Talvez a coisa mais estranha nela era a calça, abaixada até o tornozelo, e a calcinha, abaixada até os joelhos. Chloe chegou mais perto do corpo e procurou outros detalhes. Ela viu o que pareciam ser duas pequenas marcas ao lado do pescoço. Elas pareciam novas e tinham o formato de unhas.
- Onde está o marido? – Ela perguntou.
- Sob custódia – Greene disse. – Ele confessou e já contou à polícia o que aconteceu.
- Mas se é uma disputa doméstica, por que o FBI foi chamado? – Ela perguntou.
- Porque esse cara foi preso três anos atrás por bater na primeira mulher com tanta força que ela foi para o hospital. Mas ela não prestou queixa. E o computador da casa dele foi sinalizado duas semanas atrás por suspeita de estar assistindo a vídeos de assassinato.
Chloe assimilou todas as informações e tentou relacioná-las com o que estava vendo. Ela tentou montar o quebra-cabeças e criar teorias em voz alta.
- Pela história desse homem, ele era propenso à violência. Violência extrema, como a torradeira indica. A calça até o tornozelo e a calcinha no meio do caminho indicam que ele estava tentando fazer sexo com ela aqui na cozinha. Talvez eles estavam fazendo sexo e ela queria parar. As marcas de arranhão no pescoço indicam que o sexo era bruto e consensual só no começo, ou nem isso.
Ela parou por um momento e estudou o sangue.
- O sangue parece relativamente novo. Imagino que o assassinato aconteceu nas últimas seis horas.
- E qual seria seu próximo passo? – Greene perguntou. – Se nós não tivéssemos esse cara em custódia e houvesse uma busca por ele, o que você faria?
- Eu procuraria alguma evidência da relação sexual. Poderíamos pegar o DNA dele e conseguir algo. Enquanto esperasse pelos resultados, no entanto, iria procurar por coisas, como uma carteira, lá em cima no quarto, esperando encontrar uma carteira de habilitação. Claro, isso se o suspeito já não fosse o marido. Nesse caso, podemos conseguir o nome através do endereço.
Greene sorriu para ela, assentindo.
- Está certo. Você ficaria surpresa em saber quantos novatos se esquecem de perceber que essa é uma pegadinha. Você está na casa do cara, então você já sabe o nome dele. Mas se nós não suspeitássemos do marido, você está totalmente certa. E... bem, você está bem?
A pergunta a surpreendeu—principalmente porque ela não estava bem. Ela estava tonta, olhando para o sangue no azulejo da cozinha. Aquilo a levara para seu passado, olhando a piscina de sangue no carpete vermelho, no final da escada.
Sem alarde, ela começou a desmaiar. Forçou seu corpo contra a parede da cozinha, com medo de cair. Foi perigoso e vergonhoso.
É isso que eu vou fazer em qualquer cena de crime brutal? Em qualquer cena que remotamente lembrar o que aconteceu com minha mãe?
Chloe podia ouvir Sally no fundo de sua mente, dizendo uma das primeiras coisas que havia dito a ela: Acho que não tem como uma mulher ser uma agente excelente. Principalmente uma com um passado traumático. Fico pensando se você leva todo o estresse para casa...
- Desculpe – ela murmurou. Apoiou-se na ilha e voltou à porta da frente. Quase caiu nos degraus a caminho do gramado, certa de que iria vomitar.
Felizmente, o destino lhe poupou desse constrangimento. Ela respirou fundo várias vezes, e concentrou-se tanto na respiração que quase não percebeu quando Greene chegou, calmamente, pelos degraus.
- Tem alguns casos que me deixam assim também – ele disse. Ele manteve uma distância respeitável, deixando que ela tivesse seu espaço. – Vai haver cenas muito piores. Infelizmente, em algum momento, você acaba se acostumando.
Ela assentiu, e lembrou que já tinha ouvido aquilo antes.
- Eu sei. É que... essa cena me lembrou de algo. Uma memória com a qual não gosto de lidar.
- O FBI tem psicólogos incríveis para ajudar os agentes a lidar com coisas assim. Então nunca pense que você está sozinha ou que isso lhe torna menor do que os outros.
