Aproximo-me do meu teto provisório, local em que descanso duma aventura tão fatigante. Percebo imediatamente a presença da guardiã, que tanto me ajudou no meu caminho. Chegando perto, ela inicia um diálogo:
– Então você cumpriu o terceiro desafio. Meus parabéns! Agora, conte-me sobre suas experiências e suas conclusões. Quero ter certeza que você está preparado para avançar ainda mais no complexo caminho da noite escura da alma.
– Antes de qualquer coisa, queria agradecer pela presteza da senhora e dedicação à minha causa. Sem seus conselhos, certamente eu não conseguiria superar todas as adversidades que encontrei. Saiba que a partir de agora minha vitória será também sua vitória. Quanto aos aspectos da noite escura da alma eu absorvi que o orgulho é a origem dessa noite escura. Ele impossibilita o indivíduo de enxergar o mais adequado caminho para evoluir e chegar junto ao Pai. Além disso, quem se deixa enganar por esse pecado, torna-se autossuficiente, e, como consequência dos seus atos, perde todo o contato com as forças da luz que poderiam ajudar em sua missão. Analisando bem esse pecado, terminei por concluir que a humildade é o único e melhor antídoto, pois só os humildes conseguem triunfar. Já com relação à avareza, o segundo pecado capital, pude concluir que ela fecha o coração do ser humano para a dor e os problemas dos outros. Precisamos entender que o dinheiro, o poder e a ostentação social não são perpétuos. São apenas bens materiais que podem e devem servir de meio para atingir a evolução desejada e necessária. Como acontece isso? Através da doação, da caridade e do desprendimento. Pensando mais um pouco sobre este pecado, concluo que os avaros nunca vão evoluir e provavelmente serão condenados pela noite escura que os persegue. Quanto à luxúria, a mesma afeta os aspectos da moralidade e da dignidade do ser humano. Atualmente há uma banalização do sagrado que perverte os sentimentos e o coração da pessoa, tornando-a impura. Com isso, perde-se o contato com o Pai Santo que quer apenas o nosso bem. Analisando a situação, posso dizer que os pecados da carne, incluindo a luxúria, são os mais perigosos, pois controlam os instintos humanos. A fim de nos libertamos, é necessária uma boa educação, recheada de princípios éticos e humanos. Precisamos, enfim, fazer com que a nossa parte espiritual e racional prevaleça sobre a parte animal. A luxúria é capaz de condenar, caso o indivíduo persista em seus erros.
– Interessante. Acho que você tem possibilidades de evoluir ainda mais, mas por enquanto é o suficiente. Você poderá passar à próxima etapa, o encontro com o hindu. Trata-se de um homem sábio, vindo do estrangeiro, especialista nos quatro últimos pecados capitais. Se obtiveres sucesso com ele, poderás avançar ainda mais, rumo a uma terceira etapa.
– Bem, eu não estou bastante seguro quanto a ser auxiliado por esse hindu. Ele é mesmo confiável?
– Se duvidas, é sinal de que ainda não estás pronto. Mas se queres mesmo o conhecimento, então não tem escolha. A minha parte já está cumprida, agora é com você e seu novo mestre.
– Onde o encontro?
– Ele reside aqui mesmo, na montanha, no Noroeste dela, numa casinha de sapê. Quando o vir, diga-lhe que você é o enviado do espírito da montanha. Ele irá prontamente atendê-lo.
– Obrigado por tudo, guardiã. Eu nunca esquecerei da senhora.
– Não se preocupe. Ainda nos veremos mais vezes porque você precisará de mim e dos meus conselhos. Boa sorte em seu caminho, filho de Deus, que você realize os seus sonhos mais profundos.
Logo em seguida, a guardiã desapareceu sem deixar rastro. Quem era exatamente ela? Eu até hoje não sabia, apesar de ter convivido com ela. A única certeza que eu tinha naquele momento era que ela fazia parte do mistério da montanha e do mundo, alguém digna de não ser esquecida. Depois da saída dela, descansaria um pouco e depois começaria a me preparar para o encontro com o hindu misterioso.
