Ele viu-a a parar de chorar, pouco e pouco, forçando um sorriso.
“Portanto, doença terrível, visões fantásticas de mundos alienígenas... há mais alguma coisa que não me estejas a contar?”
“Apenas os números” disse Kevin.
Luna olhou para ele com óbvio aborrecimento. “Entendes que não era suposto teres dito sim?”
“Eu queria contar-te tudo” disse Kevin, embora achasse que era provavelmente um pouco tarde agora. “Desculpa.”
“Ok” disse Luna. Mais uma vez, Kevin teve a sensação que ela estava a trabalhar para processar tudo aquilo. “Números?”
“Eu também os vejo” disse Kevin. Ele repetiu-os de memória. “23h 06m 29,283s, −05° 02′ 28,59.”
“Ok” disse Luna. Ela franziu os lábios. “Eu questiono-me o que eles significam.”
Que eles não pudessem significar nada não lhe pareceu ocorrer. Kevin adorava isto nela.
Ela tinha o telefone dela. “Não é uma matrícula de carro, e seria estranho para uma palavra-passe. “Que mais?”
Kevin não tinha pensado nisso, pelo menos não com o tipo de objetividade que Luna parecia estar a aplicar ao problema.
“Talvez como um número de um objeto, um número de série?” Kevin sugeriu.
“Mas há horas e minutos lá” disse Luna. Ela parecia totalmente envolvida no problema do que isso poderia significar. “E que mais?”
“Talvez como um tempo de entrega e um local?” Kevin sugeriu. “Essas segundas partes soam como se fossem coordenadas.”
“Não está propriamente correto para uma referência de mapa” disse Luna. “Talvez se eu pesquisar no Google... oh, fantástico.”
“O quê é?” Kevin perguntou. Um olhar no rosto de Luna disse que eles tinham acertado.
“Quando digitas essa cadeia de números num motor de busca, só obténs resultados sobre uma coisa” disse Luna. Ela fê-lo soar tão certo como isso. Ela virou o telefone para lho mostrar, as páginas marcadas numa fileira organizada. “O sistema de estrelas Trappist 1.”
Kevin sentiu o seu entusiamo a aumentar. Mais do que isto, ele sentiu a sua esperança a aumentar. Esperança que isto pudesse realmente significar alguma coisa, e que não era apenas a sua doença, independentemente do que todos diziam. Esperança que isto pudesse realmente ser real.
“Porém, porque é que eu veria esses números?” ele perguntou.
“Talvez porque é suposto que o sistema Trappist seja um dos que têm a possibilidade de abrigar vida?” Luna perguntou. “Pelo que diz aqui, existem vários planetas lá no que pensamos ser uma zona habitável.”
Ela disse-o como se aquilo fosse a coisa mais óbvia do mundo. A ideia de planetas que poderiam ter vida parecia demais para ser uma coincidência quando Kevin tinha visto aquela vida. Ou visto uma vida estranha, pelo menos.
“Precisas de falar com alguém sobre isto” declarou Luna. “Tu és… como, a primeira prova de contacto extraterrestre, ou algo assim. Quem eram aquelas pessoas que procuravam alienígenas, os cientistas? Eu vi uma coisa sobre eles na televisão.”
“SETI?” Kevin perguntou.
“São esses” disse Luna. “Eles não estão localizados em São Francisco, ou São Jose, ou algo assim?”
Kevin não sabia, mas quanto mais ele pensava sobre isso, mais a ideia o puxava.
“Tens que ir, Kevin” disse Luna. “Tens de, pelo menos, falar com eles.”
***
“Não” disse a sua mãe, pousando o café com tanta força que entornou. “Não, Kevin, nem pensar!”
“Mas Mãe...”
“Eu não te vou levar de carro até São Francisco, para que tu possas incomodar um monte de loucos” disse a sua mãe.
Kevin estendeu o telefone, mostrando-lhe as informações sobre o SETI. “Eles não são loucos” disse ele. “Eles são cientistas.”
“Os cientistas podem ser loucos também” disse a sua mãe. “E toda essa ideia... Kevin, não consegues simplesmente aceitar que estás a ver coisas que não existem?”
