“Elas não esperam que você se lembre de seus nomes”, ela sussurrou enquanto enchia as chávenas. “Portanto, não sinta qualquer tipo de pressão. Todas elas estiveram onde você está agora.”
“Isso é um alívio”, Jessie confessou. “Eu tenho tanta coisa em minha cabeça ultimamente que mal me consigo lembrar de meu próprio nome.”
“Totalmente compreensível”, disse Kimberly. “Mas eu devo avisar, eu falei sobre a questão de ser especialista do FBI em perfis criminais, pelo que poderão fazer algumas perguntas sobre isso a você.”
“Oh, eu não trabalho para o FBI. Eu nem sequer me formei ainda.”
“Confie em mim - isso não importa. Todas pensam que você é uma Clarice Starling da vida real. Não me costumo enganar muito no que respeita a assassínios em série.”
Kimberly subestimara.
“Você fica na mesma sala juntamente com esses caras?”, perguntou uma mulher chamada Caroline com o cabelo tão comprido que algumas madeixas chegavam às suas nádegas.
“Depende das regras da instituição”, respondeu Jessie. “Mas eu nunca entrevistei um sem que estivesse comigo um especialista em perfis criminais experiente ou um investigador experiente, assumindo a liderança.”
“Os assassinos em série são tão inteligentes quanto parecem ser nos filmes?”, uma mulher tímida chamada Josette perguntou hesitante.
“Eu não entrevistei assassinos em série suficientes para chegar a uma conclusão”, Jessie disse. “Mas com base na literatura, bem como em minha experiência pessoal, eu diria que não. A maioria desses homens - e eles são quase sempre homens - não é mais esperta do que você ou eu. Alguns escapam por muito tempo devido a investigações mal feitas. Alguns conseguem evitar a captura porque escolhem vítimas a quem ninguém liga - prostitutas, sem-abrigo. Demora algum tempo até que as pessoas notem que essa gente está desaparecida. E às vezes eles têm apenas sorte. Quando eu me formar, meu trabalho será mudar a sorte deles.”
As mulheres educadamente encheram Jessie com perguntas, aparentemente não querendo saber que ela ainda não tinha se formado, e muito menos não tinha assumido formalmente um caso de perfil criminal.
“Portanto, você na verdade nunca resolveu um caso?”, perguntou uma mulher particularmente inquisitiva chamada Joanne.
“Ainda não. Tecnicamente, eu sou apenas uma estudante. Os profissionais lidam com os casos reais. Por falar nisso, você trabalha em quê?”, ela perguntou na esperança de a redirecionar.
“Eu costumava trabalhar em marketing”, disse Joanne. “Mas isso foi antes de Troy nascer. Ele me mantém bastante ocupada ultimamente. É um trabalho a tempo inteiro por si só.”
“Eu aposto que sim. Ele está tirando uma soneca agora em algum lugar?”, Jessie perguntou, olhando ao redor.
“Provavelmente”, disse Joanne, olhando para o relógio. “Mas ele vai acordar em breve para lanchar. Ele está na creche.”
“Oh”, disse Jessie, antes de abordar sua próxima pergunta tão delicadamente quanto possível. “Eu pensei que a maioria das crianças na creche tinha mães que trabalham.”
“Sim”, disse Joanne, aparentemente não ofendida. “Mas é tão bom para ele na creche que eu não consegui tirar ele de lá. Ele não vai todos os dias. Mas as quartas-feiras são um desafio, pelo que eu geralmente levo ele. Dias de mau humor são difíceis, certo?”
Antes que Jessie conseguisse responder, a porta da garagem se abriu e um homem corpulento de trinta e poucos anos com um cabelo ruivo indisciplinado invadiu a sala.
“Morgan!”, Kimberly exclamou alegremente. “O que você está fazendo em casa?”
“Deixei meu relatório no escritório”, ele respondeu. “Minha apresentação é daqui a vinte minutos, por isso tenho que voltar rápido.”
