Apesar das suas melhores tentativas para insistir que estava bem, Kevin ainda teve que ir com Hal quando o médico chegou. Kevin teve que se sentar no consultório do médico enquanto ele direcionava luzes para os seus olhos e fazia perguntas sobre uma condição tão rara sobre a qual ele obviamente não sabia mais do que Kevin sobre o que estava a acontecer.
“O diretor queria ver-nos assim que eu tivesse a certeza de que tu estavas bem” disse ele. “Achas que consegues caminhar até ao seu gabinete, ou dever-lhe-íamos pedir para vir até aqui?”
“Eu consigo andar” disse Kevin. “Eu estou bem.”
“Se o dizes” Hal disse.
Eles foram até ao gabinete do diretor, e Kevin não ficou muito surpreendido ao descobrir que a sua mãe estava lá. É claro que eles a teriam chamado em caso de uma emergência médica, é claro que ela estaria lá se ele desmaiasse, mas isso não era bom, não quando ela deveria estar no trabalho.
“Kevin, estás bem?” a sua mãe perguntou assim que ele chegou, virando-se para ele e dando-lhe um abraço. “O que aconteceu?”
“Estou bem, Mãe” disse Kevin.
“Sra. McKenzie, tenho a certeza de que não a teríamos chamado se não fosse sério” disse o diretor. “Kevin desmaiou.”
“Eu estou bem agora” insistiu Kevin.
Porém, não parecia fazer nenhuma diferença quantas vezes ele o dissesse.
“Além disso” disse o diretor “parece que ele estava muito confuso quando recuperou os sentidos. Ele estava a falar sobre... bem, outros planetas.”
“Planetas” repetiu a mãe de Kevin. O tom da sua voz foi racional ao dizer isto.
“A Sra Kapinski diz que isto interrompeu bastante a sua aula” disse o diretor. Ele suspirou. “Eu questiono-me se não seria melhor para Kevin se ele ficasse em casa durante um tempo.”
Ele disse-o sem olhar para Kevin. Havia uma decisão que estava a ser tomada ali, e embora Kevin estivesse no centro dessa decisão, estava claro que a opinião dele não seria considerada.
“Eu não quero faltar à escola” disse Kevin, olhando para a sua mãe. Certamente que ela também não iria querer que ele faltasse.
“Eu acho que o que temos que perguntar” disse o diretor “é se, neste momento, a escola é realmente a melhor coisa que Kevin pode estar a fazer com o tempo que tem.”
Provavelmente tinha tido a intenção de ser uma forma gentil de o dizer, mas tudo o que fez foi lembrar a Kevin do que o médico havia dito. Seis meses de vida. Não parecia tempo suficiente para nada, muito menos para ter uma vida. Seis meses de segundos, cada um a passar numa batida constante que combinava com a contagem decrescente na sua cabeça.
“Está a dizer que não faz sentido o meu filho vir à escola porque ele estará morto em breve?” a sua mãe retrucou. “É isto que está a dizer?”
“Não, claro que não” disse o diretor, apressadamente, levantando as mãos para acalmá-la.
“Mas é o que parece que está a dizer” disse a mãe de Kevin. “Parece que está assustado com a doença do meu filho, tanto quanto as crianças aqui.”
“Eu estou a dizer que vai ser difícil ensinar Kevin à medida que ele for piorando” disse o diretor. “Nós vamos tentar, mas... não queres aproveitar ao máximo o tempo que tens?”
Ele disse aquilo num tom gentil que ainda assim conseguiu atingir diretamente o coração de Kevin. Ele estava a dizer exatamente o que a sua mãe tinha pensado, só que em palavras gentis. A pior parte era que ele estava certo. Kevin não iria viver o suficiente para ir para a faculdade ou conseguir um emprego, ou fazer qualquer coisa para o qual ele precisasse que a escola o preparasse, então por que se preocupar em estar lá.
“Está tudo bem, Mãe” disse ele, estendendo a mão para tocar no braço dela.
Isso pareceu ser uma discussão suficiente para convencer a sua mãe, e só isto dizia a Kevin como isto tudo era sério. Em qualquer outra ocasião, ele sabia que ela teria lutado. Agora parecia que a luta tinha sido sugada dela.
