
— O que mais você quer de mim? Eu te disse para ir embora! — explodiu o garoto, de repente furioso.
— Cometi muitos erros com você, quando costumava apoiar seu pai… Eu estava com medo, mas… Não, não tenho nenhuma desculpa, mas vou contar algo que sempre mantive em segredo.
— Não me importa — interrompeu Lucas, ficando cada vez mais furioso.
— É sobre Kira, a garota que voltou para o Japão no ano passado — insinuou Rosalinda, sabendo que era um assunto delicado.
Kira. Mais uma vez.
Um novo espasmo atingiu seu estômago com violência.
— Não me importa — disse Lucas mais uma vez, torcendo as mãos para parar de tremer de raiva e desespero como tinha feito aquele ano todo. O pior ano da sua vida.
— Sei que você está mentindo. Aquela menina era tudo para você, Sr. Lucas. Eu vi o quanto você sofreu nos últimos meses. Você tem que me entender: eu gostaria de ter contado antes, que Kira não o esqueceu, como o Sr. Scott fez você acreditar. Eu me arrependo do que fiz, mas não quero ir embora sem contar verdade. Kira escreveu várias cartas para você nos últimos meses. Oitenta e seis, exatamente.
Ela finalmente conseguiu captar a atenção de Lucas: ele a encarava perplexo, com os olhos arregalados.
— Oitenta e seis cartas? Então, onde elas estão? — Ele conseguiu perguntar, enquanto seu cérebro estava tentando se concentrar em suas palavras.
— Seu pai as pegou e queimou. Todas elas — revelou ela, enquanto evitava dizer a ele que ela sempre as lia. — Sinto muito.
Lucas ficou olhando para o espaço, com a mente confusa, por muito tempo antes que conseguisse mover um único músculo.
Ele nem reagiu quando Rosalinda continuou dizendo que sentia muito, antes de sair daquela casa, para nunca mais voltar.
Quando Lucas voltou ao mundo real, ele podia sentir apenas uma raiva cega contra o homem que o trouxe ao mundo e depois tirou dele até o pobre consolo que ele poderia obter ao ler as cartas da sua melhor amiga.
Ele vinha sofrendo há muito tempo e odiava Kira por tê-lo deixado, após ter jurado várias vezes que nunca faria isso.
Ela havia dito que estava pronta para desistir de tudo por ele e que nunca o deixaria, mas em vez disso…
Nem mesmo a camiseta que ela lhe dera naquele maldito verão restou para ele, pois ele a rasgou em um ataque de loucura, após ter recebido alta do hospital por causa de um ombro deslocado.
Ele havia caído da escada por acidente. Ele lhes disse após seu pai ameaçá-lo.
Ele caminhou para a sala de estar em estado de transe, pois sabia que encontraria seu pai ali, bêbado como um gambá.
A casa deles era pequena, ao contrário da villa em que moravam no passado e que esse monstro cruel havia perdido tolamente em uma partida de pôquer um mês antes.
Ele chegou rapidamente ao piano-bar, onde encontrou uma garrafa vazia de Bourbon na bancada.
Seu pai estava se abaixando e procurando outra coisa para beber, mas teve um vislumbre da chegada do filho e se levantou.
— Onde está Rosalinda? Quero que ela vá comprar mais Bourbon — o homem murmurou enquanto cambaleava até a poltrona, mas seu filho bloqueou seu caminho.
— Você a demitiu, não se lembra? Ela foi embora há alguns instantes e me contou sobre as cartas de Kira — disse Lucas, tentando conter a raiva que estava começando a prostrá-lo.
— Vadia idiota! Por que ela tinha que contar?! Gostaria de tê-la demitido antes.
— Como você ousou queimar as cartas de Kira — explodiu Lucas, sem conseguir se conter mais.
Seu pai olhou para ele por um instante, intrigado com o repentino ataque verbal do filho, então ele se recuperou.
— Sou seu pai e posso fazer o que quiser! Você me pertence.
— Eu não pertenço a você! — gritou Lucas em resposta.
— Como você ousa falar assim com seu pai? — O homem ficou zangado, dirigindo o punho ao peito do menino, mas Lucas conseguiu evitá-lo com um salto de felino. Contudo, ele estava muito zangado para ficar satisfeito por se proteger. Ele precisava extravasar um pouco.
Ele sentiu o desejo de dar vazão à sua raiva ao bater em alguém pela primeira vez em sua vida, então, antes mesmo que pudesse perceber esse novo desejo, ele podia sentir todo seu corpo se esticando na direção do homem que havia transformando sua infância em um inferno e acertando sua mandíbula com violência, aproveitando-se da sua instabilidade de bêbado.
Ele foi trazido de volta à realidade por uma dor aguda em sua mão.
Darren Scott ficou surpreso e chocado com o ataque, que foi mais violento do que ele gostaria de admitir: ele caiu de joelhos e sentiu uma dor imensa no rosto.
Ele estava tentando se levantar, quando foi atingido de novo, por um chute poderoso que o deixou sem fôlego.
— Bastardo idiota! — gritou o homem para Lucas, ofegando e tentando se proteger.
— Você é o bastardo aqui! — O menino respondeu, então o agrediu mais uma vez.
— Vou buscar meu cinto, então veremos se você ousa falar comigo assim de novo — ameaçou ele, com uma voz trêmula de raiva.
— Apenas bata em mim! Bata em mim o quanto quiser, pai! Estas são as únicas coisas que você consegue fazer: ficar bêbado e bater em mim. Bem, você pode fazer isso, mas não vou mais ficar parado e esperar pelo seu golpe de cinto! — gritou seu filho para ele exasperado, enquanto continuava a socá-lo.
— Sua… mercadoria estragada… — balbuciou o homem, abalado com a agressão do filho.
— Você é a mercadoria estragada! — respondeu seu filho de repente. Ele estava cansado dessa agressão que não conseguia mais impedir e que parecia ficar cada vez mais forte a cada novo golpe.
Seu pai começou a rir com desdém.
— Lucas, lembre-se disso: uma fruta nunca caí longe da sua árvore.
— O que você quer dizer?
— Quero dizer que você é tão danificado e estragado quanto eu. Você é meu filho e eu sou seu pai! Meu sangue corre nas suas veias!
— Não vou ser como você!
— Você já é. É por isso que todos continuam deixando você, assim como sua mãe fez comigo e com você. Ninguém quer ficar com um fracasso como você. Até sua jovem amiga fugiu assim que conseguiu.
— Isso não é verdade! Kira me ama. Eles a obrigaram a ir embora.
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