- Obrigada – Chloe disse, finalmente conseguindo levantar novamente.
Ela percebeu que, de repente, sentia muita falta da irmã. Por mais mórbido que fosse, pensamentos sobre Danielle invadiam sua mente sempre que ela lembrava do dia em que sua mãe morrera. Não fora diferente agora. Chloe não conseguiu não pensar em sua irmã. Danielle passara por muita coisa nos últimos anos—sendo vítima das circunstâncias e também de suas decisões erradas. E agora que Chloe morava tão perto, parecia inimaginável que elas continuassem tão longe uma da outra.
Sim, Chloe havia convidado Danielle para a festa no final de semana, mas ela não poderia esperar tanto. E ela suspeitava que a irmã nem viria, na verdade.
De repente, deu-se conta de que precisava ver a irmã naquele momento.
***
Chloe não sabia porque estava tão nervosa quando bateu na porta de Danielle. Ela sabia que a irmã estava ali. O mesmo carro que ela tinha quando adolescente estava estacionado na garagem do condomínio, com os mesmos adesivos das bandas. Nine Inch Nails, KMFDM, Ministry. Ver o carro e aqueles adesivos lhe trouxeram uma sensação de nostalgia, mais triste do que qualquer outra coisa.
Ela não amadureceu nada mesmo? Chloe imaginou.
Quando Danielle abriu a porta, Chloe viu que não. Ou, pelo menos, era o que sua aparência parecia dizer.
As irmãs olharam-se uma para a outra por cerca de dois segundos antes de finalmente darem-se um abraço rápido. Chloe viu que Danielle ainda pintava seu cabelo de preto. Ela também tinha ainda o piercing no lábio, no canto esquerdo da boca. Ela estava usando um pouco de delineador preto e vestindo uma camiseta de Bauhaus e uma calça jeans rasgada.
- Chloe – Danielle disse, interrompendo um sorriso breve. – Como você está?
Foi como se elas tivessem se visto um dia antes. Mas tudo bem. Chloe não estava esperando nenhum ato sentimental de sua irmã.
Chloe entrou no apartamento e, sem ligar muito para como Danielle reagiria, deu outro abraço na irmã. Fazia um pouco mais de um ano que elas não se viam—e cerca de três que elas não se abraçavam assim. Algo no fato de as duas estarem morando na mesma cidade parecia conectá-las novamente—e isso era algo que Chloe podia sentir, algo que ela sabia que não precisava ser dito.
Danielle retribuiu o abraço, embora sem muita vontade.
- Então... você... está bem? – Danielle perguntou novamente.
- Estou bem – Chloe respondeu. – Eu sei que deveria ter ligado, mas... Não sei. Tinha medo de que você arranjasse alguma desculpa para eu não vir.
- Talvez eu tivesse arranjado mesmo – Danielle admitiu. – Mas agora que você está aqui, entre. Desculpe a bagunça. Bom, na verdade, não precisa me desculpar. Você sabe que eu sempre fui bagunceira.
Chloe riu e quanto entrou no apartamento, surpreendeu-se ao ver o lugar relativamente arrumado. A área comum tinha poucos móveis, apenas um sofá, uma TV em uma estante, uma mesa de café uma lâmpada. Chloe sabia que o resto da casa seria igual. Danielle era o tipo de pessoa que vivia com o mínimo de pertences possível. A exceção, se ela não tinha mudado desde a adolescência (e parecia que não), era a música e os livros. Isso fazia com que Chloe se sentisse quase culpada pela casa espaçosa e elaborada que havia comprado recentemente com Steven.
- Você quer café? – Danielle perguntou.
- Sim, seria ótimo.
Elas foram até a cozinha, que também tinha apenas o necessário. A mesa havia claramente sido comprada em um bazar, decorada minimamente com uma toalha. Havia apenas duas cadeiras, uma de cada lado.
- Você está aqui para me convencer sobre a festa do bairro? – Danielle perguntou.
- Não mesmo – Chloe disse. – Eu estava no estágio hoje e fui até a cena de um crime que... bem, me fez lembrar de tudo.
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