Morgan, aparentemente o marido de Kimberly, não pareceu surpreendido por ver meia dúzia de mulheres em sua sala de estar. Ele passou por elas a alta velocidade, oferecendo saudações gerais ao grupo. Joanne se inclinou para Jessie.
“Ele é engenheiro ou algo parecido”, ela disse baixinho, como se fosse um segredo.
“Para quem? Um dos fornecedores na área de defesa?”, Jessie perguntou.
“Não, para uma empresa imobiliária.”
Jessie não entendeu porque isso merecia tal discrição, mas decidiu não prosseguir. Momentos depois, Morgan voltou à sala de estar com uma espessa camada de papel na mão.
“Foi bom ver vocês, senhoras”, disse ele. “Peço desculpa de não poder ficar por aqui. Kim, lembra que tenho aquilo no clube hoje à noite. Por isso, volto tarde.”
“Ok, querido”, disse sua esposa, correndo atrás dele para conseguir dar um beijo antes dele sair apressado pela porta.
Quando ele se foi, ela voltou para a sala de estar, ainda corada pela visita inesperada.
“Eu juro que ele se move com tal propósito, que vocês iriam achar que ele era um especialista em perfis criminais ou algo assim.”
O comentário provocou no grupo uma onda de risada. Jessie sorriu, sem saber exatamente qual era a graça.
*
Uma hora depois, ela estava de volta à sua própria sala de estar, tentando encontrar a energia para abrir a caixa que estava à sua frente. Enquanto cortava com cuidado a fita, ela começou pensando no encontro para tomar café na casa de Kim. Tinha sido estranho. Mas ela não conseguia entender porquê.
Kimberly era uma querida. Jessie verdadeiramente gostava dela e apreciava especialmente o esforço que ela estava fazendo para ajudar a nova garota do bairro. E as outras mulheres eram todas simpáticas e gentis, se bem que um pouco sem graça. Mas tinha algo... misterioso em suas interações, como se todas compartilhassem um segredo do qual Jessie não estava a par.
Parte dela se achava paranoica por suspeitar de algo assim. Não seria a primeira vez que ela tiraria conclusões precipitadas. Mas todos seus instrutores do programa de Psicologia Forense da USC a tinham elogiado pela sua intuição. Eles não pareciam pensar que ela era mais paranoica do que 'suspeitosamente curiosa', como um professor a tinha chamado. Na época, isso tinha parecido um elogio.
Ela abriu a caixa e tirou o primeiro objeto, uma foto emoldurada de seu casamento. Ela olhou para ela por um momento, olhando para as expressões felizes em seu rosto e no de Kyle. De cada lado deles estavam familiares, todos radiantes também.
Enquanto seus olhos vagueavam pelo grupo, de repente, ela sentiu a melancolia de antes surgir novamente dentro dela. Ela sentiu no peito um aperto de ansiedade. Tentou respirar fundo, mas nenhuma quantidade de inalação ou exalação a acalmou.
Ela não tinha a certeza exatamente do que tinha causado isso - as memórias, o novo ambiente, a discussão com Kyle, uma combinação de tudo isso? O que quer que fosse, ela reconheceu uma verdade fundamental. Ela era incapaz de controlar isso sozinha. Ela precisava falar com alguém. E apesar do sentimento de fracasso que começou a se apoderar dela quando ela pegou o telefone, ela discou o número que tinha desejado nunca ter que utilizar novamente.
Jessie marcou uma consulta com sua antiga terapeuta, Dra. Janice Lemmon. Ela ficou mais relaxada só de saber que iria visitar seus antigos lugares. Seu pânico diminuiu quase imediatamente depois de agendar a sessão.
Quando Kyle chegou em casa naquela noite - cedo - eles encomendaram comida e assistiram a um filme piegas mas divertido sobre realidades alternativas chamado O 13º Andar. Nenhum dos dois se desculpou formalmente, mas eles pareciam ter redescoberto sua zona de conforto. Após o filme, eles nem sequer subiram para o quarto para fazer sexo. Em vez disso, Kyle simplesmente foi para cima dela bem ali no sofá. Isso fez com que Jessie se lembrasse de seus dias de recém-casados.
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