Eles saíram para o carro em silêncio. Kevin olhou para a escola. Ele foi atingido pelo pensamento de que provavelmente não voltaria. Ele nem sequer tinha tido oportunidade de se despedir.
“Lamento que eles te tenham ligado para o trabalho” Kevin disse quando eles se sentaram no carro. Ele pôde sentir a tensão ali. A sua mãe não ligou o motor, limitando-se a sentar.
“Não é isso” disse ela. “É apenas... estava a ficar fácil fingir que nada estava errado.” Ela parecia tão triste, tão profundamente magoada. Kevin já se acostumara com a sua expressão que significava que ela estava a tentar não chorar. Ela não estava a conseguir.
“Estás bem, Kevin?” ela perguntou, embora naquele momento, fosse ele que estava agarrado a ela, com tanta força quanto conseguia.
“Eu... eu gostaria de não ter que sair da escola” disse Kevin. Ele nunca pensara ouvir-se a si próprio dizer isso. Ele nunca pensara que alguém o dissesse.
“Nós poderíamos voltar a entrar na escola” a sua mãe disse. “Eu poderia dizer ao diretor que te vou trazer novamente amanhã, e todos os dias depois disso, até...”
Ela calou-se repentinamente.
“Até ficar demasiado mau” disse Kevin. Ele fechou os olhos com força. “Eu acho que talvez já seja muito mau, Mãe.”
Ele ouviu a sua mãe bater no painel de instrumentos do carro, provocando um baque seco que ecoou ao redor do carro.
“Eu sei” disse ela. “Eu sei e odeio isto. Eu odeio esta doença que me está a levar o meu rapaz.”
Ela chorou novamente durante mais um bocado de tempo. Apesar das suas tentativas para se manter forte, Kevin também chorou. Pareceu demorar algum tempo até a sua mãe estar calma o bastante para dizer qualquer outra coisa.
“Eles disseram que tu viste... planetas, Kevin?” ela perguntou.
“Vi” disse Kevin. Como é que ele lhe poderia explicar como é que aquilo era? O quão real era?
A sua mãe olhou, e Kevin teve a sensação de que ela estava a lutar pelas palavras certas a dizer. Estava a lutar para ser consoladora, firme e calma, tudo ao mesmo tempo. “Tu percebes que isso não é real, certo, querido? É só... é só a doença.”
Kevin sabia que ele deveria perceber isso, mas...
“Não parece ser assim” disse Kevin.
“Eu sei que não” disse a sua mãe. “E eu odeio isso, porque é apenas um lembrete de que o meu rapaz está a escapar. Quem me dera que eu conseguisse acabar com isto tudo.”
Kevin não sabia o que dizer. Ele também desejava que tudo aquilo acabasse
“Parece real” disse Kevin, mesmo assim.
A sua mãe ficou calada por um longo tempo. Quando ela finalmente falou, a sua voz estava frágil, dificilmente mantendo-se unida. Ela tinha esta voz apenas desde o diagnóstico, mas agora tinha-se tornado demasiado familiar.
“Talvez... talvez tenha chegado o momento de te levarmos aquela psicóloga.”
O consultório da Dra. Linda Yalestrom não parecia tão médico quanto todos os outros onde Kevin tinha estado recentemente. Para começar, era a casa dela em Berkeley, com a universidade tão perto que parecia apoiar as suas credenciais tão seguramente quanto os certificados que estavam perfeitamente pendurados na parede.
O resto parecia o tipo de gabinete em casa que Kevin esperava da televisão, com mobília leve obviamente relegada para aqui depois de alguma mudança anterior, uma secretária onde a desordem se havia arrastado do resto da casa para ali, e alguns vasos com plantas que pareciam estar à espera do seu tempo, prontos para invadir.
Kevin deu por si a gostar da Dra. Yalestrom. Ela era uma mulher baixa, de cabelos escuros, na faixa dos cinquenta anos, cujas roupas eram brilhantemente padronizadas e tão distantes das roupas médicas quanto era possível conseguir. Kevin suspeitava que poderia ser esse o motivo, se ela passasse muito tempo a trabalhar com pessoas que já tivessem recebido as piores notícias dos médicos.
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