— Esse é justamente o germe de minha grande descoberta. Mas você está equivocado ao dizer que não podemos deslocar-nos livremente no Tempo. Por exemplo, ao me lembrar vivida-mente de um incidente, volto ao momento em que ele ocorreu. Estou com o espírito ausente, como se costuma dizer. Dou um salto ao passado. Naturalmente, não temos condição alguma de permanecer no passado por qualquer extensão de Tempo, assim como um selvagem ou um quadrúpede não pode permanecer no ar dois metros acima do solo. Mas o homem civilizado dispõe de muito mais recursos que o selvagem, e pode desafiar as leis da gravitação num balão. E por que não pode ele esperar que um dia, finalmente, consiga parar ou acelerar seu curso ao longo da Dimensão-Tempo, ou mesmo virar-se e viajar na outra direção?
— Oh, não — começou Filby. — Isso é…
— Por quê?
— É contrário à razão.
— Que razão? — quis saber o Viajante do Tempo.
— Você pode encontrar argumentos para demonstrar que o branco é preto, mas não conseguirá convencer-me — disse Filby.
— Talvez não — disse o Viajante do Tempo. — Mas agora vocês começam a perceber o objetivo de minhas pesquisas utilizando a Geometria Quadridimensional. Desde longa data que tenho tido uma vaga idéia a respeito de uma máquina…
— … Para viajar através do Tempo! — exclamou o Rapaz.
— Que viajasse em qualquer direção do Espaço e do Tempo, como o seu operador determinasse.
Filby limitou-se a rir.
— Fiz uma experiência — disse o Viajante do Tempo.
— Uma máquina desse tipo seria excelente para um historiador — sugeriu o Psicólogo. — Poderia voltar ao passado e verificar se os relatos sobre a Batalha de Hastings são autênticos!
— Não acha que chamaria a atenção? — falou o Médico.
— Nossos antepassados não eram muito tolerantes com relação aos anacronismos.
— Poderíamos aprender o grego dos próprios lábios de Homero ou Platão — disse o Rapaz, sonhadoramente.
— Você certamente seria reprovado por eles logo de saída. Os helenistas alemães têm de tal modo aperfeiçoado o grego. .
— E que dizer do futuro? — devaneou o Rapaz. — Imaginem só! Coloca-se todo o dinheiro num investimento, deixa-se acumular os juros — e é só dar um salto à frente!
— Para encontrar uma sociedade — disse eu — erigida sobre princípios estritamente comunistas.
— Tudo teorias extravagantes e fantasiosas! — começou o Psicólogo.
— Era o que também me parecia, por isso nunca falei sobre o assunto, até que..
— Fez a experiência! — gritei. — Vai demonstrar isso?
— A experiência! — exclamou Filby, que já se mostrava fatigado.
— De qualquer forma, vamos a essa experiência — disse o Psicólogo —, embora todos saibamos que não passa de um truque.
O Viajante do Tempo correu os olhos em volta, sorrindo. Depois, sempre com um leve sorriso e as mãos enfiadas profundamente nos bolsos das calças, saiu da sala em passos vagarosos; ouvimos o ruído de suas chinelas ao longo do extenso corredor que levava ao laboratório.
O Psicólogo olhou para nós.
— Que será que ele vai fazer?
— Algum truque de prestidigitação ou algo no gênero — disse o Médico.
E Filby aproveitou para nos falar sobre um conjurado que ele vira em Burslem. Mas antes que acabasse o preâmbulo, o Viajante do Tempo voltou e a história de Filby ficou nesse ponto.
O objeto que o Viajante do Tempo trazia nas mãos era um reluzente mecanismo de metal, pouco maior do que um pequeno relógio de parede, e de delicada construção. Tinha partes de marfim e de alguma substância cristalina transparente.
Agora devo ser perfeitamente claro, pois o que se segue — a menos que se aceite a explicação do Viajante do Tempo — é algo absolutamente incrível. Ele apanhou uma das pequenas mesas octogonais espalhadas pela sala e colocou-a em frente da lareira, com dois pés sobre o pequeno tapete à beira desta. Sobre a mesinha pôs o mecanismo. Depois puxou uma poltrona e sentou-se.
