O homem puxou uma faca e a brandiu em direção a William, mas não foi rápido o bastante. Ela lhe deu um talho no flanco e uma dor aguda o invadiu. William gemeu e o socou no nariz. O soldado caiu, e William o chutou com força, então o socou na cara mais uma vez. Os olhos dele rolaram, e o homem perdeu a consciência. William soltou um suspiro de alívio e correu o mais rápido o possível para longe dele. Quanto mais se afastasse do soldado, melhor.
Assim que se sentiu seguro, diminuiu o ritmo e começou a andar mais devagar. O flanco doía por causa do ferimento, mas não parou para ver o estado dele. Victoria iria costurá-lo assim que ele chegasse.
William correu para o hospital de campanha no qual Victoria estava baseada assim que o viu. Fazia sete meses desde que a vira pela última vez, e mal podia esperar para tê-la nos braços. Ela tinha sido muito atenciosa quando foi sua enfermeira. Tinha até mesmo ralhado com ele alguma vezes por ter conseguido levar um tiro. Ela era maravilhosa, e ele a adorava. Victoria não ficaria feliz quando visse que tinha conseguido ser fatiado por uma faca.
Às vezes, arrependia-se por ter se metido na guerra. Especialmente por seu país ainda não ter se juntado a ela. William acreditava que eles se juntariam, em algum momento, e queria já estar posicionado antes que isso acontecesse. Sentia que precisava fazer a sua parte em tornar o mundo um lugar mais seguro. William tinha um forte senso de dever.
Victoria saiu da tenda e puxou uma capa de lã ao redor de si. Ela tremia um pouco e esfregava as mãos. O cabelo louro estava puxado para trás, preso em uma longa trança que caía até o meio de suas costas. William foi até ela. Victoria ergueu o olhar enquanto ele se aproximava e franziu o cenho até que o reconheceu.
– William.
Ela correu até ele e o abraçou com força.
– Por que não me disse que estava vindo?
– Não soube até hoje cedo, e quis fazer uma surpresa. – Ele se encolheu quando ela o abraçou com mais força. O ferimento no flanco estava doendo bastante.
– O que é isso? – perguntou ela, dando um passo para trás. Victoria abriu o casaco dele e olhou. O sangue tinha encharcado a camisa de linho. Victoria suspirou. – Por que você sempre chega ferido?
– Não estava nos meus planos, posso garantir. – Ele lhe lançou um sorriso. – Tive um pequeno desentendimento com um alemão enquanto vinha para cá. Ele queria que eu ficasse, mas, infelizmente, precisei insistir que ele me deixasse vir vê-la. Espero que perdoe a minha aparência. Não era assim que eu planejava chegar.
– Venha comigo – ordenou ela. – Cuidarei do ferimento, e você poderá me contar tudo o que aconteceu desde a última carta.
Eles foram em direção à tenda do hospital e ela o conduziu até os fundos. Ela fez sinal para que ele se sentasse em uma das macas e pegou os suprimentos para cuidar do ferimento.
– Tire o casaco e a camisa. Preciso dar uma boa olhada no corte.
– Você está tentando me ver nu, não está? – disse ele, despreocupado.
Victoria olhou feio para ele.
– Pode acreditar em uma coisa, essa não é a minha intenção.
– Eu não quis dizer… – Ele suspirou. – Essa foi a minha lamentável tentativa de desanuviar as coisas. – William não estava lidando muito bem com a situação. Victoria parecia um pouco aborrecida com ele. Ela o cutucou, e ele deu um salto.
– Desculpa – disse ela. – Não parece muito profundo. Você teve sorte; não vai precisar de pontos. Vou só fazer um curativo e então estará bom para ir.
Ela trabalhou em silêncio até que cobriu o ferimento. Quando terminou, ela se afastou e lavou as mãos em uma pia ali perto.
– Ficará por muito tempo?
Por que ela lhe perguntou isso?
– Você quer que eu parta?
– Não foi o que eu disse… – Victoria afastou o olhar.