A passagem de fase me deixara muito feliz, mas ao mesmo tempo preocupado. Que desafios e perigos eu ainda teria que enfrentar? Como seriam os métodos adotados pelo hindu? Essas eram algumas das perguntas que povoavam minha mente. Pensando sobre o meu caso. Afirmo minha preparação e o fato de que não iria julgar ninguém sem ao menos conhecer. Com essa constatação, observo-me melhor e começo a crer que os conhecimentos outrora absorvidos me davam certa segurança para encarar finalmente esse novo mestre. Encho-me de ânimo e conto seis desafios que me separavam da minha plena evolução como vidente e como homem. A noite escura se aproximava.
Passado mais alguns segundos, concentro-me no meu íntimo, inspiro e expiro fortemente, e tomo enfim uma decisão: Era chegada a hora do encontro com o hindu. Eu tinha uma missão a cumprir. Recoberto de esperanças, começo a dar os primeiros passos rumo ao local que a guardiã me indicara. Neste momento, um sentimento de inquietação e medo do desconhecido preenche todo o meu ser, apesar de eu ser um vidente preparado pela gruta mais perigosa do mundo. Quem era esse homem que provocava esse tipo de reação? Certamente não era comum. O fato de ele dominar os mistérios dos quatro últimos pecados capitais o qualificava ainda mais. Seria realmente um privilégio conviver, mesmo que fosse por pouco tempo, com um homem desses, concluo. No instante posterior, acalmo-me mais e acelero os meus passos, pois a curiosidade imperava. Avanço mais e chego a metade do percurso. As minhas forças opostas dão sinal de que estão em choque e então me esforço para controlá-las. Qualquer deslize seria fatal.
A caminhada rápida faz minha mente vagar por tempos e espaços distantes, à procura de respostas sobre a condição humana. A aventura anterior, as minhas sombras, a evolução e a própria estrutura da sociedade são alguns dos temas que ela repassa. Analisando o primeiro item, lembro-me muito bem da última vez que subi a montanha em busca do meu destino e dos meus sonhos. Neste respectivo caminho, consegui escalar uma montanha íngreme e cheguei ao seu topo. Lá encontrei a guardiã, o fantasma, a jovem, o menino, e a convivência com eles, junto com os desafios, deram-me uma maior certeza do que eu queria. Depois de ultrapassar vários obstáculos, finalmente entrei na gruta, obtive o sucesso e enfim me transformei num vidente poderoso, capaz de desvendar os mistérios mais profundos e realizar milagres no tempo e no espaço. Com todos esses atributos, consegui reunir as forças opostas, mas isto ainda era apenas a primeira etapa da minha evolução. O meu desafio era bem maior do que eu imaginava. Entre os desafios, estava a controlar minha própria força, anseios e conhecer profundamente a noite escura, a qual eu tinha vivido intensamente há pouco tempo. Essa parte tenebrosa da minha vida ainda me preocupava e se eu não conseguisse superá-la não chegaria a compreender as diversas noites escuras pelas quais as pessoas passam. Isto tudo remetia a uma palavra: Evolução. Era necessário evoluir como vidente e como homem para no futuro chegar ao caminho do Pai sem ressentimentos, sem dor e sem medo. Ficar entre os justos era o meu objetivo principal. No entanto, eu não poderia pensar apenas em mim mesmo e esquecer os meus demais companheiros que labutam diariamente numa sociedade injusta e pérfida. Tenho que achar alternativas para que eles evoluam também, apesar de todas as dificuldades impostas pelo capitalismo e pelas elites. Bem, isso é tema para outro livro. Agora tenho que me concentrar em conhecer completamente a noite escura e posteriormente superá-la.
Continuo avançando no caminho e um tempo depois consigo avistar a casinha de sapê. Neste momento, meu coração dispara e fico parado em plena Contemplação. Posteriormente, consigo me recupera do choque e volto a caminhar na direção indicada. Ao chegar à beira da porta, bato palmas. Imediatamente sou atendido por um homem magro, aparentando cerca de sessenta anos, com pele bronzeada, corpo bem definido, vestido com trajes típicos de seu país de origem. Ele inicia o diálogo.
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