Esse era o problema; seria muito fácil aceitar isso. Seria fácil dizer a si mesmo que isso não era real, mas havia algo perturbador na parte de trás do seu cérebro que dizia que seria uma péssima ideia se ele o fizesse. A contagem decrescente continuava, e Kevin suspeitava que ele precisava de falar com alguém que acreditasse nele antes que tal chegasse ao fim.
“Mãe, os números que eu te disse que estava a ver... eles são o local de um sistema estelar.”
“Há tantas estrelas por aí que tenho a certeza de que qualquer sequência aleatória de números se conectaria a uma delas” disse a sua mãe. “Seria o mesmo que a massa da estrela ou... ou, eu não sei o suficiente sobre as estrelas para saber o que mais, mas seria algo.”
“Não é isso que eu quero dizer” disse Kevin. “Quero dizer que era exatamente o mesmo. A Luna introduziu os números e o sistema Trappist 1 foi a primeira coisa a sair. A única coisa a sair.
“Eu deveria saber que a Luna estaria envolvida” a sua mãe disse com um suspiro. “Eu adoro essa miúda, mas ela tem muita imaginação para o seu próprio bem.”
“Por favor, Mãe” disse Kevin. “Isto é real.”
A sua mãe colocou as mãos nos ombros dele. Desde quando é que ela tinha começado a esticar-se para cima para o conseguir fazer? “Não é, Kevin. A Dra. Yalestrom disse que tu estavas a ter problemas em aceitar tudo isto. Tu precisas entender o que está a acontecer e eu tenho que te ajudar a aceitá-lo.”
“Eu sei que estou a morrer, Mãe” disse Kevin. Ele não deveria ter dito aquilo assim, porque ele pôde ver as lágrimas nos olhos da sua mãe.
“Sabes?” Porque isto...”
“Vou encontrar uma maneira de chegar lá” prometeu Kevin. “Vou de autocarro se for preciso. Vou de comboio até à cidade e caminho. Eu tenho que pelo menos falar com eles.
“E rirem-se de ti?” a sua mãe afastou-se, sem olhar para ele. “Sabes que é isso que vai acontecer, certo, Kevin? Estou a tentar proteger-te.”
“Eu sei que estás” disse Kevin. “E eu sei que eles provavelmente se vão rir de mim, mas eu tenho que tentar pelo menos, Mãe. Tenho a sensação de que isto é realmente importante.”
Ele queria dizer mais, mas não tinha a certeza se isso ajudaria naquele momento. A sua mãe estava calada o que queria dizer que ela estava a pensar, e naquele momento era o melhor que Kevin podia esperar. Ela continuava a pensar, com a sua mão a bater no balcão da cozinha, marcando o tempo enquanto ela se decidia.
Kevin ouviu o suspiro da sua mãe.
“Pois bem” disse ela. “Eu faço-o. Vou levar-te, mas só porque suspeito que, se não o fizer, receberei um telefonema da polícia para me dizer que o meu filho desmaiou num autocarro algures.”
“Obrigado, Mãe” disse Kevin, avançando para abraçá-la.
Ele sabia que ela não acreditava mesmo nele, mas de certa forma, isto tornava a demonstração de amor ainda mais impressionante.
Foi preciso cerca de uma hora para ir de Walnut Creek até ao Instituto SETI em Mountain View, mas, para Kevin, pareceu uma vida inteira. Não foi só porque esse tráfego na cidade arrastava-se por estradas congestionadas; cada momento era algo desperdiçado quando ele poderia estar lá, poderia estar a descobrir o que estava a acontecer com ele. Eles saberiam, ele estava certo disso.
“Tenta não ficar demasiado entusiasmado” a sua mãe avisou-o, pelo que parecia ser a vigésima vez. Kevin sabia que ela estava apenas a tentar protegê-lo, mas mesmo assim, ele não queria que o seu entusiasmo diminuísse. Ele tinha a certeza de que este seria o lugar onde ele iria descobrir o que estava a acontecer. Eles eram cientistas que estudavam alienígenas. Certamente eles saberiam tudo?
Porém, quando eles lá chegaram, o instituto não era o que ele estava à espera. A Avenida Bernardo, n.º 189 mais parecia uma galeria de arte ou uma parte de uma universidade do que o tipo de edifícios de alta tecnologia que a imaginação de Kevin havia conjeturado. Ele estava à espera de edifícios que parecessem ser do espaço sideral, mas em vez disso, pareciam versões caras do tipo de edifícios que a escola tinha.
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