William ficou de pé e a puxou para si. Ela veio para os seus braços e apoiou a cabeça em seu ombro. Queria confortá-la, mas chegou à conclusão de que aquilo era exatamente o que ele precisava. Abraçá-la e assegurar-se de que ela estava bem. Aquilo era tudo o que queria. Que Victoria estivesse segura e feliz…
– O que posso fazer por você?
– Já está fazendo – disse ela. – Mas talvez eu deva permitir que você termine de se vestir. – Victoria olhou para a camisa ensanguentada. – Tem outra camisa para vestir?
– Não – disse ele. – Mas está tudo bem. Não me importo em usar a camisa suja por agora. Posso pegar outra mais tarde. – Não sabia onde, mas aquilo não importava. William não queria que ela se preocupasse. – Venha caminhar um pouco comigo.
– Eu adoraria – disse ela, pegando a mão dele. Eles saíram da tenda e foram em direção às árvores. Estava frio, mas ele nem reparou. Ela estava com ele, e aquilo fazia todo o resto desaparecer.
Passou a tarde com ela, e por algumas horas, ele ficou feliz. Foi capaz de esquecer que estavam na guerra, que tinha sido ferido mais cedo, e que teria que partir em breve. Ela lhe dava razão para ficar e lutar e esperar que, um dia, eles nunca mais se separassem.
Fevereiro de 1916
Victoria suspirou enquanto saía do trem. Finalmente, estava em Paris. Teve o suficiente dos hospitais de campanha por uma vida. Não sabia o que esperar no hospital da capital francesa, mas ao menos não seria forçada a andar, frequentemente, pela lama. Aquilo tinha que ser uma melhora. Não que as coisas no lamaçal estivessem aquecidas esses dias… A lembrança daquilo estava cravada em sua mente. Ela tinha começado a odiar de verdade qualquer coisa que se parecesse com mistura de pó e água.
Ela pisou na plataforma. Era um milagre os alemães ainda não terem destruído totalmente a linha férrea. Esperava que, em algum momento, viajar de trem fosse ser impossível. Ao menos não tinha sido forçada a caminhar até Paris.
Levou a mão ao bolso e tirou de lá um maço de cartas. Talvez não devesse tê-las conservado, mas era tudo o que tinha de William. A correspondência entre eles era parca e espaçada. Ele nem sempre estava em um lugar para que ela pudesse respondê-las, mas ele enviava muitas. Victoria temia por ele, e seu coração se quebrava por saber que não tinha certeza de quando voltaria a vê-lo. A mão tremia enquanto as colocava de volta no bolso. Estava tentada a abri-las e ler as palavras novamente, mas aquela não era a hora.
Não era a primeira vez, e provavelmente não seria a última, que se perdia nas cartas. Era um péssimo hábito ao qual teria que pôr um fim. Guardando-as no devido lugar, virou-se para a estação. Tinha que ir logo para o hospital e parar de pensar em coisas que não poderia mudar.
O baú com o qual viajara há um ano foi substituído. Seus pertences minguaram, e só tinha o bastante para preencher a pequena valise que levava consigo. Todos os seus uniformes tinham ficado puídos, e ela tinha mais três em estado decente. Esperava encontrar alguém que pudesse fazer outros. Victoria começou a ir em direção à saída. De repente, sentiu a urgência de deixar o passado para trás.
De alguma forma, conseguiu chegar ao hospital e então entrou. Ninguém a deteve ou perguntou por que ela estava ali. Todo mundo parecia ter algum lugar para onde deveria ir correndo. Victoria ergueu a mão tentando chamar a atenção de alguma das enfermeiras, mas a ignoraram. Suspirou e foi até o saguão principal. Eles pareciam estar lotados. Soldados enchiam as camas da enfermaria, e sendo atendidos pelo pessoal.
Uma mulher veio até ela. Os cabelos castanhos-avermelhados estavam presos em um coque apertado. Os olhos enrugavam nos cantos, como se ela estivesse lutando contra a exaustão.
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