Como único objeto sobre a mesa, além do modelo, e iluminando-o em cheio, havia uma lâmpada provida de abajur. Havia em torno cerca de uma dúzia de velas, duas em castiçais de bronze sobre o consolo da lareira e várias em candelabros de parede, de modo que toda a sala estava brilhantemente iluminada. Sentei-me numa poltrona baixa perto da lareira e puxei-a mais para a frente, de modo quase a ficar entre a lareira e o Viajante do Tempo. Filby sentou-se atrás dele, observando-o por cima do ombro. O Médico e o Prefeito Provincial o observavam de perfil pela direita, o Psicólogo pela esquerda. O Rapaz sentou-se atrás do Psicólogo. Estávamos todos bem alertas. Parece-me inadmissível que, nessas condições, pudéssemos ter sido vítimas de qualquer logro, por mais sutil e habilidoso que fosse.
O Viajante do Tempo fitou cada um de nós e depois se voltou para a máquina.
— E então? — perguntou o Psicólogo.
— Este pequeno objeto — começou o Viajante do Tempo, colocando os cotovelos sobre a mesa e juntando as mãos por cima do aparelho — é apenas um modelo. É o projeto de minha máquina de viajar pelo Tempo. Poderão notar que ela tem uma aparência muito singular e que esta barra aqui tem um brilho estranho, como se fosse algo irreal. — Enquanto falava, ia apontando com o dedo. — Vêem aqui uma pequena alavanca de cor branca, e outra aqui.
O Médico levantou-se e foi olhar o objeto de perto.
— É admiravelmente bem feito — disse.
— Foram necessários dois anos para construí-lo — disse o Viajante do Tempo. E, depois que nós todos, imitando o Médico, nos levantamos e fomos examinar o objeto detidamente, continuou: — Quero agora que os senhores compreendam claramente o seguinte: pressionando-se esta alavanca, a máquina é projetada no futuro; esta outra alavanca inverte o movimento. Esta pequena sela representa o assento do viajante do tempo. Vou pressionar a alavanca, e a máquina irá funcionar. Será projetada no futuro, e desaparecerá. Olhem bem para ela. Examinem também a mesa e certifiquem-se de que não há nenhum embuste. Não desejo desperdiçar este precioso modelo e depois ser chamado de impostor.
Houve um minuto de silêncio. O Psicólogo pareceu que ia falar, mas mudou de idéia. Então o Viajante do Tempo esticou os dedos em direção à alavanca.
— Não — disse de repente. — Dê-me sua mão.
E, voltando-se para o Psicólogo, tomou-lhe a mão e pediu-lhe que estendesse o indicador. De maneira que foi o próprio Psicólogo que pôs em marcha, para sua viagem interminável, o modelo da Máquina do Tempo. Todos nós vimos a alavanca se mover. Tenho absoluta certeza de que não houve trapaça. Ouviu-se um sopro, a chama da lâmpada sobre a mesinha pôs-se a dançar vivamente, uma das velas sobre a lareira apagou-se. De repente, a pequena máquina entrou a girar sobre si mesma, tornou-se indistinta, por um segundo talvez não foi mais que uma fantasmagoria, um brilhozinho turbilhonante de metal e marfim; e desapareceu. Sobre a mesinha restava apenas a lâmpada.
Todos ficaram em silêncio por um minuto. Então Filby soltou uma imprecação.
O Psicólogo voltou a si da estupefação e, de chofre, foi olhar debaixo da mesa. Diante disso o Viajante do Tempo não conteve uma breve gargalhada.
— E então? — perguntou no mesmo tom interrogativo que o Psicólogo usara pouco antes. Levantou-se, apanhou o pote de fumo sobre a lareira e, de costas para nós, começou a encher o cachimbo.
Nós nos entreolhamos, perplexos.
— Diga-me uma coisa — o Médico foi o primeiro a falar —, você está falando sério? Acha, com toda a sinceridade, que essa máquina está realmente viajando no Tempo?
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